sexta-feira, março 09, 2007

Apelo Urgente às (os) Assistentes Sociais Portugueses

Apelo Urgente aos Assistentes Sociais Portugueses


A Assistente Social Sónia Guadalupe, mestre e docente do ISMT de Coimbra, que tem vindo a liderar a petição pública dos Assistentes Sociais dirigida ao parlamento para o reconhecimento da Ordem dos Assistentes Sociais, solicita a maior divulgação do assunto esperando que novas assinaturas e compromisos sejam assumidos por estudantes, profissionais, investigadores e licenciados em Serviço Social para obter uma maior adesão a esta iniciativa.
Renovamos neste espaço este forte apelo, sublinhando que é crucial para os assistentes sociais se mobilizarem com este assunto, para obter mais de QUATRO MIL ASSINATURAS, que reforcem o pedido na Assembleia da República no sentido de obter mais um passo para a cidadania profissional.
Deixamos o pedido da nossa colega de Coimbra, insistindo da necessidade de demostrar uma forte solidariedade nesta iniciativa profissional.
O Futuro nos pertence !!!
"Petição em Balanço
http://www.petitiononline.com/ordemas/petition.html

A iniciativa da petição a solicitar a apreciação do Projecto de Estatutos da ORDEM dos ASSISTENTES SOCIAIS consegui a assinatura de mais de 2500 cidadãos, essencialmente de Assistentes Sociais e estudantes dos cursos de Serviço Social.
Ora, esta é uma petição validada, mas muitas mais assinaturas são essenciais (4000, pelo menos). Basta os subscritores actuais solicitarem a apreciação da petição e respectiva subscrição a 2 pessoas para multiplicarmos o número facilmente e em curto espaço de tempo.
A petição “fechará” antes do Dia Internacional do Assistente Social, dia 27 de Março, sendo entregue via electrónica junto da AR.

Este foi o meu texto inicial:

Caros colegas
Assistentes Sociais
e demais cidadãos que concordam com a
criação de uma ORDEM dos ASSISTENTES SOCIAIS.

ASSINEM AQUI:

http://www.petitiononline.com/ordemas/petition.html

CONTO CONVOSCO e com o vosso PODER de MOBILIZAÇÂO
Está nas vossas mãos o sucesso da iniciativa!
Divulguem o mais possível

S Guadalupe
http://insistente-social.blogspot.com

Obs: no campo “cidade” coloquem a capital do concelho ou do distrito. Obrigada!


quinta-feira, março 08, 2007

8 de Março Relembrar as Mulheres Rebeldes do Serviço Social



SERVIÇO SOCIAL CRÍTICO EM TEMPOS DE DITADURA EM PORTUGAL
-MULHERES REBELDES EM SERVIÇOSOCIAL




Alcina de Castro Martins



(...)


"A afirmação e a autonomia de iniciativa dos católicos, a vontade de intervenção social, cultural e política alarga-se aos mais variados campos da sociedade, vindo a participação crítica de algumas assistentes sociais, nos anos 60 a 74 a manifestar-se: no movimento de mulheres do GRAAL que a partir de 1958 passa a existir em Portugal; nas cooperativas culturais criadas em 1964, como a "Pragma" em Lisboa e a "Confronto" no Porto; nas publicações como "Direito à Informação" criada em 1963, o "GEDOC", grupos de estudo, documentação, intercâmbio e experiências que publicam a partir de 1968 os Cadernos GEDOC, e a publicação clandestina "Boletim Anti-Colonial", em 1972; na celebração do Dia Mundial da Paz, na Igreja de S.Domingos, em 1 de Janeiro de 1969 e na Vigília de Oração pela Paz na Capela do Rato, na passagem de ano de 1972 para 1973, que procuravam denunciar a situação da guerra colonial que o regime pretendia escamotear. Entre os participantes nesta última vigília, encontravam-se as assistentes sociais Maria Teresa Abrantes Pereira e Maria Gabriela Figueiredo Ferreira e a auxiliar social Ludovina Augusta de Rodrigo Esteves que foram inquiridas pela PIDE/ DGS, julgadas e expulsas da função pública (ZENHA, et al., 1973).

Numa conjuntura particularmente desfavorável para o regime, no rescaldo das eleições de 1958, com o caso de Goa, e a eclosão da guerra colonial, num clima conspirativo, a Revolta da Sé e o Assalto ao Quartel de Beja, expressa segundo João Madeira "um processo de diferenciação e de radicalização da luta contra o regime, polarizando para a luta armada sectores que se vinham perfilando nas fileiras oposicionistas, em larga medida à margem da tutela e da influência do Partido Comunista" (MADEIRA, 2002: 23).

A participação de assistentes sociais nestas acções políticas como a Revolta da Sé (1959) e o assalto ao quartel de Beja (1962); em organizações como a Frente Patriótica de Libertação Nacional (1963), a Comissão Nacional de Socorros aos Presos Políticos (1969), o envolvimento em organizações da oposição democrática, como as Comissões Democráticas Eleitorais (CDE), integrando ou apoiando as listas dos candidatos da oposição à Assembleia Nacional, particularmente significativo nas eleições de 1969 e 1973; o colaborarem em publicações semi-clandestinas, participarem na SEDES - Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (1970) e nas Brigadas Revolucionárias (1970), vão levar assistentes sociais a conhecer a prisão e a tortura. Duas delas serão presas na sequência do assalto ao quartel de Beja, a assistente social Maria Eugénia Varela Gomes, em Janeiro, e a assistente social Maria Manuela Martins da Rocha Antunes, em Março de 1962, e em Dezembro de 1973 é presa a assistente social Maria Gabriela Figueiredo Ferreira por integrar o grupo de católicos que publicava o BAC - "Boletim Anti-Colonial" (Fundo PIDE/DGS).

A representação das assistentes sociais como católicas, conservadoras e cúmplices do regime, que o Decreto Lei nº 30135 de 14 de Dezembro de 1939 definia como "conscientes e activas cooperadoras da Revolução Nacional" (MARTINS, 1997: 23), constitui parte da realidade da profissão, nesses tempos. Outra faceta do serviço social português, com menos visibilidade e remetida ao silêncio e ao esquecimento, alia-se às assistentes sociais que não se pautaram pelo colaboracionismo, nem colaboraram como meio de promoção social com o regime, que fizeram incursões na acção política e social, que participaram na "resistência civil", conceito que segundo Jacques Semelin designa "o processo espontâneo de luta da sociedade civil por meios não armados contra a agressão de que é vítima", (SEMELIN, 1989: 49), quer através de instituições, como instâncias políticas ou jurídicas, Igrejas, sindicatos, organismos profissionais, quer através da mobilização das populações, ou pela combinação de ambas. A principal finalidade é "manter a integridade da sociedade civil, a coesão dos grupos sociais que a compõem, a defesa das liberdades fundamentais, o respeito dos direitos da pessoa, das aquisições sociais e políticas" (SEMELIN, 1989: 53).

Num país em que a censura, a repressão, a pobreza, o isolamento, o imobilismo, o medo e o silêncio atravessavam o quotidiano dos portugueses, tomadas de posição críticas e acções de resistência social — em que "resistir é antes de mais encontrar a força de dizer "não" sem necessáriamente ter uma ideia muito clara do que se aspira" (SEMELIN, 1989: 50) — associado ao quotidiano profissional, feito de cumplicidades silenciosas, sob uma aparente submissão, contribuiem para alargar o nível de consciência social e política de profissionais empenhadas e para ser questionada e rejeitada a questão da neutralidade da profissão.

Encontrando-se a formação de serviço social próxima das estruturas da Igreja Católica em estreita articulação e consonância com os interesses do Estado (MARTINS, 1999 a), as divergências com qualquer um destes poderes, não deixa de se fazer repercutir nos Institutos de Serviço Social.

As tensões e os conflitos entre a direcção do Instituto de Serviço Social de Lisboa com a entidade jurídica de suporte, a Associação de Serviço Social que integra professores universitários e figuras ligadas ao regime político, encontrando-se vinculada ao Patriarcado, são evidenciados em várias situações. A que vamos mencionar está associada à divulgação e influência da psicologia dinâmica, psicanálise, grupo-análise nos métodos de serviço social (finais dos anos 50 e princípio da década de 60), que não sendo aceite pela entidade jurídica de suporte, conduz à demissão da directora, a Assistente Social Maria Carlota de Magalhães Lobato Guerra e com ela sai o grupo de docentes de serviço social que lhe estava próximo.

É nomeado para director do Instituto de Serviço Social de Lisboa, o Padre José Honorato Gomes Rosa que censura e dá por terminada estas novas orientações na formação das futuras assistentes sociais. Contraditoriamente, é este director que em 1964 assume uma posição política contrária ao regime, informando a Presidente da Associação de Serviço Social, da posição que tomou junto do Ministro da Educação Nacional, "o seu desacordo quanto à reacção publicamente expressa, como do Governo e do Povo Português, à anunciada presença de Sua Santidade o Papa no próximo Congresso Eucarístico Internacional em Bombaim", (NEGREIROS, 1999: 91). As acusações do governo português à visita do Papa Paulo VI à Índia, desencadeiam críticas por parte de outros membros do clero de Lisboa, de um grupo de professores do Seminário dos Olivais e de um grupo de leigos (CRUZ, 1999: 173). É ainda este director que não autoriza que as alunas de serviço social façam estágios no Movimento Nacional Feminino (BRANCO, 1992: 68), que misturava nacionalismo, catolicismo e assistência, e que na altura das cheias de 1967 oferece a ajuda de alunos e assistentes sociais do Instituto a hospitais e outros serviços sociais.


A directora do Instituto Superior de Serviço Social do Porto, a Licenciada em Filologia Clássica e Assistente Social Julieta Marques Cardoso e a directora do Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, a Assistente Social Maria Teresa Margarida Granado, indigitadas pelas congregações a que pertenciam vêm a desvincular-se, nos anos 60 e início de 70, respectivamente da "Sociedade das Filhas Coração de Maria" e das "Franciscanas Missionárias de Maria", permanecendo, no entanto, na direcção das escolas, contribuindo para um processo de afastamento da influência da Igreja, que prossegue com as disciplinas de Doutrina Social da Igreja e de orientação religiosa, que por pressão de professores e alunos passam numa primeira fase a disciplinas optativas, acabando por ser suprimidas, antes de 1974. Porém, o processo de laicização, com a completa desvinculação dos Institutos de Serviço Social da Igreja, só ocorrerá após o 25 de Abril de 1974.

As práticas profissionais constituem outros espaços onde o embate com a pobreza e a situação real do país, levam assistentes sociais a reflectir e a confrontar sobre qual era o mandato institucional e o que aspiravam fazer, existindo tentativas de traduzir nas práticas profissionais, posições críticas e o anseio de contribuirem para a mudança desse estado de coisas.

Através de informações recolhidas por meio de entrevistas realizadas a várias assistentes sociais que exerceram a profissão, no período em análise, em diversos campos de actividade, é possível apresentar algumas das questões e dos posicionamentos que atravessaram o quotidiano profissional, aproximando-nos da descoincidência entre as práticas e o discurso oficial.

Assim, em grandes empresas, com experiência de organização operária, há assistentes sociais que não aceitam fazer o que os patrões querem, como serem remetidas para as obras assistenciais, ficando impedidas de contactar com os trabalhadores no local de trabalho; outras recusam-se a falar com os trabalhadores, no sentido de acabarem com as greves, ou fazerem estudos sobre as condições em que os operários vivem, sem anteriormente saberem quais as reais intenções dessas investigações; vindo a demitir-se. Outras desenvolvem trabalhos no sentido de fundamentarem propostas para uma nova política salarial, com base em estudos de rendimentos e despesas familiares, e sensibilizam os trabalhadores a inscreverem-se nos sindicatos, após a "abertura" marcelista.

A crise do serviço social tradicional nos anos 60, como fenómeno internacional (NETTO, 1998: 142) e a existência de uma perspectiva modernizadora do serviço social tem também tradução entre nós.

A perspectiva desenvolvimentista do país, com a experiência dos planos de fomento, as reformas no sistema de protecção social, como a da "saúde e assistência" (1962), a criação de novos serviços na Direcção Geral de Assistência (RODRIGUES, 1999), colocam novas exigências aos assistentes sociais, como serem intervenientes, dinamizadores e integradores no processo de desenvolvimento económico-social.

Segundo Manuela Silva "duas décadas e meia de crescimento económico sustentado não permitiram pôr termo à pobreza e ainda em 1973 a pobreza continuava a ser uma realidade dura para muitos portugueses", quase um terço da população se encontrava excluída da possibilidade de dar satisfação a necessidades fundamentais. (SILVA, 1982: 1079 e 1080).

O ciclo de estudos em Bristol (1959), organizado pela Organização das Nações Unidas preconiza a "integração dos programas de desenvolvimento comunitário nas estruturas administrativas centrais e locais" (SNPSS, 1962: 63), vindo as assistentes sociais a participar em experiências, serviços e projectos de Desenvolvimento Comunitário (COUTINHO, 1999), de iniciativa pública e não pública, que procuram incrementar políticas económicas e de promoção social com o pressuposto da colaboração entre os poderes públicos e a população.

Porém, assistentes sociais vão questionar essa concepção de Desenvolvimento Comunitário, a não democraticidade dos serviços, propondo a eleição de chefes de serviço, o que veio a acontecer no Serviço de Promoção Social Comunitário, da Direcção Geral de Assistência, mas a concepção que têm do poder, leva-as quando eleitas a não aceitar tais cargos. Desenvolvem estratégias de dinamização e organização das populações, passando por uma intervenção activa na sociedade em ordem à melhoria das condições de vida, à criação de espaços de liberdade, ao exercício da autonomia e ao desenvolvimento da capacidade crítica. Competências ao nível do planeamento, investigação social, avaliação e formação dos profissionais são também incrementadas. As estratégias de alfabetização de adultos e o processo de consciencialização, segundo Paulo Freire, adoptados por assistentes sociais permite-lhes também encetar o debate sobre questões nacionais, associado ao carácter de denúncia da situação do país.



Um dos primeiros questionamentos das assistentes sociais, prende-se com o carácter assistencialista do serviço social — comparado à gota de óleo que contribui para fazer rodar a engrenagem — e a constatação da ineficácia do atendimento individualizado no superar das necessidades básicas da população. O confronto com as situações de desigualdade e opressão provoca em algumas assistentes sociais inconformismo, indignação e revolta, levando-as a afastarem-se da profissão ou a repensarem as práticas existentes, com vista a ultrapassar esse mal estar. É na confluência destes questionamentos que assistentes sociais começam a considerar que os problemas sociais não podem ser atribuídos aos que vivem essas situações, culpabilizando-os, existindo a necessidade de analisar mais profundamente a organização da sociedade, dirigindo as práticas para as questões estruturais.

Algumas assistentes sociais acreditam que era possível mudar as coisas, apesar dos limites e condicionalismos, a não se conformar com a pobreza, a encontrar a força de dizer "não" e de não ceder, a serem dissidentes ou desobedientes perante as normas e políticas vigentes, serem pioneiras e criativas, correndo riscos pelo seu envolvimento social, em prol da população com quem trabalhavam.

Este tipo de experiências, não só vêm desafiar as práticas existentes, vistas como incómodas e ameaçadoras, vindo assistentes sociais e outros profissionais a serem demitidos do Serviço de Promoção Social Comunitário, que também acaba por ser extinto.

Práticas que semeiam a desconfiança política passam a estar sob os olhares da PIDE/ DGS, que marca presença em reuniões com a população, fazendo visitas de surpresa às escolas de Serviço Social, exigindo explicações, os telefones ficam sob escuta, o correio é vigiado, são feitas ameaças e perseguições.

As expectativas de liberalização do regime e a frustação com as eleições para deputados, em 1969, geraram uma animação e um impulso decisivos na acção oposicionista no plano sindical, em que se desenhava uma margem de relativa liberdade, traduzida na possibilidade de substituir, ainda que com luta, as direcções da confiança do Governo, manifestando-se também na organização sindical das assistentes sociais.

O Sindicato de Assistentes Sociais, Educadoras Familiares e outras Profissionais de Serviço Social é criado em 1950, como organismo corporativo, subordinado ao Ministério das Corporações e Previdência Social. O Alvará de 23 de Julho de 1950 aprova os estatutos deste Sindicato Nacional, que segundo o Art. 3º, "renuncia a toda e qualquer forma de actividade, interna ou externa, contrária ao interesses da Nação Portuguesa" e o Art. 4º, "subordina os seus interesses ao interesse superior da economia nacional" e "repudia a luta de classes" (INTP, 1950: 395).

A acção do sindicato nos anos 50 tem por base a realização de retiros — indicador da forte influência da Igreja Católica, reforçada em 1951 pela filiação do sindicato à União Católica Internacional de Serviço Social (UCISS), seguindo as suas orientações — a organização de acções de aperfeiçoamento profissional e a publicação, de 1956 a 1962, de catorze números da primeira revista de Serviço Social Português, "Cadernos de Serviço Social - Boletim Trimestral das Trabalhadoras Sociais Portuguesas" (SNPSS, 1956 a 1962). Nestes anos não existe qualquer iniciativa em prol da melhoria das condições de trabalho e de remuneração destas profissionais.

Com a "abertura sindical" de 1969-70 passa a ter lugar a "abolição do sancionamento governamental dos dirigentes eleitos e, no plano da contratação colectiva, a consagração da obrigatoriedade de negociar e o consequente estabelecimento de mecanismos de resolução dos conflitos colectivos de trabalho". (BARRETO, 1990: 58). Neste contexto, as direcções do Sindicato dos Profissionais de Serviço Social, de 1970 a 74 integram ou são constituídas por profissionais, que se apresentam como independentes do poder vigente, tornando-se a intervenção sindical um campo de luta política das assistentes sociais.

Vão conceber e afirmar o serviço social como profissão, procurando obter melhores condições de trabalho, decorrente da condição de trabalhadoras. Iniciam uma efectiva acção sindical, participando na contratação colectiva de trabalho e na regulamentação da profissão, em prol de um estatuto sócio-profissional que levasse ao reconhecimento do serviço social pela sociedade portuguesa, não pela "vocação", "missão" e origem de classe das primeiras assistentes sociais, mas pelo exercício profissional, qualificado e socialmente útil. Neste sentido, em 1971, é parecer do sindicato que a formação de serviço social seja integrada na Universidade e que os assistentes sociais já formados tenham acesso à licenciatura (SNPSS, 1971).

O sindicato vai privilegiar a informação, dinamização e o debate entre assistentes sociais, com a criação de uma rede de delegados regionais e distritais, a organização de grupos de trabalho para a contratação colectiva de trabalho, relações com outros sindicatos e relações internacionais, contribuindo para uma participação activa, individual e em grupo dos sócios nas actividades do sindicato, combatendo o isolamento em que a maioria se encontrava, mencionando o "Relatório e Contas" de 1972 a "falta de hábitos de análise do contexto sócio-político", bem como a inexistência de informação que estimule o seu desenvolvimento" e "a inexistência de meios (incluindo as traduções de livros e revistas) que permitam "acompanhar" a evolução do saber próprio e das ciências em que se apoio o Serviço Social" (SNPSS, 1972: 21).

A direcção do Sindicato dos Profissionais de Serviço Social é uma das primeiras a aderir às Reuniões Intersindicais, criadas em 1970, onde "não iria quem queria, mas quem fosse convidado" (BARRETO, 1990: 85). O envolvimento de assistentes sociais nos movimentos dos católicos progressistas e em torno das comissões ou grupos sócio-profissionais da CDE, que vieram posteriormente a integrar a direcção do Sindicato dos Profissionais de Serviço Social, contribui para conferir a credibilidade e a confiança necessárias para que sejam aceites neste tipo de reuniões. Esta participação, por um lado veio reforçar a acção pioneira do sindicato no campo da negociação colectiva de acordos de empresa ou contratos colectivos de trabalho, em empresas com assistentes sociais e na Administração Pública na definição das funções destes profissionais, com incidência na classificação na grelha salarial, autonomia e relações com a hierarquia e por outro lado, veio evidenciar as limitações do associativismo impostas pelo regime, que em 1971 proibe as reuniões intersindicais, retomadas em 1972 numa semi-clandestinidade, contribuindo para forjar um sentimento de revolta, mas também de solidariedade e de cumplicidade com as lutas de outros trabalhadores, de outros sindicatos, contra a ditadura (ROSA, 1997: 30).

A direcção do sindicato luta para que a situação mude, sendo alvo de pressões políticas por parte de membros do governo, de perseguição e de censura à informação sindical (FERREIRA, 1992: 103 e 104). Em 1973 são apresentadas duas listas às eleições para os orgãos do sindicato, demonstrando que já não era possível conceber o serviço social apenas sob um único olhar, o do regime, vindo a ganhar a lista de assistentes sociais progressistas, que reforçava a política que vinha sendo desenvolvida pelo sindicato desde 1970, que segundo o testemunho da Presidente do Sindicato, Teresa Serôdio Rosa, nas "Jornadas Internacionais - Serviço Social no Feminino", afirmava "a condição de assalariadas submetidas, mas com algum poder (...), e que buscavam negociar as suas condições de trabalho e do exercício profissional". Perde a lista apoiada pelas assistentes sociais conservadoras, que defendiam o proteccionismo das elites políticas (ROSA, 1997: 31).

As eleições legislativas de 1973 põem fim às ilusões reformistas, aumentando a agitação social, estudantil e política. Ao nível do serviço social dir-se-ia que a radicalização de posições com a participação na Intersindical, a acção sindical e a defesa da licenciatura em serviço social, levaram estas assistentes sociais, que constituem uma minoria na profissão a afirmarem a identidade de um serviço social não ortodoxo e crítico, neste contexto da Ditadura.

Como traços principais deste serviço social crítico aponta-se o processo de politização em que os assistentes sociais se foram envolvendo por diversas vias, com reflexos no posicionamento político e na intencionalidade da acção profissional, com expressão ao nível de práticas de resistência isolada, alternativas ao serviço social tradicional e às exigências sóciopolíticas da ditadura, com a recusa da neutralidade da profissão e o comprometimento com a defesa dos interesses das populações com quem trabalhavam.

O serviço social crítico associa-se também à abordagem de práticas que incluem o desenvolvimento de estratégias de consciencialização social e de emancipação, uma orientação para a mudança social e para a transformação dos processos e das estruturas que perpetuam a dominação e a exploração. A óptica é no entanto mais de resistir às políticas vigentes do que uma perspectiva de criação de novas políticas. Dir-se-à que a construção desse serviço social crítico, corresponde ao máximo de possibilidade histórica que o grupo de assistentes sociais podia ter naquela altura, a "consciência possível", que segundo Lucien Goldmann, traduz "o máximo de conhecimento adequado à realidade que os processos e as estruturas estudadas podem comportar" (GOLDMANN, 1984: 31).

Não se pode esquecer que a formação sustentava-se numa análise da sociedade muito conformista, face à existência da censura a simples procura de fontes de informação não oficiais constituia desde logo algum risco, sendo precária a fundamentação ao nível do conhecimento crítico e da formação teórica de serviço social, que sustentasse uma reflexão crítica das próprias práticas profissionais, assumida na época por uma minoria de assistentes sociais.

A este estado de coisas não pode alhear-se o fraco desenvolvimento, em Portugal, no período em análise, das ciências sociais, tanto a versão convencional, como a versão crítica de cada uma das disciplinas (WALLERSTEIN, 1996) e da tradição marxista. Adérito Sedas Nunes a propósito da sociologia, refere que "para os responsáveis do Regime não era, porém, somente inútil e abstrusa, era também e sobretudo perigosa, suspeita, subversiva" (NUNES, 1988: 37), tendo sido "rapidamente confundida com Marxismo, uma vez que o marxismo aparecia então, e não apenas aos estudantes, como a arma intelectual mais potente da desvelação e desautorização dos mecanismos de opressão e repressão social sobre os quais as sociedades capitalistas se fundavam" (NUNES, 1988: 41).

Também relativamente ao conhecimento do Serviço Social de outros países, como o Movimento de Reconceptualização do Trabalho Social na América Latina e o Serviço Social Crítico e Radical existente noutros países, chegam poucos ecos e tardiamente, só após a revolução de Abril de 1974 é que passa a existir uma maior divulgação. Neste contexto é de referir o afastamento da formação em Serviço Social das estruturas universitárias públicas e de investigação científica, que irá manter-se até aos últimos anos do século XX.

Não é ignorando, rejeitando ou glorificando períodos da trajectória história do serviço social português que se contribui para um projecto profissional em construção para este século XXI (HENRÍQUEZ, 2001).

A abordagem que se tem vindo a desenvolver ao nível da investigação histórica do serviço social português pretende por um lado constituir um instrumento fundamental no processo de (re) construção da identidade profissional, dando visibilidade às relações com os movimentos sociais e políticos, à fundamentação teórica das práticas profissionais, à concepção do poder e identidade, aos debates e movimentos fruto do confronto de posições no interior da profissão (MARTINS, 1999), que desde a sua génese se contrapõem as formas de serviço social ortodoxo ou tradicional e o serviço social crítico. Por outro lado, pretende-se também identificar aspectos da actividade social e política de resistência de mulheres portuguesas em Tempos de Ditadura — no caso presente, assistentes sociais — que a historiografia raramente contempla (NOBRE DE MELO, 1975).

A investigação histórica do serviço social português desenvolvida por assistentes sociais, constitui hoje uma das linhas de investigação no serviço social e uma das facetas da sua identidade, neste início do novo século. (...) "









in SERVIÇO SOCIAL CRÍTICO EM TEMPOS DE DITADURA EM PORTUGAL1
-MULHERES REBELDES EM SERVIÇOSOCIAL
www.cpihts.com


Alcina Maria de Castro Martins

Doutora em Serviço Social, Pos-doutoramento em Serviço Social, Directora da Licenciatura em Serviço Social e Coordenadora Científica do Mestrado em Serviço Social no Instituto Superior Miguel Torga, em Coimbra, Integra presentemente a Comissão de Especialistas em Serviço Social no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia e Ensino Superior. Coordenadora Científica do Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social - CPIHTS


Comunicação apresentada no I Congresso Nacional de Serviço Social, Aveiro, 23 e 24 de Maio de 2002, relativa ao serviço social português, dos finais dos anos 50 ao 25 de Abril de 1974, com base na investigação de pós-doutoramento, em curso, "Mulheres Rebeldes em Serviço Social em Tempos de Ditadura" e algumas reflexões sobre a situação então presente da investigação e o serviço social neste país.

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quarta-feira, março 07, 2007

Serviço Social CRESS Apela à Mobilização Feminista Para Salvar O Mundo

FEMINISTAS EM LUTA PARA MUDAR O MUNDO




Por igualdade, autonomia e liberdade!

Somos mulheres em movimento. Acreditamos na força da mobilização para mudar o mundo, o Brasil e nossas vidas.

Manifestamos cotidianamente a nossa indignação com as guerras, a violência, a dominação dos povos, a concentração de riqueza, as relações de opressão e exploração, a exclusão social, a discriminação e a destruição da natureza que nos desumaniza e rouba o nosso futuro.
Feministas são mulheres que lutam para mudar as regras estabelecidas e alterar a ordem patriarcal e de exploração capitalista.
Feministas são mulheres que dizem não aos preconceitos, à deformação e desqualificação do feminino pelos meios de comunicação com vistas a manter o controle sobre nossos corpos e mentes.
Feministas somos nós, mulheres que queremos a igualdade, autonomia, liberdade, paz e solidariedade!

M A N I F E S T A Ç Ã O

8 de março de 2007 - 15 horas, na avenida Paulista.Concentração na Praça Oswaldo Cruz (próximo do metrô Paraíso) com marcha e ato final até o MASP


Nossa luta é para derrotar o imperialismo, o machismo, o racismo, o preconceito em relação a orientação sexual e a mercantilização das mulheres.


Neste 8 de março nos solidarizamos com as mulheres de todo mundo que sobrevivem e lutam contra a violência, que vivem em casa, na rua, nas favelas e as mulheres vítimas da guerra como no Iraque e na Palestina, e nos vários conflitos produzidos e estimulados pelo imperialismo.
Por isso, na passagem de Bush pelo Brasil, vamos nos posicionar fortemente contra sua política para o mundo. Fora Bush do Brasil, da América latina e do Mundo!


Dizemos não a este modelo de sociedade que concentra riqueza nas mãos de poucos e promove a guerra e a militarização no mundo.


Dizemos não aos acordos de livre comércio que somente ampliam o lucro das empresas transnacionais impondo destruição dos direitos trabalhistas e do meio ambiente.
Dizemos não à indústria de beleza e ao culto à magreza que escraviza e mutila as mulheres, colocando suas vidas em risco, como vimos nas mortes recentes das jovens por anorexia.
Dizemos não à divisão sexual do trabalho, que determina e separa as atividades de homens e mulheres e faz com que o trabalho dos homens seja mais valorizado que o das mulheres, que inclusive recebem salários menores para as mesmas funções.


Exigimos que a responsabilidade pela reprodução cotidiana da vida, através do trabalho doméstico e de cuidados, seja compartilhada com os homens, a sociedade e o Estado.
Não vamos tolerar nenhuma reforma que enfraqueça ou retire os poucos direitos que já conquistamos no mundo do trabalho. Exigimos a ampliação dos direitos e das conquistas das trabalhadoras. Queremos maior acesso ao mercado de trabalho e salário igual por trabalho igual.
Denunciamos as milhares de mortes de mulheres - a maioria pobres, negras e jovens - que acontecem em decorrência da realização de abortos clandestinos e em condições inseguras. A criminalização do aborto não diminui sua realização, mas põe em risco a vida de milhares de mulheres. A cada 8 minutos uma mulher no mundo morre em conseqüência dessa hipocrisia.

Somos contra a imposição da maternidade como destino de todas as mulheres. Exigimos que o Estado garanta as condições para que cada mulher possa decidir, respeitando nossa autonomia.
Dizemos não a todas as formas de violência contra as mulheres.
Exigimos a garantia de uma vida sem violência física, sexual, doméstica, econômica, e sem a violência da exclusão. A Lei Maria da Penha, que proíbe e penaliza a violência contra as mulheres é uma conquista da luta das mulheres. Exigimos que ela seja aplicada na sua totalidade em todas as instâncias governamentais!
Lutamos pela liberdade e autonomia das mulheres. Dizemos não à banalização da sexualidade e reivindicamos o direito à livre expressão da sexualidade.
Dizemos não à concentração de terra e renda nas mãos de poucos.
Queremos a reforma agrária e a valorização do salário mínimo como política de distribuição de renda e que beneficiará a grande maioria das mulheres, em particular as negras e camponesas.
Dizemos não ao modelo de produção orientado para a exportação, impulsionado pelo agronegócio e pelas grandes transnacionais que controlam a alimentação.
Queremos a soberania alimentar, que é o direito dos povos a decidir sobre as formas de produção, distribuição e consumo, respeitando sua cultura e hábitos alimentares. Portanto uma produção saudável e sem agrotóxicos.
Exigimos reforma urbana de fato para que todas as mulheres tenham direito a moradia digna.
Feministas somos nós e pode ser você que deseja um mundo melhor!

COMO ANDA A VIDA DAS MULHERES ?


A cada 15 segundos uma mulher sofre violência no Brasil.
Quase 1/3 das mulheres ocupadas é trabalhadora doméstica ou exerce atividade sem remuneração.
Segundo o IBGE, 91% das mulheres fazem serviços domésticos, enquanto apenas 46% dos homens o fazem.
Entre todos os países, o Brasil é o 82º em termos da participação política das mulheres na política.
O tráfico de mulheres é a terceira máfia mais lucrativa no mundo.


HISTÓRIA DO DIA INTERNACIONAL DE LUTAS DAS MULHERES


O 8 de Março é o Dia Internacional de Luta das Mulheres. Relembra a grande onda grevista das operárias têxteis de Nova Iorque (EUA), em 1908 e 1911, em luta por redução de jornada de trabalho, salário igual e contra a intolerância patronal, além da mobilização de mulheres de muitos países pelo direito ao voto e da ação política das operárias russas que desencadearam a Revolução em 1917, saindo às ruas contra a fome, a guerra e a tirania.


Essa data, sugerida por Clara Zetkin como marco de comemoração na II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas em 1910, foi proposta como data oficial do dia internacional da mulher na Conferência Internacional das Mulheres Comunistas em 1921.

A partir de 1922, o Dia Internacional da Mulher é celebrado oficialmente no dia 8 de Março.



APEOESP, Centros Acadêmicos: XI de agosto (Direito USP), Pedagogia Unicamp, Psicologia São Marcos, Saúde USP Ribeirão Preto, Casa Cidinha Kopcak, Casa da mulher Lilith, Casa da Solidariedade, Casa Sofia, Casa Viviane dos Santos, Central de movimentos populares, Centro Oscar Romero, CIM, Coletivos de Mulheres do PT de Campo Limpo/Diadema/Pirituba/ Centro, Comitê Estadual da Marcha Mundial das Mulheres, Comitê multipartidário, Comunas Urbanas, Comunidade Oyá e de Ogum, Conlutas, Consulta Popular, DCE Unicamp, DCE USP, Ecosol, Fórum Centro Vivo, Fórum de Luta Anti-manicomial, Fórum Estadual de Mulheres Negras SP, Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência –SP, Fuzarca feminista, GEMEL, Grupo 25 de Agosto, Grupo de União e Consciência Negra, GT Mulheres do Centro Gaspar Garcia, Jovens Feministas, Juventude do PT, Kizomba Lilás, Liga Brasileira de Lésbicas, MDPD, MNOB, MTST-RC, MSTC, Mov Trab. Desemp. da Zona Leste, Movimento de Moradia do Centro, Movimento de moradia Ipiranga, Movimento Pop de saúde, MST, MTD, MTST, Mulheres de Diadema, Ribeirão Preto, Itatiba, Jarinú, São José dos Campos, Jundiaí e Várzea Paulista, Mulheres Negras de Taipas, Núcleo de Gênero Raça/Etnia F

Dia Mundial da Mulher: Mulheres Rebeldes do Serviço Social Eugênia Varela Gomes



Mulheres políticas, lutadoras Antifascistas

Uma Leitura de Mulheres em Tempos Sombrios.
Oposição Feminina ao Estado Novo
de Vanda Gorjão.

Quando se fala de resistência à ditadura do Estado Novo a todos ocorrem expressões como clandestinidade, exílio, prisioneiros políticos, mas poucas vezes tais palavras se associam a sujeitos femininos.
A obra de Vanda Gorjão, Mulheres em Tempos Sombrios. Oposição Feminina ao Estado Novo (1), dá-nos a conhecer mulheres que se destacaram pela sua acção política durante os anos da ditadura. Quem foram e como viveram essa situação? Que papel desempenharam?
Vanda Gorjão responde a estas questões baseando-se nos percursos (pessoais e políticos) de lutadoras como Alda Nogueira, Cesina Bermudes, Irene Cortesão, Isaura Silva Borges Coelho, Maria Barroso, Maria Elvira Cortesão, Maria Eugénia Varela Gomes, Maria Fernanda Silva, Maria Isabel Aboim Inglês, Maria Lamas, Stella Piteira Santos e Virgínia Moura, entre outras. Entre 1945 e 1960, criaram movimentos ou pertenceram-lhes, foram perseguidas pelo regime de Salazar e estiveram, na sua maioria, nas prisões da PIDE.
A oposição feminina desenvolveu três tipos de luta: a das camponesas e operárias - responsáveis por protestos, greves, marchas; a das "companheiras" - que trabalhavam nos bastidores da clandestinidade comunista, mantendo, em "casas" do partido, como forma de apoio ao trabalho clandestino, a fachada de uma vida familiar normal; e a das intelectuais - responsáveis por uma oposição ideológica de elite.Quanto às últimas, objecto do estudo de Vanda Gorjão, pertenciam a meios privilegiados da aristocracia, burguesia ou classe média urbana, e a círculos sociais e culturais de acesso restrito: nomeadamente, famílias liberais, republicanas, socialistas, comunistas ou anarco-sindicalistas. Isso garantir-lhes-ia visibilidade social e certa protecção em momentos problemáticos de perseguição e encarceramento. O que não diminui o valor da coragem física e psicológica revelada.
Primeiros confrontos
Algumas primeiras rebeldias, logo no liceu, apontam já para uma aguçada reflexividade e consciência de (in)justiça.
Irene Cortesão escreveu uma carta à reitora, em nome da mãe e com o desconhecimento desta, afirmando não concordar que a filha (na realidade, a irmã, Elvira Cortesão) frequentasse a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF).
Isaura Borges Coelho, a meio de uma cerimónia religiosa importante, entrega o emblema da Juventude Operária Católica ao bispo, afirmando que tinha deixado de acreditar em Deus.
Maria Fernanda Silva chegou a ser chefe de quina da MPF, mas foi expulsa no 4º ano por se recusar ir a uma procissão.
A partir da década de 40 e, sobretudo, a partir da de 60, as raparigas começaram a aceder à universidade em grande número, mas as suas expectativas escolares e profissionais dependiam de um cenário de domesticidade: casa, marido, filhos. A maior parte das mulheres que estudavam, sobretudo as de Letras, desapareciam no 2º ano do curso, porque casavam. As estudantes oposicionistas, na sua maioria, seguiram percursos científicos, embora as saídas profissionais acabassem por direccioná-las no sentido da feminização, ao enveredarem pelo ensino.
De igual forma, não escaparam ao cenário de domesticidade.Os anos da universidade revelavam-se "preponderantes no sentido de impulsionar e ampliar, na prática, manifestações, actividades e tarefas de carácter oposicionista, mesmo para aquelas que tinham iniciado o envolvimento político no liceu, como Alda Nogueira e Virgínia Moura" (2). Maria Barroso convive, na faculdade, com um grupo fortemente politizado, onde conheceu Mário Soares; Maria Fernanda Silva foi convidada por um colega para integrar o Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF) e participar em reuniões em casa do professor Bento de Jesus Caraça - pouco depois aderia ao PCP.

Perseguição profissional e política
A profissão colocou-as em contacto com a ideologia político-social do salazarismo, a qual repudiaram, o que acabou por fortalecer as tendências oposicionistas.
Maria Eugénia Varela Gomes, assistente social, apercebeu-se da "instrumentalização do Estado Novo sobre as assistentes sociais como apaziguadoras de descontentamentos, simulando resolver problemas, mas tomando como natural a hierarquia entre grupos sociais e a divisão entre ricos e pobres" (3). Abandonou o serviço social por recusar pactuar com o regime.
Isaura Borges Coelho liderou a luta das enfermeiras no sentido de contrariar a lei que as impedia de casar. Esteve presa. Foi-lhe apreendido o diploma. Não conseguiu colocação e esteve quatro anos sem exercer enfermagem.
Maria Lamas, redactora da revista Moda e Bordados desde 1929, e sua directora desde 1938, foi afastada do lugar na sequência da Exposição de Livros Escritos por Mulheres, organizada em 1947 pelo Conselho Nacional de Mulheres Portuguesas, ao qual presidia.
A Cesina Bermudes foi recusada, por motivos igualmente políticos, a sua entrada como professora efectiva na faculdade de Medicina, embora se tivesse doutorado com 19 valores. Maria Barroso foi demitida do Teatro Nacional, em 1948, como sanção política.
Muitas destas mulheres passaram pelos calabouços da PIDE, uma ou mais vezes. Veja-se o quando e o porquê de alguns casos: Maria Isabel Aboim Inglês, em 1946, por distribuir exemplares de um documento do Movimento de Unidade Democrática (MUD); de novo em 1958, por desrespeitar o tribunal ao afirmar que "quem não presta declarações na polícia é digno de admiração por ser amante da liberdade" e, também, por louvar o PCP ao proceder dessa forma (4). Maria Lamas, pela primeira vez, em 1949, por ter assinado um documento de protesto contra a prisão de José Morgado e diversas vezes, após essa data, por participar em congressos internacionais pela paz e pelos direitos das mulheres.
Virgínia Moura, em 1949 - a PIDE ia à sua procura sempre que se aproximava uma data comemorada pelos antifascistas ou sempre que havia agitação política. Isaura Borges Silva Coelho, no seu julgamento, em 1953, denunciou as duras condições em que as enfermeiras trabalhavam nos hospitais, acusou a polícia de infligir torturas morais e físicas aos presos, deu relevo ao MUD Juvenil e protestou contra o facto de as enfermeiras não poderem casar.
Stella Piteira Santos, em 1962, sob a acusação de estar envolvida em actividades que visavam a alteração da constituição por meio da rebelião armada - quando do fracassado golpe de Beja, ela é que conduziu Humberto Delgado de Lisboa até ao Porto Alto, onde se encontrava o carro que o levaria a Beja.
Maria Eugénia Varela Gomes, em 1962, também por tentativa de alteração da constituição por assalto à mão armada. Depois da libertação, em 1964, empenhou-se na formação da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Alda Nogueira esteve na clandestinidade 10 anos, até ser presa em 1959. Esteve presa 9 anos e 3 meses. Na altura da prisão e condenação assumiram frontalmente as suas posições políticas. O que diziam em tribunal era uma forma de protesto, de se fazerem ouvir publicamente. Era provavelmente o único espaço em que, pela especificidade do processo de defesa, lhes era permitido dizer oficialmente o que pensavam do regime.
Género e acção política

Não é possível ignorar que a oposição feminina foi condicionada pela pertença de género. Maria Fernanda Silva afirma claramente que parecia mal as mulheres andarem na política. Diz, em Beja, muita gente achava que era uma coisa muito má andar metida naquelas coisas, a falar com homens, etc., porque as meninas não faziam política, isso era coisa de homens, e se fizessem devia ser só em coisas femininas.
Os próprios maridos metidos nas coisas não gostavam muito que as mulheres também andassem nessas andanças, porque as mulheres até podiam estar empregadas, mas metidas na política não. As mulheres eram muito coagidas por muitas coisas, os pais, os maridos, os namorados (...) (5).Maria Barroso, por exemplo, participou nas reuniões de fundação do Partido Socialista, mas, apenas, quando o marido não estava presente (6).Veja-se, ainda, o caso do PCP. Na composição interna do partido as mulheres estavam em minoria, para além de que o seu nível político e preparação ideológica eram baixos.
As militantes, na maioria camponesas e operárias, raramente tinham a escolaridade mínima. Seguindo Cândida Ventura, citada por Vanda Gorjão, houve um período em que as mulheres se ocupavam "exclusivamente dos trabalhos doméstico e de vigilância.
Não liam a imprensa nem sequer a do partido" (7).Por volta de 1947, o partido considera fundamental valorizar a formação das militantes e reforçar os seus conhecimentos de carácter geral e político, de forma a que se "dinamizasse a versatilidade de funções" (8). Mas a clandestinidade obrigava a que a "distribuição de tarefas e papéis entre os sexos se adequassem aos interesses partidários conspirativos" (9). Era proibido adoptar qualquer divisão de tarefas que pudesse dar nas vistas e lançar suspeitas sobre as opções políticas do casal. Tais constrangimentos obstavam a um efectivo trabalho de pares.
Apesar de tudo, as mulheres estiveram fortemente envolvidas em lutas quotidianas, sobretudo nas que privilegiavam a melhoria das condições materiais de vida e de trabalho. Porém, estiveram afastadas da concepção da maior parte das movimentações políticas de vulto, trabalhando nos bastidores e deixando aos homens (maridos ou companheiros de partido) os papéis de maior visibilidade. Contudo, para o universo cultural da época em que agiram, não podemos afirmar que tenham realizado pouco. Ousaram uma coragem que faz delas não só heroínas, mas mulheres para além do seu tempo.
Não terá sido fácil. Isabel Aboim Inglês teve de se confrontar, primeiro, com a questão da sobrevivência dos filhos. Também Maria Lamas, por exemplo, só intensificou a actividade política após o casamento das filhas. Era preciso que chegassem os finais de 60, com um novo universo de valores capazes de abalar as grilhetas mentais invisíveis que mantinham a discriminação e condicionavam a actividade política das mulheres.Falamos aqui de mulheres políticas, lutadoras no início de uma caminhada que, afinal, ainda não pudemos concluir. Sólidos "tectos de vidro" permanecem ainda, neste exacto momento, mesmo por cima das nossas cabeças.

ISABEL ALMEIDA SANTOS
Professora e mestranda no Mestrado em Estudos sobre as Mulheres da Universidade Aberta.

(1) GORJÃO, Vanda (2002), Mulheres em Tempos Sombrios. Oposição Feminina ao Estado Novo, Lisboa: ICS -
Na redacção deste trabalho baseámo-nos, essencialmente, na tese de Vanda Gorjão.(2) Gorjão, 2002, p. 92 (3) id., p. 107(4) cf. Gorjão, 2002, p. 229(5) id., p. 247(6) id., p. 250(7) id., p. 133(8) id., p. 134(9) id., p. 135

Assistentes Sociais Preparar o Dia Internacional da Mulher

Serviço Social Registo postumo Da Luta dos Jovens na Dimarca na Ungdomshuset

"Breve historia de la Ungdomshuset en Copenhagen

...En contraposición a lo que se dice en los videos de movilización (ver Movilización para defender la Ungdomshuset en Copenhagen), la protesta de los grupos autónomos parece haber sido bastante fuerte.Para ver este video hay que aceptar que tiene violencia.




La casa de la discordia fue construida en 1897, como un edificio de los sindicatos.

Se cuenta que por allí pasaron entre otros, Lenin y Rosa Luxemburgo.

En 1910 se instauró allí el Día Mundial de la Mujer, en el marco de una Conferencia de la Mujer que se celebraba en la mismísima casa.

La ciudad de Copenhagen la puso a disposición de los jóvenes de la ciudad en 1982.

Para bien o para mal, "eran jóvenes punks, anarquistas", como nos explica Carlos desde la misma Copenhagen en su artículo citado en ¿Disturbios o revolución de los jóvenes en Copenhahen?

En Alemania les llamamos autónomos, les aconsejo ver las fotos de los símbolos y la ropa, porque es la misma y son los mismos (similares, porque una de las características de los autónomos es que no hay símbolos uniformes) que se ven en los videos.

Hacia el año 2000, hubo un incendio en la casa. Eso condujo a las autoridades a tomar la decisión de venderla, probablemente, en parte por lo que también explica Carlos "la sociedad en su conjunto no siente gran simpatía por un estilo de vida tan radical".

Desde un punto de vista jurídico la decisión de enajenar el inmueble es perfectamente comprensible, pues como la ciudad de Copenhagen es la propietaria, la dueña, sería ella quien tendría que correr con las indemnizaciones en caso de que ocurrriera algún siniestro (para hablar en lenguaje del derecho de seguros).

Por tal razón la ciudad decidió vender el inmueble y lo hizo a una Freikirche, esto es una iglesia libre, que es una agrupación protestante que no es una de las grandes iglesias del protestantismo europeo, esto es, no es ni luterana, ni calvinista, ni anglicana, ni siquiera metodista o adventista, sino otra denominación cristiana, más pequeña.

Esto es también tratado en el video de movilización, como se imaginan, los autónomos no son los más amigos de una iglesia libre, ni de las otras iglesias, tampoco.

Veremos lo que pasa, en todo caso, hoy salían en el diario las fotos del inicio de la demolición y decían que la policía estaba presente para proteger a los trabajadores.

La casa es un símbolo en esta parte de Europa.

Quiero terminar con las palabras llenas de comprensión de Carlos, "En muchísimos casos son jóvenes con falta de atención en sus propias familias". Sí, este es un problema grave, muy grave y triste. "

reflexões in : http://alemaniasociedad.blogspot.com/2007/03/breve-historia-de-la-ungdomshuset-en.html



segunda-feira, março 05, 2007

Produção Científica em Serviço Social Português 2 Marlene Rodrigues

CORPO, SEXUALIDADE & VIOLÊNCIA SEXUAL

A publicação da obra de Marlene Braz Rodrigues, que recentemente o CPIHTS anuncia para iniciar as comemorações dos seus 15 anos de investigação na área de Serviço Social, Corpo Sexualidade e Violência Sexual - Análise e Intervenção Social, é um contributo importante para o Serviço Social e para as Ciências Sociais.
Vindo de uma Assistente Social, este livro enriquece o panorâma editorial na nossa categoria e proporciona, com a sua experiência e reflexão, uma bela proposta científica para a intervenão social nesta área, válida para médicos, psicologos, juristas, polícias, investigadores e estudantes.
Nascida na Venezuela, na cidade de Caracas, Marlene Braz Rodrigues Lourenço, é Mestre em Serviço Social (1995) e Doutora em Serviço Social desde 2001 pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-S. Paulo) e pelo Instituto Superior de Serviço Social (ISSSL).

Actualmente desempenha o seu trabalho como Assistente Social na Delegação de Lisboa do Instituto Nacional de Medicina Legal (DL-INML) e exerce a sua actividade profissional no âmbito da violência doméstica e sexual. Trabalhou ainda na Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV e no Instituto de Reinserção Social de Lisboa (IRS).

Foi docente de Licenciatura no Instituto Superior de Serviço Social ISSSL (1999 a 2006) de diversas disciplinas e orientou teses de investigação de finalistas. Foi coordenadora científica do Mestrado em Serviço Social e membro do Conselho Científico do ISSSL .

Ao nível de cursos de pós-graduação tem leccionado diversas disciplinas: Intervenção Social em Crianças e Jovens em Risco; Sexualidade Reprodutiva; Serviço Social e Sociedade (Mestrados em Serviço Social nos Institutos de Serviço Social de Lisboa e Beja e no I Programa de Doutoramento pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) e pelo ISSSL) as cadeiras de Métodos e Técnicas de investigação e Vitimologia na pós-graduação em Criminologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT).
Actualmente lecciona na ULHT , onde é professora catedrática convidada.
Tem Publicado diversos livros em Portugal e no Brasil e colaborado com diversos artigos científicos em revistas de prestígio, dos quais evidenciamos a sua participação na obra colectiva Serviço Social no Feminino, publicada pelo CPIHTS em 1997.
Trabalhada com afinco e paixão, no estílo próprio da autora, esta obra prefaciada, que surge com chancela internacional é uma referência teórica para a intervenção social.
380 páginas
Preço de capa 20 Euros
Preço de lançamento 15 Euros
reservas in cpihts@netcabo.pt
oportunamente informaremos o dia do lançamento

Serviço Social CPIHTS Publica Livro Corpo Sexualidade e Violência Sexual

CPIHTS PUBLICA OBRA
Corpo Sexualidade e Violência Sexual
Análise e Intervenção Social
da Profª Marlene Braz Rodrigues


Dando início às comemorações dos seus quinze anos de actividade na investigação em Serviço Social, o Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social, apresentará em breve
a obra acima referida, da Professora doutora em Serviço Social Marlene Braz Rodrigues.
Como afirma a autora na sua introdução ...

".... Perfilhando a ideia de Costa Santos (1998) este estudo, defende, tal como ele, que a Medicina Legal não se esgota na sua vertente forense, nem se pode reduzir apenas ao estatuto de ciência auxiliar do direito, ou a um instrumento técnico-científico do sistema judiciário que se esgote no mero acto pericial. A Medicina Legal deve ter uma função eminentemente social que excede a área da administração da justiça. A ideia de Medicina Legal que se defende, pretende quebrar o isolamento em que esta ainda se encontra, criando novos elos de ligação à comunidade, uma articulação e estreitamento de relações com outras disciplinas e instituições, uma nova dinâmica de participação na rede comunitária, em suma, uma Medicina Legal junto do cidadão e do seu quotidiano. De facto, só assim se pode conceber o Serviço Social nos Institutos de Medicina Legal.

Foi precisamente com este espírito que, no início de 1994, a minha actividade profissional (Assistente Social) se centrou no Atendimento das Vítimas de Violência sexual, no Serviço de Clínica Médico-Legal (CML) do Instituto de Medicina Legal de Lisboa (IMLL), actividade que mantive até meados de 1996 e que retomei em 2001 até ao presente momento.

A entrevista de ajuda e posterior acompanhamento e/ou encaminhamento no âmbito da CML traduziu-se numa prática importante com as crianças, jovens e mulheres vítimas de violência sexual (clientela muito fragilizada, traumatizada, dependente, culpabilizada, envergonhada, etc.) que, até chegar ao IMLL, já percorrera um circuito não raras vezes penoso.

Este tipo de actividade profissional possibilitou a tomada de consciência de um certo número de questões, tais como o crescimento de exames periciais efectuados no IMLL, as queixas da clientela em relação ao atendimento desadequado de que tinham sido vítimas, o penoso circuito institucional que frequentemente vezes provocava uma nova vitalização, i.e., a dupla-vitimização ou a vitalização secundária, o sofrimento das vítimas, etc.

Na minha prática profissional, não raras vezes, fui confrontada com situações algo semelhantes às de um filme de larga divulgação comercial, que de algum modo, contempla alguns aspectos do objecto da minha reflexão teórica. Trata-se do filme The Accused (Os Acusados), realizado por Jonathan Kaplan em 1988 e que proporcionou a Jodie Foster um Óscar. Vale sobretudo como documento sociológico, baseando-se o seu argumento num caso de violação de uma jovem americana, por um grupo de indivíduos da comunidade portuguesa de New Jersey, nos E.U.A., cujos ecos chegaram até nós, prestando-se a múltiplas leituras.

Procurando preencher o vazio das imagens com a “fraca” força das palavras, dir-se-á que, certa noite, Sarah (protagonizada por Jodie Foster) entra num bar onde toma uns copos, põe um disco na juke box e começa a dançar, entregando-se ao ritmo da música, numa movimentação não isenta de uma certa carga erótica. O que poderia não passar de um momento sem consequências, é transformado pela rapaziada circundante, em violação colectiva, sobre a mesa de bilhar, perante uma assistência, que incita e aplaude.

É este o ponto de partida para se enveredar por uma breve análise do tema, tentando percorrer o imaginário em que se apoiam determinadas formas de condenação e de julgamento da mulher-vítima. Esse imaginário é estimulado, a um tempo, por uma certa cumplicidade social, que conduz à culpabilização da vítima, e por uma espécie de solidariedade para com o agressor[1].

As mentalidades, atitudes e comportamentos retratados no filme “Os Acusados” põem em causa a própria noção de liberdade sexual, fundamento do tão apregoado bem jurídico tutelado.

Mas voltemos ao filme. Tarde da noite, numa cabina telefónica pública, um jovem contacta a polícia, relatando, num tumulto de palavras, ter visto três ou quatro homens a violarem uma jovem num bar próximo. Entretanto, a jovem, ferida e cambaleante, sai a correr do bar, acenando, em jeito de apelo desesperado, aos raros automobilistas que circulam àquela hora tardia. Um camionista pára e transporta-a ao hospital mais próximo.

Quando esta se encontra a ser examinada por uma médica do Serviço de Urgência, eis que surge uma assistente social do Centro de Apoio a Mulheres Vítimas de Violação para lhe assegurar ajuda. Uma outra mulher, promotora pública, vai registando as palavras debitadas pela jovem num discurso fragmentário, fruto da emoção e perplexidade que a atormentam. É a justiça que assim inicia a sua caminhada.

Quatro mulheres na sala de observações do hospital: três movidas por um compromisso profissional e outra - a vítima - decidida a fazer valer o seu direito como mulher e cidadã, denunciando os homens que a violaram e lhe devassaram o corpo e a alma. A médica, com a frieza profissional de quem está habituado a lidar com situações de vida ou de morte sem se envolver emocionalmente, prossegue o seu exame, palpa-a e fotografa-lhe as lesões que lhe marcam o corpo. A Promotora Pública questiona-a sobre o que aconteceu e, com idêntica frieza profissional, quer saber se o vestuário que ela usava era adequado. A assistente social acompanha a vítima com a mesma rotina de sempre: mais um caso, mais uma vítima.

Um segundo grupo de profissionais, constituído por juristas, homens - dois agentes do Gabinete do Promotor Público e três outros que defendem três dos violadores identificados e detidos pela polícia - sustentam a inutilidade de enveredar por uma acusação de violação em primeiro grau, por considerarem praticamente impossível obter a sua condenação nessa base. A sua leitura dos factos é unânime: não existindo testemunhas, não é possível provar semelhante acusação.

De facto, quer o dono, quer os frequentadores do referido bar, negam ter presenciado qualquer acto de violência. Na sua versão, tudo não passara de um momento de diversão, de um show proporcionado espontaneamente por Sarah, que dançara para diversão e gozo dos homens que a possuíram. Um simples caso de costumes!

Ainda que Sarah exiba lesões no rosto, no pescoço, nos pulsos e nas nádegas, indícios da imobilização imposta pela força, e da violência sexual a que fora sujeita, os advogados de defesa tentam negociar com a Promotora Pública, uma acusação com base num crime de agressão, que excluía a violação, aceitando que os agressores fossem condenados em nove meses de prisão efectiva. A Promotora Pública, porém, vacila: houve agressão física, tratamento hostil, mas violação não.

Sarah tem conhecimento do resultado do seu caso através dos noticiários. Não fora sequer ouvida sobre os fundamentos e finalidade de semelhante negociação (dos advogados de defesa dos agressores com a Promotora Pública). A divulgação pública da imagem de Sarah é a seguinte:
· “mulher da noite”, que bebe e fuma droga para relaxar;
· usa vestuário elegante e vistoso, com o propósito de realçar a sua beleza física;
· frequenta bares em vez de ficar em casa;
· é pobre e sem suporte familiar conhecido;
· vive maritalmente com um homem acusado de posse de drogas ilícitas - ela própria havia sido surpreendida com uma pequena quantidade de droga pertencente a uma amiga a quem ela ajudara na mudança de casa.

A discordância é clara: Sarah sustenta repetidamente ter sido vítima de violação e agressão perpetradas por vários homens; os agressores indiciados, e outros clientes presentes no bar, afirmam que ela mente, que se exibiu e provocou os circunstantes, acabando por se entregar, voluntária e sucessivamente, a quantos a desejaram.

Ainda que Sarah insista que a imobilizaram pela força, manietando-lhe os pulsos, tapando-lhe os olhos e a boca, e a penetraram sexualmente... os homens inquiridos negam o uso da força e a violação. O NÃO da mulher é encarado como uma encenação e não como expressão da sua vontade, dos seus desejos, da sua liberdade, do seu direito a dizer NÃO. É uma voz, isolada e débil, contra muitas outras que, em uníssono, clamam o contrário.

Mas que tem isto a ver com a realidade portuguesa? Ainda que o caso sumariamente relatado se reporte a uma realidade sociocultural algo diversa, diria que a questão de base se coloca com idêntica acuidade.

Entre nós, o espaço onde mais frequentemente se faz ouvir pela primeira vez a voz da vítima é o espaço policial – a Esquadra da PSP, o Posto da GNR, a Delegação da Polícia Judiciária. É aí que se inicia (ou não) uma caminhada, que pode tornar-se num longo calvário, marcado pelo acto da denúncia, o interrogatório, o preenchimento de formulários intermináveis, o encaminhamento para o hospital ou para o Instituto de Medicina Legal, e, uma vez mais, o interrogatório, o exame físico, a recolha de amostras de fluidos orgânicos, em busca da “prova” pericial que possa confirmar, ou não, a queixa apresentada. E depois o inquérito e, com ele, novos interrogatórios, a devassa da vida privada, a exposição da intimidade.

E cá, como nos E.U.A., também se verifica o confronto entre a voz singular, isolada, fragilizada, de quem se apresenta como vítima, e a quase constante ausência de testemunhas, ou o silêncio cúmplice de quem tem algo a esconder ou, pura e simplesmente, não se quer envolver num caso de polícia. Daí a especial importância da instância médico-legal e da avaliação pericial, que poderá fornecer a prova material de um crime onde escasseiam outros elementos de prova – uma prova feita de marcas no corpo e de vestígios orgânicos, mas também de elementos psicológicos nem sempre devidamente pesquisados ou valorizados neste contexto. Uma prova que, se encontrada, poderá levar o Tribunal a decidir o caso a favor da vítima e a condenar o agressor – o palco derradeiro em que soarão, uma vez mais, as vozes discordantes de quem se diz vítima e de quem nega ser agressor.

Quem, legitimamente, poderá permanecer indiferente ao drama das muitas Saras feridas no corpo e marcadas na alma, que clamam por justiça? Das Saras atormentadas por um corpo devassado, por um corpo que se tornou o seu pior inimigo?

Daí a urgência da denúncia, da construção de canais que possam veicular e amplificar a voz das vítimas, da estreita colaboração dos profissionais que intervêm nesta área, em nome das vítimas e da justiça a que têm direito!

A violência sexual constitui uma preocupação social e um dos objectos privilegiados dos meios de comunicação social, mas ainda hoje, desconhece-se, em grande parte, as suas causas, processos e consequências. Apesar de não constituir, em si mesma, um facto recente, a violência sexual tem vindo a suscitar, nos países ocidentais, uma preocupação crescente por parte da opinião pública e de profissionais dos vários ramos do saber. Também este problema suscita as questões de sempre: o quê? Quem? Como? Quando? Onde? Porquê?

Não se conhecendo bem os seus contornos, a sua possível evolução e as alternativas para este problema, eis-nos perante a necessidade de proceder a uma análise mais aprofundada sobre esta problemática. O facto de se pretender centralizar o presente estudo num processo de vitalização no seu sentido mais amplo (não residual, i.e., incidindo, tão-só, no crime sexual), tornou-se uma questão essencial e, simultaneamente, inquietante. Esta sensação desconfortável e simultaneamente aliciante só pôde ser um pouco mitigada a partir do momento em que se definiu o objectivo geral do presente estudo e que consistiu em identificar e caracterizar os principais vectores que configuram a violência sexual na contemporaneidade. Como não se pode esgotar a complexidade da violência sexual na actual experiência analisando apenas os contributos das abordagens do Direito, da Psicologia, da Vitimologia ou da Criminologia, porque estas disciplinas não têm em conta determinados fenómenos que ocorrem em espaços mais amplos que devem ser reabertos e analisados, o presente estudo procura mostrar que antes da vitalização primária, existe uma vitalização genérica que pode reflectir-se na vitimização actualizada (na medida em que pode potencializar a vitalização primária).


[1] Ainda que alguns considerem radical este tipo de observações, o facto é que ela expressa a cultura de uma sexualidade violenta, silenciosa, e disseminada na nossa sociedade. Deste modo, o tão apregoado bem jurídico tutelado – a liberdade sexual, nunca será uma realidade se as mentalidades, atitudes e comportamentos continuarem a ser semelhantes aos retratados no filme “Acusados”.
Daremos mais informações sobre este assunto num Próximo post
alfredo Henríquez