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São já quatro as universidades gregas que fecharam portas – das mais antigas às maiores. No total, são oito as instituições de ensino superior afectadas pelo esquema de mobilidade implementado pelo Executivo de Samaras. O plano está a impedir o normal funcionamento das universidades, uma vez que as instituições vêem-se privadas dos funcionários não docentes. Há instituições que ainda estão a analisar o encerramento e outras que já avançaram com processos contra o Estado.
Perante a “objectiva incapacidade de educar, investigar e administrar”, a Universidade Nacional e Capodistriana de Atenas foi a primeira instituição de ensino superior grega a suspender temporariamente o seu funcionamento, como resposta ao plano de mobilidade imposto pelo Executivo de Antonis Samaras.
O esquema vai abranger 498 dos 1.337 funcionários da universidade mais antiga da Grécia, que conta com 125 mil estudantes e dois mil professores. Com a redução dos funcionários administrativos, a Universidade Nacional e Capodistriana de Atenas vê-se “incapaz de matricular novos estudantes, realizar exames, entregar diplomas e, em geral, de qualquer actividade académica”, indica a instituição num comunicado citado pelo “El País”.
A instituição acusa ainda o Executivo de “minar, com as suas decisões, a educação superior das novas gerações de gregos, a maior esperança do país para ultrapassar a crise social e económica”.
A Universidade Politécnica de Atenas, símbolo da resistência contra a ditadura militar que vigorou entre 1967-1973, seguiu o exemplo e também encerrou as portas. Nesta instituição, o esquema de mobilidade vai afectar 38% dos trabalhadores não docentes. Actualmente, a Universidade Politécnica conta com 700 professores, dez mil estudantes, distribuídos por sete faculdades e 33 departamentos.
Outra instituição que também já encerrou foi a Universidade Aristóteles de Salónica, a maior da Grécia e dos Balcãs. Actualmente, compreende 12 faculdades, 36 departamentos e várias unidades orgânicas. A instituição manifestou já a intenção de apelar ao Conselho de Estado contra a decisão de suprimir funcionários, entre os quais se encontram administrativos, seguranças, bibliotecários e assistentes de laboratório.
Francisco esteve 26 anos numa quinta do Alentejo, às mãos de uma família portuguesa. Estima-se que existam em Portugal entre 1300 e 1400 escravos. Conseguiu fugir há três meses. Ao domingo, sentava-se no quarto a ouvir a rádio. Para trás, deixava seis dias de trabalho no campo, deixava a enxada, as sementes que lançava à terra, deixava as ovelhas, os porcos, as vacas e punha-se a seguir os relatos de futebol ou a ouvir música. Ao menos ali podia escolher. Podia escolher em que estação iria sintonizar. O resto, as horas de comer, o que ia vestir, quando ia para a cama, que tarefa ia desempenhar, tudo o que é um dado adquirido para qualquer um de nós, era definido pelos patrões. Às 13h era a hora do almoço. Na cozinha.
Durante 26 anos, o domingo foi o único dia de descanso de Francisco (nome fictício). Nunca teve férias. Trabalhou sempre sem horários. Levantava-se, no Verão, às 5h30 para regar a horta, antes de o calor tornar a tarefa impossível de suportar. Geralmente, acabava o dia já depois de o sol se pôr, às vezes perto da meia-noite, se o patrão precisasse dele. Durante 26 anos, fez tudo isto numa quinta no Alentejo. “Em 26 anos, nunca vi 5 tostões. Zero”, diz-nos Francisco, levantando um pouco a voz, mas sem qualquer ponta de agressividade.
Aos 63 anos, Francisco, angolano, é um homem de estatura pequena, que solta um riso que lhe vem de dentro, um riso que se vai tornando ainda mais poderoso à medida que nos conta a tragédia em que se tornou a sua vida. Conta-nos, depois de passar em revista a sua história, que ri para aguentar, como se essa fosse a arma final de quem é humilhado uma vida inteira mas não verga, não verga porque ainda é dono das suas emoções.
Foi explorado pelos patrões, um casal português, que o algemou quando lhe confiscou os documentos de identificação e o obrigou a trabalhar de graça. Francisco entregou os documentos um dia porque pensava que lhe iriam tratar da regularização. Nunca mais viu papel nenhum. Em 26 anos, foi, aqui e ali, pedindo ajuda a alguns. Fecharam-lhe sempre a porta. Convenceu-se de que nunca iria ser capaz de sair dali.
E então ficou com medo de fugir. Medo de ir parar à prisão. Medo de ficar sem comer. Medo de perder o almoço e o jantar. Medo de ficar sem a cama e o banho de água quente que, apesar de tudo, ainda lhe davam.
“Fugir para onde?”, perguntou-se, durante 26 anos.
Tinha chegado a Portugal em 1975, escapando da guerra civil em Angola. Em Portugal, pelo que conta, deram-lhe o estatuto de refugiado na altura. Sem esse documento, que não voltou ao bolso de Francisco, ninguém o empregava. Uma vez fugiu da quinta. Durou um, dois dias. Foi ter com um senhor que conhecia. “Somos amigos, mas não tens documentos…”, ouviu. Voltou à quinta pelo seu pé. A patroa, quando o viu, começou a chorar. Ele disse: “Mas não me pagam.” Responderam: “A gente arranja isso.” Nunca “arranjaram”. A sua vida era o campo Quando Francisco foi parar às mãos deles nos anos 1980, o fim do colonialismo ainda era recente. Ele próprio tinha lutado, em Angola, ao lado dos portugueses. Antes de rumar a Portugal, trabalhava para uma portuguesa, que sempre o tratou bem, segundo conta. Ela não sabia falar “a língua angolana”, ele ajudava-a a traduzir, fazia vários serviços por 300 escudos ao mês, suficiente para vestir, porque “comer não precisava, tinha tudo” em casa da mãe. Trabalhava de manhã e à tarde, depois regressava a casa da mãe, em Quipeio (Huambo), onde nasceu. “Às quatro da tarde, a senhora dizia: ‘Vai para casa’.” Foram os portugueses que o educaram, diz, apesar de ele nunca ter estudado. “Graças a Deus, no tempo do [Marcelo] Caetano tratavam-me bem.” Até aos 25 anos, a sua vida era o campo, como sempre. A patroa voltaria a Portugal quando estourou a guerra civil, deixou-lhe “o comércio”, uma loja que vendia “tudo”, tabaco, panos, peixe. “Toma, está aqui a chave, vamos embora”, disse-lhe a patroa. Francisco seria roubado, e pôs-se a andar para Portugal. A mãe não quis acompanhá-lo, preferiu ficar, mas o irmão, que entretanto morreu, sim.
Dos patrões que o escravizaram não tem queixas de o tratarem de forma racista. Como também não lhe batiam, garante. Os maus tratos eram outros, e podiam passar simplesmente por nunca o levarem ao médico, a não ser quando era mesmo necessário. E disso ele não estava à espera quando o primeiro patrão para quem foi trabalhar no Norte, em 1975, lhe disse, ao fim de 11 anos, que ele iria para o Sul do país com a irmã e o cunhado — estávamos, pelas contas, em 1986. Lá, em Castelo Rodrigo, sempre foi pago. Aliás, até foi aumentado logo ao princípio, quando começou a trabalhar numa vacaria: “Entrei com 5 contos. Depois o meu patrão disse-me: ‘Oh, vou-te aumentar mais um bocadinho, estás a trabalhar bem.” Passaram a oferecer-lhe 12 contos. “Eu disse obrigado”, conta-nos, orgulhoso.
Depois veio a vida de escravatura em Évora. Os novos patrões eram, na altura, aquilo a que Francisco chama de seus amigos. Conheceu-os ainda eles namoravam. No Norte, prometeram-lhe contrato. Ele foi com eles. Quando chegou, o filho que hoje tem 27 anos tinha apenas um ano; o mais velho teria três. “Passou um mês, nada. Passou outro, nada. [Perguntava-lhes]: ‘Agora acabo com a roupa, como vou comprar?’” A resposta era a mesma: nada.
A Francisco nunca lhe ocorreu agarrar no telefone, em casa dos patrões, e fazer queixa às autoridades. Tinha medo. E também não sabia a quem recorrer. Já tinha contado a uma tia que vivia no Norte, e que não vê há 24 anos, o que se passara. Disse-lhe, exactamente, onde ficava a quinta no Alentejo. Ela nunca apareceu, nem mandou ninguém para o resgatar.
Os dois filhos dos patrões, jovens — um terá perdido o emprego por não gostar de usar gravata, acordar cedo e fazer a barba, segundo conta a rir —, sabiam que ele era escravo. Tanto que, por vezes, Francisco levantava a voz para lhes atirar à cara: — Pensam que estou para aturar vocês, ou quê? Não ganho nada! Eles não diziam mais nada. — Olha, a vossa sorte é que vocês não me entregam os documentos. Não estou para aturar vocês os dois, a vossa mãe e o vosso pai.
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O que é escravatura
Na instituição que acolheu Francisco, não há dúvidas: a situação é de “autêntica escravatura”, diz Hernâni Caniço, fundador da associação Saúde em Português, que gere um Centro de Acolhimento e Protecção a vítimas de tráfico de seres humanos do sexo masculino ao abrigo de um projecto financiado através da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. Uma das equipas regionais de assistência a vítimas de tráfico humano da Associação para o Planeamento da Família contactou a Saúde em Português depois de uma denúncia, seguida de uma rusga à quinta no Alentejo pela GNR. A 5 de Setembro, Francisco foi acolhido no CAP da Saúde em Português. O caso está a ser investigado, mas esta organização não quis revelar mais informação para não perturbar a investigação. Francisco foi alguém que esteve sozinho, durante muitos anos, mas que nunca ninguém ouviu. Talvez por isso Hernâni Caniço sublinhe que é preciso uma maior sensibilização da sociedade, até porque “há uma desvalorização deste crime”.
Preto no branco, o crime de escravidão, punido com pena de 5 a 15 anos, para o Código Penal é isto: “Quem a) Reduzir outra pessoa ao estado ou à condição de escravo; ou b) Alienar, ceder ou adquirir pessoa ou dela se apossar com a intenção de a manter na situação prevista na alínea anterior.” O que é demasiado sucinto, tanto que não define o que é escravatura. Mas num acórdão do Tribunal da Relação do Porto de Janeiro deste ano, que condenou dois indivíduos por este crime (a sete anos e seis meses, e a cinco e seis meses), escreve-se que “por escravatura entende-se ‘o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou quaisquer atributos do direito de propriedade”. E adianta-se: “Cabe na previsão legal a escravidão laboral, nos casos em que a vítima é objecto de uma completa relação de domínio por parte do agente, vivenciando um permanente ‘regime de medo’, não tendo poder de decisão sobre o modo e tempo da prestação do trabalho e não recebendo qualquer parte da sua retribuição.”
Têm sido raros os julgamentos de casos de escravatura, e a punição ainda mais. Segundo o Ministério da Justiça, os dados disponíveis dos últimos dez anos sobre crimes por escravidão estão protegidos por segredo estatístico, pelo facto de as ocorrências (condenações) serem inferiores a três. Além do citado acórdão do Porto, há pelo menos notícia de que, em 2011, o Tribunal do Fundão condenou três pessoas, naquela que foi considerada na altura a primeira condenação de sempre por escravatura em Portugal.
Na Polícia Judiciária (PJ) deram entrada, até final de Novembro deste ano, 10 processos relativos ao crime específico de escravatura. Eram 14 em 2012, 15 em 2011, ou 13 em 2008. Em cada processo, pode estar mais do que um tipo de crime, mais do que uma vítima, mais do que um agressor. Os números sobem quando se fala de tráfico de seres humanos — um crime ao qual o de escravidão está, muitas vezes, associado, quando se trata de tráfico para exploração laboral: em 2013, deram entrada na PJ 31, e a média dos 30 foi constante nos anos anteriores, sendo mais alta em 2008, quando se registaram 39.
Mas, como várias organizações ligadas a este fenómeno não se têm cansado de divulgar, os números escondem uma realidade que fica debaixo do tapete por diversas razões, muito por ser difícil de provar e às vezes por dificuldade da vítima em denunciar.
Quando em Outubro foi divulgado o primeiro Índice Global de Escravatura 2013, revelaram-se números chocantes: estimava em quase 30 milhões o número de escravos modernos que existiam no mundo e entre 1300 e 1400 em Portugal. Só neste ano, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) já identificou cerca de 60 pessoas vítimas de escravidão por dívida, casos comunicados ao Ministério Público. São os casos que o inspector-geral da ACT, Pedro Pimenta Braz, não tem dúvidas de que se tratam de escravatura. Destes, excluem-se os casos “cinzentos”, em que as pessoas estão em situações desumanas mas podem, “no limite”, mesmo com grandes dificuldades, sair do sítio onde estão. Sinais de escravatura, sem dúvidas: a retenção dos documentos de identificação de alguém, diz.
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