ONG CATÓLICA DEBATE ABORTOZilda Assunção Especial para o Jornal Pequeno
ENTREVISTA
A ONG Católica pelo Direito de Decidir (CDD) lançou, em São Luís, na última quinta-feira, 14, o livro “Em defesa da vida: aborto e direitos humanos”, como parte de um projeto de discussão e divulgação em várias capitais brasileiras do projecto Católicas em Campanha pela Legalização do Aborto. A divulgação ocorreu no auditório da OAB, com o apoio da Secretaria de Estado da Mulher, da OAB e do Grupo de Mulheres da Ilha, que promoveram uma mesa redonda para discutir a temática sobre o aborto e direitos humanos, numa referência ao Dia de Combate à Mortalidade Materna, celebrada dia 28 de maio.
A CDD é uma Organização Não Governamental feminista, criada em 1993 por teólogos, sociólogos, psicólogos, cientistas da religião e outros profissionais, que proclama em nível nacional a defesa dos direitos sexuais reprodutivos.
O livro, organizado por Alcilene Cavalcante e Dulce Xavier, é uma coletânea de artigos divididos por temas: Vida, Saúde, Direito e Lei, escritos por nomes dentre os quais se destacam, Leonardo Boff, teólogo e ex-padre católico; Marco Segre, presidente de honra da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB); Ennio Candotti, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); o ex-ministro da Saúde, médico Humberto Costa; Miriam Ventura, advogada e integrante da Rede Feminista em Saúde e Direitos Reprodutivos; e pela coordenadora da Católicas pelo Direito de Decidir, Maria José Rosado Nunes, que concedeu esta entrevista sobre o assunto. Doutora em Ciências Sociais pela École des Hautes études in Sciences Sociales e professora da PUC, Maria José Rosado Nunes advoga que o aborto por ser uma questão polêmica, deve ser tratado através de uma legislação que garanta direitos às mulheres decidir sobre suas vontades e se querem ou não levar a termo uma gravidez.
O Projeto sobre a Legalização do Aborto volta a ser discutido neste segundo semestre na Câmara e Senado. Maria José Rosado declarou que, pela primeira vez no país, o pronunciamento favorável de um ministro de Estado da Saúde sobre a legalização do aborto deu impulso para que o projeto seja discutido em nível de governo. Dentre às alegações, argumenta que o aborto em condições de risco no Brasil é a grande causa de mortalidade materna, de modo particular entre mulheres pobres, negras e nordestinas, com gastos enormes para o governo, onde o SUS atende cerca de 240 mil mulheres por ano nessas condições.
Acompanhe outros detalhes importantes nesta entrevista.
Pela primeira vez um ministro de Estado da Saúde, José Gomes Temporão, se manifestou em favor da legalização do aborto, embora tenha em seguida recuado. Seria em função da repercussão polêmica pelo fato se tratar de um país com maioria católica que é orientada pela cúpula, como fez o papa recentemente no Brasil ao condenar tal ato?
Maria José Rosado – Nós mulheres feministas que lutamos pela vida das mulheres, sabemos que a legalização do aborto é um ponto importante para que as mulheres continuem vivendo bem. Nós gostaríamos de ver uma ação mais forte por parte do governo e cabe a este, se definir e promover a possibilidade de que se faça um debate para que o aborto seja legalizado no Brasil. No entanto, apesar desse recuo do ministro, eu acho que avançamos muito pelo fato de haver um pronunciamento desse porte e de um ministro da saúde. Nós nunca tivemos isso nesse nível, embora sabemos que o ex-ministro Humberto Costa também apoiava a causa, mas nunca houve uma fala tão direta e contundente. Eu acho que as conseqüências disso foi a provocação de um debate nacional e a vinda do Papa que no final, contribuiu para duas coisas muito importantes: para que o Brasil reafirmasse a sua laicidade, porque o presidente Lula reafirmou com todas as letras dizendo que somos um país católico, respeitamos todas as demais religiões, mas somos um país laico de decisão constitucional, e portanto, temos que atender toda a população. Depois, uma fala forte também no sentido de que não cabe ao chefe de Estado de outro país (no caso o Papa é Chefe de Estado de Roma) ter qualquer ingerência sobre o tipo de política que se pode levar em outro país.
A senhora concorda que, ao invés de o governo defender a legalização do aborto, deveria se preocupar com uma política de saúde de qualidade, universal e humanizadora, trabalhando a prevenção, de modo a evitar gravidez inesperada e indesejada, por exemplo?
Maria José Rosado – Eu discordo da primeira parte e concordo com a segunda. Eu discordo de ‘ao invés de legalizar o aborto’, eu acho que não. Há que se legalizar o aborto, mas há também de prover a sociedade de um excelente serviço de saúde para que as mulheres e os homens tenham acesso amplo e irrestrito aos postos de saúde e a todo o tipo de método anticoncepcional, e que tenham acompanhamento do uso desses métodos.
O governo federal acaba de lançar um programa de distribuição ampla dos métodos anticoncepcionais. Isso também é um avanço muito grande e investir também em educação sexual nas escolas que deveria ser parte obrigatória dos currículos, para ensinar crianças a lidarem com a sua sexualidade. Esses dois pontos devem estar juntos com a proposição da legalização do aborto, porque essa é a situação ideal, isto é, de que nenhuma mulher engravide sem assim desejar, só que a gente sabe que isto não é o real da vida das mulheres.
Como coordenadora de uma ONG de nome Católicas pelo Direito de Decidir, a senhora se sente confortável para defender a legalização do aborto, embora saiba que o comando da Igreja Católica orienta seus fiéis a se posicionarem em favor da vida e obviamente contra o processo abortivo de vida humana?
Maria José Rosado – É uma coisa muito interessante no trabalho de Católicas. Muitas mulheres que havia se desligado de praticar a religião e se dizerem católicas, quando lêem nossas publicações e ouvem as nossas falas, vão aos nossos encontros e dizem: que bom que agora eu posso voltar a ser católica. De parte da hierarquia da Igreja, que são homens todos celibatários, é claro que dado a um lugar de poder religioso que ocupam e para que eles possam fazer carreira dentro da instituição, eles têm que reafirmar esses princípios doutrinários da Igreja, porém, a grande maioria de fiéis católicos tem outra posição. Entendem que esses princípios estão aí colocados pela Igreja, mas que a vida das pessoas é outra e que Deus as entende.
Católicas pelo Direito de Decidir tem feito pesquisas de opinião e, recentemente realizou uma entre jovens, em todas elas, os resultados apontam um percentual altíssimo de discordância da forma como a Igreja lida com a sexualidade e com a questão reprodutiva. É o caso do uso de camisinha onde 95% dos jovens católicos discordam da posição da Igreja e 93% dizem se sentir confortáveis em ser católicas e defendem o uso de camisinha. Isto porque entendem que não estão transgredindo os valores da sua religião. Então eu acho que a ONG Católicas pelo Direito de Decidir, é a voz de uma grande parte da população católica que discorda da hierarquia e não tem outra voz para falar por elas.
Um fato curioso é a explicação que vem sendo dada durante os debates, de que o embrião até a 12ª semana pode ser abortado, o que significa que não há vida até aí. Essa justificativa é uma posição da comunidade científica. Explique melhor.
Maria José Rosado – De fato essa é uma questão complicada, e não dá para tratarmos de uma maneira rápida, como se fosse uma questão simples, o que não é. Só que chega um momento que, quando a gente quer propor uma legislação, se faz necessário achar um parâmetro. Há quem pense que, por exemplo, seria melhor deixar fora do Código Penal e não legislar. Atualmente, a posição de uma grande parte do movimento de mulheres não é essa, e sim em dizer que a gente tem que legalizar, o que significa, colocar limites, colocar parâmetros.
Como é que se colocam esses parâmetros: levando em conta as proposições médicas atuais sobre a questão da vida cerebral a partir de quando a gente pode dizer que, de fato, temos ali uma pessoa humana numa fase de desenvolvimento que vai permitir a ela um nascimento normal, com uma qualidade boa de vida. Os países que legalizaram o aborto, com exceção de apenas dois, se me parece, deixaram o livre arbítrio à mulher sem colocar nenhum parâmetro. Todos os que têm parâmetros tem mais ou menos isso de que até a 12ª semana é possível a gente admitir de que haja interrupção, porque o processo gestacional é muito inicial e, portanto, não há nenhuma possibilidade de sobrevida fora do útero materno, já que há um começo de partes cerebrais sendo formada, considerando que a partir daí não se deve interromper. Esse é um critério que é usado. Agora, há uma diferença fundamental entre vida humana e pessoa humana. Vida existe no espermatozóide, no óvulo e um óvulo fecundado. Mas daí dizer que um óvulo no momento exato de fecundação já é uma pessoa humana, uma vida humana, que é mais digna de respeito e de valor que a vida da mulher, que tem esse início de gestação em seu corpo, a gente discorda desse tipo de concepção, porque é uma forma de não considerar a dignidade e a vida das mulheres que são, no final, as responsáveis por esse processo.
O livro que está sendo lançado “Em defesa da vida: aborto e direitos humanos” não é contraditório, quando aqui se fala de legalização do aborto?
Maria José Rosado - Nós escolhemos esse título ‘Em Defesa da vida: aborto e direitos humanos’, exatamente porque defendemos a legalização do aborto e estamos defendendo a vida das mulheres. Defendemos por mais paradoxal que isso possa parecer, a dignidade da maternidade. Nós queremos que se pense a maternidade como um processo que é resultante de um ato humano de desejo, de vontade e de um assumir realmente aquela gravidez e não como um resultado de um processo biológico que começou, e que não me sinto no direito de interromper. Como diz o prefácio do livro, “este livro é um ato de amor a favor da vida de milhares de mulheres”. Nós não queremos que a maternidade continue sendo esse processo que respeita unicamente a possibilidade biológica que as mulheres têm de gerar, mas que ela seja o resultado de um processo de pensamento, de recepção e de desejo da mulher colocar no mundo um ser humano, e para isso, é necessário que ela tenha o direito legal de interromper esse processo quando ela considera que naquele momento ela não pode ou não quer levar avante esse processo de gerar um novo ser humano.
Então é um respeito por esse processo maravilhoso, essa capacidade incrível que tem o ser humano, que é de gerar novos seres humanos com consciência, com respeito e dignidade. Portanto é um livro em defesa da vida.Há uma idéia de que, quando se fala em legalização do aborto, se pensa em movimento feminista, mulheres liberadas.
Nesse contexto atual de discussão sobre a liberação do aborto, por que os homens não se envolvem também com a causa?
Maria José Rosado -Nos últimos anos, nós tivemos muitos avanços significativos nesse sentido de ter os homens como companheiros, porque havia outros homens que acompanhavam o movimento feminista e que eram favoráveis ao aborto, mas que não se posicionavam publicamente, não vinham a público discutir isso, porque para o senso comum, isso era problema das mulheres. O nosso livro tem vários artigos escritos por homens: cientista, médico, teólogo e ex-padre católico, que se dispôs a escrever para a história e se engajaram nessa luta. Além destes, que estão nos livros, temos atualmente uma ampliação muito grande dos parceiros, como chamamos. São homens que se dispõe a irem um Congresso e a uma Audiência Pública para defender o direito das mulheres. São homens como o ministro Temporão (José Gomes Temporão, da Saúde) que entendem que a questão do aborto não está relacionada somente às mulheres, mas que é uma questão nacional.
Eu digo que agora nós estamos num outro patamar nessa luta e discussão. Porque, de fato, agora o aborto passou a ser um tema nacional, de discussão com outros paradigmas, outra força e outra significação, porque nós temos atores políticos importantes, defendendo o aborto.Como se encontra hoje no Congresso, o encaminhamento do projeto de legalização do aborto?
Maria José Rosado -Como houve uma mudança de legislatura, os projetos são zerados e voltam a sofrer todo o processo novamente.
Neste segundo semestre, nós teremos quatro audiências públicas na Câmara para discutir o Projeto de Legalização, retomando assim, toda a discussão. Primeiro, nas Comissões de Seguridade e da Família, e em seguida, vai para a Câmara e Senado, seguindo o trâmite normal.
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