quinta-feira, março 08, 2007

8 de Março Relembrar as Mulheres Rebeldes do Serviço Social



SERVIÇO SOCIAL CRÍTICO EM TEMPOS DE DITADURA EM PORTUGAL
-MULHERES REBELDES EM SERVIÇOSOCIAL




Alcina de Castro Martins



(...)


"A afirmação e a autonomia de iniciativa dos católicos, a vontade de intervenção social, cultural e política alarga-se aos mais variados campos da sociedade, vindo a participação crítica de algumas assistentes sociais, nos anos 60 a 74 a manifestar-se: no movimento de mulheres do GRAAL que a partir de 1958 passa a existir em Portugal; nas cooperativas culturais criadas em 1964, como a "Pragma" em Lisboa e a "Confronto" no Porto; nas publicações como "Direito à Informação" criada em 1963, o "GEDOC", grupos de estudo, documentação, intercâmbio e experiências que publicam a partir de 1968 os Cadernos GEDOC, e a publicação clandestina "Boletim Anti-Colonial", em 1972; na celebração do Dia Mundial da Paz, na Igreja de S.Domingos, em 1 de Janeiro de 1969 e na Vigília de Oração pela Paz na Capela do Rato, na passagem de ano de 1972 para 1973, que procuravam denunciar a situação da guerra colonial que o regime pretendia escamotear. Entre os participantes nesta última vigília, encontravam-se as assistentes sociais Maria Teresa Abrantes Pereira e Maria Gabriela Figueiredo Ferreira e a auxiliar social Ludovina Augusta de Rodrigo Esteves que foram inquiridas pela PIDE/ DGS, julgadas e expulsas da função pública (ZENHA, et al., 1973).

Numa conjuntura particularmente desfavorável para o regime, no rescaldo das eleições de 1958, com o caso de Goa, e a eclosão da guerra colonial, num clima conspirativo, a Revolta da Sé e o Assalto ao Quartel de Beja, expressa segundo João Madeira "um processo de diferenciação e de radicalização da luta contra o regime, polarizando para a luta armada sectores que se vinham perfilando nas fileiras oposicionistas, em larga medida à margem da tutela e da influência do Partido Comunista" (MADEIRA, 2002: 23).

A participação de assistentes sociais nestas acções políticas como a Revolta da Sé (1959) e o assalto ao quartel de Beja (1962); em organizações como a Frente Patriótica de Libertação Nacional (1963), a Comissão Nacional de Socorros aos Presos Políticos (1969), o envolvimento em organizações da oposição democrática, como as Comissões Democráticas Eleitorais (CDE), integrando ou apoiando as listas dos candidatos da oposição à Assembleia Nacional, particularmente significativo nas eleições de 1969 e 1973; o colaborarem em publicações semi-clandestinas, participarem na SEDES - Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (1970) e nas Brigadas Revolucionárias (1970), vão levar assistentes sociais a conhecer a prisão e a tortura. Duas delas serão presas na sequência do assalto ao quartel de Beja, a assistente social Maria Eugénia Varela Gomes, em Janeiro, e a assistente social Maria Manuela Martins da Rocha Antunes, em Março de 1962, e em Dezembro de 1973 é presa a assistente social Maria Gabriela Figueiredo Ferreira por integrar o grupo de católicos que publicava o BAC - "Boletim Anti-Colonial" (Fundo PIDE/DGS).

A representação das assistentes sociais como católicas, conservadoras e cúmplices do regime, que o Decreto Lei nº 30135 de 14 de Dezembro de 1939 definia como "conscientes e activas cooperadoras da Revolução Nacional" (MARTINS, 1997: 23), constitui parte da realidade da profissão, nesses tempos. Outra faceta do serviço social português, com menos visibilidade e remetida ao silêncio e ao esquecimento, alia-se às assistentes sociais que não se pautaram pelo colaboracionismo, nem colaboraram como meio de promoção social com o regime, que fizeram incursões na acção política e social, que participaram na "resistência civil", conceito que segundo Jacques Semelin designa "o processo espontâneo de luta da sociedade civil por meios não armados contra a agressão de que é vítima", (SEMELIN, 1989: 49), quer através de instituições, como instâncias políticas ou jurídicas, Igrejas, sindicatos, organismos profissionais, quer através da mobilização das populações, ou pela combinação de ambas. A principal finalidade é "manter a integridade da sociedade civil, a coesão dos grupos sociais que a compõem, a defesa das liberdades fundamentais, o respeito dos direitos da pessoa, das aquisições sociais e políticas" (SEMELIN, 1989: 53).

Num país em que a censura, a repressão, a pobreza, o isolamento, o imobilismo, o medo e o silêncio atravessavam o quotidiano dos portugueses, tomadas de posição críticas e acções de resistência social — em que "resistir é antes de mais encontrar a força de dizer "não" sem necessáriamente ter uma ideia muito clara do que se aspira" (SEMELIN, 1989: 50) — associado ao quotidiano profissional, feito de cumplicidades silenciosas, sob uma aparente submissão, contribuiem para alargar o nível de consciência social e política de profissionais empenhadas e para ser questionada e rejeitada a questão da neutralidade da profissão.

Encontrando-se a formação de serviço social próxima das estruturas da Igreja Católica em estreita articulação e consonância com os interesses do Estado (MARTINS, 1999 a), as divergências com qualquer um destes poderes, não deixa de se fazer repercutir nos Institutos de Serviço Social.

As tensões e os conflitos entre a direcção do Instituto de Serviço Social de Lisboa com a entidade jurídica de suporte, a Associação de Serviço Social que integra professores universitários e figuras ligadas ao regime político, encontrando-se vinculada ao Patriarcado, são evidenciados em várias situações. A que vamos mencionar está associada à divulgação e influência da psicologia dinâmica, psicanálise, grupo-análise nos métodos de serviço social (finais dos anos 50 e princípio da década de 60), que não sendo aceite pela entidade jurídica de suporte, conduz à demissão da directora, a Assistente Social Maria Carlota de Magalhães Lobato Guerra e com ela sai o grupo de docentes de serviço social que lhe estava próximo.

É nomeado para director do Instituto de Serviço Social de Lisboa, o Padre José Honorato Gomes Rosa que censura e dá por terminada estas novas orientações na formação das futuras assistentes sociais. Contraditoriamente, é este director que em 1964 assume uma posição política contrária ao regime, informando a Presidente da Associação de Serviço Social, da posição que tomou junto do Ministro da Educação Nacional, "o seu desacordo quanto à reacção publicamente expressa, como do Governo e do Povo Português, à anunciada presença de Sua Santidade o Papa no próximo Congresso Eucarístico Internacional em Bombaim", (NEGREIROS, 1999: 91). As acusações do governo português à visita do Papa Paulo VI à Índia, desencadeiam críticas por parte de outros membros do clero de Lisboa, de um grupo de professores do Seminário dos Olivais e de um grupo de leigos (CRUZ, 1999: 173). É ainda este director que não autoriza que as alunas de serviço social façam estágios no Movimento Nacional Feminino (BRANCO, 1992: 68), que misturava nacionalismo, catolicismo e assistência, e que na altura das cheias de 1967 oferece a ajuda de alunos e assistentes sociais do Instituto a hospitais e outros serviços sociais.


A directora do Instituto Superior de Serviço Social do Porto, a Licenciada em Filologia Clássica e Assistente Social Julieta Marques Cardoso e a directora do Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, a Assistente Social Maria Teresa Margarida Granado, indigitadas pelas congregações a que pertenciam vêm a desvincular-se, nos anos 60 e início de 70, respectivamente da "Sociedade das Filhas Coração de Maria" e das "Franciscanas Missionárias de Maria", permanecendo, no entanto, na direcção das escolas, contribuindo para um processo de afastamento da influência da Igreja, que prossegue com as disciplinas de Doutrina Social da Igreja e de orientação religiosa, que por pressão de professores e alunos passam numa primeira fase a disciplinas optativas, acabando por ser suprimidas, antes de 1974. Porém, o processo de laicização, com a completa desvinculação dos Institutos de Serviço Social da Igreja, só ocorrerá após o 25 de Abril de 1974.

As práticas profissionais constituem outros espaços onde o embate com a pobreza e a situação real do país, levam assistentes sociais a reflectir e a confrontar sobre qual era o mandato institucional e o que aspiravam fazer, existindo tentativas de traduzir nas práticas profissionais, posições críticas e o anseio de contribuirem para a mudança desse estado de coisas.

Através de informações recolhidas por meio de entrevistas realizadas a várias assistentes sociais que exerceram a profissão, no período em análise, em diversos campos de actividade, é possível apresentar algumas das questões e dos posicionamentos que atravessaram o quotidiano profissional, aproximando-nos da descoincidência entre as práticas e o discurso oficial.

Assim, em grandes empresas, com experiência de organização operária, há assistentes sociais que não aceitam fazer o que os patrões querem, como serem remetidas para as obras assistenciais, ficando impedidas de contactar com os trabalhadores no local de trabalho; outras recusam-se a falar com os trabalhadores, no sentido de acabarem com as greves, ou fazerem estudos sobre as condições em que os operários vivem, sem anteriormente saberem quais as reais intenções dessas investigações; vindo a demitir-se. Outras desenvolvem trabalhos no sentido de fundamentarem propostas para uma nova política salarial, com base em estudos de rendimentos e despesas familiares, e sensibilizam os trabalhadores a inscreverem-se nos sindicatos, após a "abertura" marcelista.

A crise do serviço social tradicional nos anos 60, como fenómeno internacional (NETTO, 1998: 142) e a existência de uma perspectiva modernizadora do serviço social tem também tradução entre nós.

A perspectiva desenvolvimentista do país, com a experiência dos planos de fomento, as reformas no sistema de protecção social, como a da "saúde e assistência" (1962), a criação de novos serviços na Direcção Geral de Assistência (RODRIGUES, 1999), colocam novas exigências aos assistentes sociais, como serem intervenientes, dinamizadores e integradores no processo de desenvolvimento económico-social.

Segundo Manuela Silva "duas décadas e meia de crescimento económico sustentado não permitiram pôr termo à pobreza e ainda em 1973 a pobreza continuava a ser uma realidade dura para muitos portugueses", quase um terço da população se encontrava excluída da possibilidade de dar satisfação a necessidades fundamentais. (SILVA, 1982: 1079 e 1080).

O ciclo de estudos em Bristol (1959), organizado pela Organização das Nações Unidas preconiza a "integração dos programas de desenvolvimento comunitário nas estruturas administrativas centrais e locais" (SNPSS, 1962: 63), vindo as assistentes sociais a participar em experiências, serviços e projectos de Desenvolvimento Comunitário (COUTINHO, 1999), de iniciativa pública e não pública, que procuram incrementar políticas económicas e de promoção social com o pressuposto da colaboração entre os poderes públicos e a população.

Porém, assistentes sociais vão questionar essa concepção de Desenvolvimento Comunitário, a não democraticidade dos serviços, propondo a eleição de chefes de serviço, o que veio a acontecer no Serviço de Promoção Social Comunitário, da Direcção Geral de Assistência, mas a concepção que têm do poder, leva-as quando eleitas a não aceitar tais cargos. Desenvolvem estratégias de dinamização e organização das populações, passando por uma intervenção activa na sociedade em ordem à melhoria das condições de vida, à criação de espaços de liberdade, ao exercício da autonomia e ao desenvolvimento da capacidade crítica. Competências ao nível do planeamento, investigação social, avaliação e formação dos profissionais são também incrementadas. As estratégias de alfabetização de adultos e o processo de consciencialização, segundo Paulo Freire, adoptados por assistentes sociais permite-lhes também encetar o debate sobre questões nacionais, associado ao carácter de denúncia da situação do país.



Um dos primeiros questionamentos das assistentes sociais, prende-se com o carácter assistencialista do serviço social — comparado à gota de óleo que contribui para fazer rodar a engrenagem — e a constatação da ineficácia do atendimento individualizado no superar das necessidades básicas da população. O confronto com as situações de desigualdade e opressão provoca em algumas assistentes sociais inconformismo, indignação e revolta, levando-as a afastarem-se da profissão ou a repensarem as práticas existentes, com vista a ultrapassar esse mal estar. É na confluência destes questionamentos que assistentes sociais começam a considerar que os problemas sociais não podem ser atribuídos aos que vivem essas situações, culpabilizando-os, existindo a necessidade de analisar mais profundamente a organização da sociedade, dirigindo as práticas para as questões estruturais.

Algumas assistentes sociais acreditam que era possível mudar as coisas, apesar dos limites e condicionalismos, a não se conformar com a pobreza, a encontrar a força de dizer "não" e de não ceder, a serem dissidentes ou desobedientes perante as normas e políticas vigentes, serem pioneiras e criativas, correndo riscos pelo seu envolvimento social, em prol da população com quem trabalhavam.

Este tipo de experiências, não só vêm desafiar as práticas existentes, vistas como incómodas e ameaçadoras, vindo assistentes sociais e outros profissionais a serem demitidos do Serviço de Promoção Social Comunitário, que também acaba por ser extinto.

Práticas que semeiam a desconfiança política passam a estar sob os olhares da PIDE/ DGS, que marca presença em reuniões com a população, fazendo visitas de surpresa às escolas de Serviço Social, exigindo explicações, os telefones ficam sob escuta, o correio é vigiado, são feitas ameaças e perseguições.

As expectativas de liberalização do regime e a frustação com as eleições para deputados, em 1969, geraram uma animação e um impulso decisivos na acção oposicionista no plano sindical, em que se desenhava uma margem de relativa liberdade, traduzida na possibilidade de substituir, ainda que com luta, as direcções da confiança do Governo, manifestando-se também na organização sindical das assistentes sociais.

O Sindicato de Assistentes Sociais, Educadoras Familiares e outras Profissionais de Serviço Social é criado em 1950, como organismo corporativo, subordinado ao Ministério das Corporações e Previdência Social. O Alvará de 23 de Julho de 1950 aprova os estatutos deste Sindicato Nacional, que segundo o Art. 3º, "renuncia a toda e qualquer forma de actividade, interna ou externa, contrária ao interesses da Nação Portuguesa" e o Art. 4º, "subordina os seus interesses ao interesse superior da economia nacional" e "repudia a luta de classes" (INTP, 1950: 395).

A acção do sindicato nos anos 50 tem por base a realização de retiros — indicador da forte influência da Igreja Católica, reforçada em 1951 pela filiação do sindicato à União Católica Internacional de Serviço Social (UCISS), seguindo as suas orientações — a organização de acções de aperfeiçoamento profissional e a publicação, de 1956 a 1962, de catorze números da primeira revista de Serviço Social Português, "Cadernos de Serviço Social - Boletim Trimestral das Trabalhadoras Sociais Portuguesas" (SNPSS, 1956 a 1962). Nestes anos não existe qualquer iniciativa em prol da melhoria das condições de trabalho e de remuneração destas profissionais.

Com a "abertura sindical" de 1969-70 passa a ter lugar a "abolição do sancionamento governamental dos dirigentes eleitos e, no plano da contratação colectiva, a consagração da obrigatoriedade de negociar e o consequente estabelecimento de mecanismos de resolução dos conflitos colectivos de trabalho". (BARRETO, 1990: 58). Neste contexto, as direcções do Sindicato dos Profissionais de Serviço Social, de 1970 a 74 integram ou são constituídas por profissionais, que se apresentam como independentes do poder vigente, tornando-se a intervenção sindical um campo de luta política das assistentes sociais.

Vão conceber e afirmar o serviço social como profissão, procurando obter melhores condições de trabalho, decorrente da condição de trabalhadoras. Iniciam uma efectiva acção sindical, participando na contratação colectiva de trabalho e na regulamentação da profissão, em prol de um estatuto sócio-profissional que levasse ao reconhecimento do serviço social pela sociedade portuguesa, não pela "vocação", "missão" e origem de classe das primeiras assistentes sociais, mas pelo exercício profissional, qualificado e socialmente útil. Neste sentido, em 1971, é parecer do sindicato que a formação de serviço social seja integrada na Universidade e que os assistentes sociais já formados tenham acesso à licenciatura (SNPSS, 1971).

O sindicato vai privilegiar a informação, dinamização e o debate entre assistentes sociais, com a criação de uma rede de delegados regionais e distritais, a organização de grupos de trabalho para a contratação colectiva de trabalho, relações com outros sindicatos e relações internacionais, contribuindo para uma participação activa, individual e em grupo dos sócios nas actividades do sindicato, combatendo o isolamento em que a maioria se encontrava, mencionando o "Relatório e Contas" de 1972 a "falta de hábitos de análise do contexto sócio-político", bem como a inexistência de informação que estimule o seu desenvolvimento" e "a inexistência de meios (incluindo as traduções de livros e revistas) que permitam "acompanhar" a evolução do saber próprio e das ciências em que se apoio o Serviço Social" (SNPSS, 1972: 21).

A direcção do Sindicato dos Profissionais de Serviço Social é uma das primeiras a aderir às Reuniões Intersindicais, criadas em 1970, onde "não iria quem queria, mas quem fosse convidado" (BARRETO, 1990: 85). O envolvimento de assistentes sociais nos movimentos dos católicos progressistas e em torno das comissões ou grupos sócio-profissionais da CDE, que vieram posteriormente a integrar a direcção do Sindicato dos Profissionais de Serviço Social, contribui para conferir a credibilidade e a confiança necessárias para que sejam aceites neste tipo de reuniões. Esta participação, por um lado veio reforçar a acção pioneira do sindicato no campo da negociação colectiva de acordos de empresa ou contratos colectivos de trabalho, em empresas com assistentes sociais e na Administração Pública na definição das funções destes profissionais, com incidência na classificação na grelha salarial, autonomia e relações com a hierarquia e por outro lado, veio evidenciar as limitações do associativismo impostas pelo regime, que em 1971 proibe as reuniões intersindicais, retomadas em 1972 numa semi-clandestinidade, contribuindo para forjar um sentimento de revolta, mas também de solidariedade e de cumplicidade com as lutas de outros trabalhadores, de outros sindicatos, contra a ditadura (ROSA, 1997: 30).

A direcção do sindicato luta para que a situação mude, sendo alvo de pressões políticas por parte de membros do governo, de perseguição e de censura à informação sindical (FERREIRA, 1992: 103 e 104). Em 1973 são apresentadas duas listas às eleições para os orgãos do sindicato, demonstrando que já não era possível conceber o serviço social apenas sob um único olhar, o do regime, vindo a ganhar a lista de assistentes sociais progressistas, que reforçava a política que vinha sendo desenvolvida pelo sindicato desde 1970, que segundo o testemunho da Presidente do Sindicato, Teresa Serôdio Rosa, nas "Jornadas Internacionais - Serviço Social no Feminino", afirmava "a condição de assalariadas submetidas, mas com algum poder (...), e que buscavam negociar as suas condições de trabalho e do exercício profissional". Perde a lista apoiada pelas assistentes sociais conservadoras, que defendiam o proteccionismo das elites políticas (ROSA, 1997: 31).

As eleições legislativas de 1973 põem fim às ilusões reformistas, aumentando a agitação social, estudantil e política. Ao nível do serviço social dir-se-ia que a radicalização de posições com a participação na Intersindical, a acção sindical e a defesa da licenciatura em serviço social, levaram estas assistentes sociais, que constituem uma minoria na profissão a afirmarem a identidade de um serviço social não ortodoxo e crítico, neste contexto da Ditadura.

Como traços principais deste serviço social crítico aponta-se o processo de politização em que os assistentes sociais se foram envolvendo por diversas vias, com reflexos no posicionamento político e na intencionalidade da acção profissional, com expressão ao nível de práticas de resistência isolada, alternativas ao serviço social tradicional e às exigências sóciopolíticas da ditadura, com a recusa da neutralidade da profissão e o comprometimento com a defesa dos interesses das populações com quem trabalhavam.

O serviço social crítico associa-se também à abordagem de práticas que incluem o desenvolvimento de estratégias de consciencialização social e de emancipação, uma orientação para a mudança social e para a transformação dos processos e das estruturas que perpetuam a dominação e a exploração. A óptica é no entanto mais de resistir às políticas vigentes do que uma perspectiva de criação de novas políticas. Dir-se-à que a construção desse serviço social crítico, corresponde ao máximo de possibilidade histórica que o grupo de assistentes sociais podia ter naquela altura, a "consciência possível", que segundo Lucien Goldmann, traduz "o máximo de conhecimento adequado à realidade que os processos e as estruturas estudadas podem comportar" (GOLDMANN, 1984: 31).

Não se pode esquecer que a formação sustentava-se numa análise da sociedade muito conformista, face à existência da censura a simples procura de fontes de informação não oficiais constituia desde logo algum risco, sendo precária a fundamentação ao nível do conhecimento crítico e da formação teórica de serviço social, que sustentasse uma reflexão crítica das próprias práticas profissionais, assumida na época por uma minoria de assistentes sociais.

A este estado de coisas não pode alhear-se o fraco desenvolvimento, em Portugal, no período em análise, das ciências sociais, tanto a versão convencional, como a versão crítica de cada uma das disciplinas (WALLERSTEIN, 1996) e da tradição marxista. Adérito Sedas Nunes a propósito da sociologia, refere que "para os responsáveis do Regime não era, porém, somente inútil e abstrusa, era também e sobretudo perigosa, suspeita, subversiva" (NUNES, 1988: 37), tendo sido "rapidamente confundida com Marxismo, uma vez que o marxismo aparecia então, e não apenas aos estudantes, como a arma intelectual mais potente da desvelação e desautorização dos mecanismos de opressão e repressão social sobre os quais as sociedades capitalistas se fundavam" (NUNES, 1988: 41).

Também relativamente ao conhecimento do Serviço Social de outros países, como o Movimento de Reconceptualização do Trabalho Social na América Latina e o Serviço Social Crítico e Radical existente noutros países, chegam poucos ecos e tardiamente, só após a revolução de Abril de 1974 é que passa a existir uma maior divulgação. Neste contexto é de referir o afastamento da formação em Serviço Social das estruturas universitárias públicas e de investigação científica, que irá manter-se até aos últimos anos do século XX.

Não é ignorando, rejeitando ou glorificando períodos da trajectória história do serviço social português que se contribui para um projecto profissional em construção para este século XXI (HENRÍQUEZ, 2001).

A abordagem que se tem vindo a desenvolver ao nível da investigação histórica do serviço social português pretende por um lado constituir um instrumento fundamental no processo de (re) construção da identidade profissional, dando visibilidade às relações com os movimentos sociais e políticos, à fundamentação teórica das práticas profissionais, à concepção do poder e identidade, aos debates e movimentos fruto do confronto de posições no interior da profissão (MARTINS, 1999), que desde a sua génese se contrapõem as formas de serviço social ortodoxo ou tradicional e o serviço social crítico. Por outro lado, pretende-se também identificar aspectos da actividade social e política de resistência de mulheres portuguesas em Tempos de Ditadura — no caso presente, assistentes sociais — que a historiografia raramente contempla (NOBRE DE MELO, 1975).

A investigação histórica do serviço social português desenvolvida por assistentes sociais, constitui hoje uma das linhas de investigação no serviço social e uma das facetas da sua identidade, neste início do novo século. (...) "









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-MULHERES REBELDES EM SERVIÇOSOCIAL
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Alcina Maria de Castro Martins

Doutora em Serviço Social, Pos-doutoramento em Serviço Social, Directora da Licenciatura em Serviço Social e Coordenadora Científica do Mestrado em Serviço Social no Instituto Superior Miguel Torga, em Coimbra, Integra presentemente a Comissão de Especialistas em Serviço Social no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia e Ensino Superior. Coordenadora Científica do Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social - CPIHTS


Comunicação apresentada no I Congresso Nacional de Serviço Social, Aveiro, 23 e 24 de Maio de 2002, relativa ao serviço social português, dos finais dos anos 50 ao 25 de Abril de 1974, com base na investigação de pós-doutoramento, em curso, "Mulheres Rebeldes em Serviço Social em Tempos de Ditadura" e algumas reflexões sobre a situação então presente da investigação e o serviço social neste país.

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