segunda-feira, janeiro 04, 2010

Assistentes Sociais Investigam a Lei Maria da Penha: MT Sem Atendimento para Agressores

Lei Maria da Penha: MT sem atendimento para agressores

Seiscentos e trinta e oito homens de Cuiabá e Várzea Grande foram presos em flagrante por violência contra a mulher em 2009


De janeiro a novembro desse ano também foram estabelecidas 1.729 medidas protetivas. Os números são parciais e foram levantados pela Polícia Civil de Mato Grosso junto aos quatro Centros Integrados de Segurança e Cidadania (Cisc) de Cuiabá e Várzea Grande.

Entre condenações à prisão e medidas protetivas, Mato Grosso não tem nenhum programa que ajude o agressor a refletir sobre o porquê da violência praticada contra sua companheira. Também não existem estatísticas sobre os índices de reincidência. Segundo a assistente social Vera Lúcia Bertoline, com a carência de programas que reeduquem esses agressores, certamente os índices de reincidência são altos.

Além de todas as medidas de proteção às mulheres que sofrem agressões de seus companheiros, a Lei Maria da Penha diz que compete a uma equipe de atendimento multidiciplinar desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento e prevenção para a mulher ofendida, o agressor e os familiares. Ainda segundo a lei, a união, o Distrito Federal, os estados e os municípios podem criar e promover centros de educação e de reabilitação para os agressores.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e publicada em matéria da Associação Brasileira de Organizações Não-governamentais (Abong), mostra a eficiência dos grupos de reflexão para homens agressores no Rio de Janeiro e em São Paulo. Menos de 2% dos homens que praticaram violência contra mulher e participam de grupos de reflexão do Juizado Especial Criminal da Violência Doméstica contra a Mulher de São Gonçalo (RJ) voltaram a agredir suas companheiras. E o melhor, há 10 anos o Judiciário local propõem a participação em grupos como alternativa para suspensão do processo ou mesmo cumprimento da pena. Já em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, os reincidentes são menos de 4%.

Diálogo:

Para Vera Bertoline a lei punitiva tem que existir, porque sempre há excessos. Entretanto, também é preciso criar espaços coletivos de diálogo, compreensão e reestruturação da relação. "Os espaços existentes hoje para solucionar problemas de violência de gênero em Mato Grosso não são mediados, são unilaterais. Olha-se para a situação com um olhar enviesado. Ninguém escuta o agressor para saber porque ele chegou a tal atitude".

Segundo Vera, uma relação violenta entre homem e mulher funciona como um jogo. Ele bate porque sente a necessidade de impor sua virilidade e mostrar quem manda na relação. Em contrapartida, ela negocia sexo e afeto para vê-lo pedir perdão e se redimir. Ele se redime porque precisa que ela ceda para continuar a agredir. "O poder de negociação que a mulher tem é muito forte. O problema é que ela barganha e continua nesse jogo, em vez de se impor e pular fora da relação".
Para justificar esse jogo, segundo a assistente social, a agredida argumenta que os filhos não podem ficar sem pai e/ou que precisa dele para se sustentar.

Vera também faz questão de ressaltar que nada justifica a agressão, mas que tanto a mulher quanto o homem precisam rever suas ações. A mulher se utiliza do estereótipo da fragilidade e se sente confortável com isso. Do outro lado, o homem é criado e educado para ser forte, valente e até violento. Esses conceitos reforçam a estratificação da sociedade, criam de estereótipos e lugares inferiorizados.
Assim, Bertoline afirma que a Lei que prende deve criar espaços para que os sujeitos envolvidos reflitam sobre suas vidas, ações, relações e não reincidam no mesmo erro.

Outro ponto debatido por Vera Lúcia está relacionado a quantidade de relações jucicializadas existentes hoje, ou seja, "ter que levar às barras da Justiça um assunto íntimo que depende mediação".

Para evitar que a situação chegue a esse ponto, cabe ao governo se empenhar na criação de políticas reestruturantes que comecem a dialogar sobre os direitos humanos e resignificar homens e mulheres. Isso tudo, utilizando-se da educação, da cultura, dos meios de comunicação e da própria saúde pública. Formar equipes psicossociais que, assim como os agentes de saúde, mediem as relações entre homens e mulheres, desde os primeiros sinais de desrespeito.

Experiência cuiabana:

Vera Bertoline, que é professora na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), realizou trabalhos no Núcleo Psicossocial Forense (Nups) do Juizado Especial Criminal (JECrim) em Cuiabá. Na época, o JECrim recebia os casos da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, antes da Lei 11.340/06 entrar em vigor, em setembro de 2006. O núcleo era uma instituição informal inserida no Juizado e composta por uma equipe de assistentes sociais e psicólogas e que, a partir de 2005, foi palco para a realização de estágios acadêmicos supervisionados. Lá, discutia-se muito a violência de gênero e os agressores compartilhavam seus problemas. Era o grupo chamado "Ajuda Mútua".

Para um trabalho de conclusão de curso, José Francisco Nunes escutou os homens agressores atendidos na instituição e constatou que eles condenam a expressão de emoções, reproduzem concepções que discriminam as mulheres, reafirmam concepções de honra masculina, atribuindo às virtudes masculinas a disposição para o trabalho e a função de prover a família. No Nups eles reviam todos esses estereótipos e tentavam perceber uma outra forma de ver a relação.

Com a criação da Lei 11.340/06, o julgamento das denúncias relacionadas à violência contra a mulher passaram a ser competências das Varas Especializadas de Violência Familiar e Doméstica contra a Mulher. De acordo com Vera, a equipe do núcleo até tentou continuar o trabalho na Vara de Violência Familiar, mas a resposta obtida foi de que a Vara não tinha esse papel.