Crianças Vítimas
- Especial Referência ao Caso de Madeleine
Prof. Jorge Cabral
Presidente do Instituto de Criminologia
Universidade Lusófona
Muito Boa Tarde!
Agradeço aos meus Amigos, Professores Juan Carlos Ferre Olivé e Miguel Ángel Nuñez Paz, o convite para aqui estar, dando-me a oportunidade de partilhar tão importante reflexão sobre a violência exercida contra as crianças.
Da forma como hoje, as tratarmos, as defendermos e as protegermos, depende o Futuro, pois só nas Mulheres e nos Homens de amanhã podemos depositar a Esperança num Mundo Melhor.
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Introdução
A história da criança ao longo dos tempos, tem sido dramática. O abandono, o espancamento, o infanticídio, a escravatura, a prostituição, caracterizaram durante séculos a forma brutal de encarar a Infância.
Bordéis de Crianças existiram em Roma e na Grécia, mas também na Pérsia, na Índia e na China.
Os maus-tratos físicos, apenas no final do século XIX, começaram a merecer alguma atenção, e quanto aos abusos sexuais, só praticamente nos nossos dias, suscitaram estudo, preocupação e uma específica abordagem jurídico-penal.
Toda a gente conhece, o caso da pequena Mary Ellen, que aos nove anos, era espancada e vivia amarrada com correntes, em 1874, na Cidade de Nova York. Levada a situação a Tribunal, e não sendo considerado crime, foi necessário recorrer á Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra os Animais, argumentando-se que uma criança merecia pelo menos tanta protecção como um cão.
E quem ler o grande romancista português Eça de Queiroz, falecido em 1900, deparará com a alusão às “tecedeiras de anjos”, mulheres às quais eram entregues as crianças indesejadas, para as fazerem desaparecer.
Eu próprio ainda conheci pessoas cujo apelido Exposto, indicava que tinham sido abandonados nas chamadas Rodas, locais existentes nas igrejas e nos conventos, onde os filhos ilegítimos eram deixados, vindo grande parte a morrer.
Falo da História, é certo!
Ninguém hoje afirmará como Aristóteles, que os filhos são propriedade dos Pais, pelo que nada que eles fizerem contra esses será injusto.
E no entanto, apesar de todas as Declarações, Convenções, Resoluções, Directivas, as violações dos Direitos das Crianças, acontecem diariamente.
Crianças mortas, maltratadas, prostituídas, vendidas e compradas, mutiladas, escravizadas, são milhões e milhões, neste nosso tempo contraditório no qual se uniformizaram comportamentos, mas simultaneamente se agigantaram as desigualdades entre Pessoas e as Nações.
O gravíssimo problema das crianças – vítimas deve ser encarado numa perspectiva global, passando pela consciencialização dos Fundamentais Direitos da Criança – Pessoa – Cidadão, na sua inalienável Dignidade. Tal tarefa tem que ir muito além da aprovação de simples quadro-legais. São necessárias Políticas Sócio-Económicas integradas, da Família, da Parentalidade, da Infância, da Saúde e da Educação.
Em Portugal existe, desde 1999, a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, que dando cabal cumprimento ao estipulado na Constituição, acolhe todas as determinações da Convenção dos Direitos da criança, erigindo o interesse superior da mesma, como cerne e meta de qualquer intervenção. Considerando situações de perigo, o abandono, o mau-trato físico e psíquico, o abuso sexual, a falta de cuidados e afeição, o trabalho excessivo ou inadequado, a violência indirecta, a toxicodependência, o alcoolismo e a prostituição, é aplicável até aos 18 anos.
Traça uma intervenção a três níveis, entidades com competência em matéria de infância e juventude; comissões de protecção de infância e juventude, e tribunais, só podendo as primeiras agir de forma consensual e as segundas com o acordo dos Pais e consentimento do menor com idade superior a 12 anos. Algumas, das situações de perigo, constituem também crimes, pelo que teremos a par da protecção da criança, o processo criminal, tornando-se necessário articular ambos os procedimentos, garantir a recuperação da criança, sem descurar a punição dos agressores.
A maior parte das situações que chega às Comissões, é atribuída a condutas negligentes, motivadas pela ignorância, desinteresse ou egoísmo. Há muitos anos, defendo uma efectiva e maior responsabilização dos pais. Aliás a própria denominação “poder paternal” (a pátria potestas do direito romano) é equivoca. O que os Pais devem assumir são responsabilidades parentais, cujo exercício impõe, certamente sacrifícios pessoais, mas que só podem ser assumidas em plenitude, com Atenção, Cuidado e fundamentalmente com Amor.
Logo no Art.º 1º da Lei, se destaca como seu objecto, a Promoção dos Direitos da Criança. Promover, significa Fomentar, Difundir, Propagar e implica a mobilização de todos, para uma maior consciencialização da Comunidade. Se é verdade, que se nota uma acrescida sensibilização, face ao abuso sexual infantil, o mesmo não sucede no que concerne ao mau-trato físico, muitas vezes aceite como castigo educativo. E sendo embora, a denúncia em regra facultativa, torna-se obrigatória para qualquer pessoa, quando nos termos do N.º 2 do Art.º 66º, tenha conhecimento de situações que ponham em risco a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade da criança. Assim, se alguém tem conhecimento que um bebé, ou uma criança pequena, é deixada sozinha em casa, está obrigado a comunicar às entidades competentes. Trata-se obviamente de situação que põe em perigo a criança!
Como crimes específicos contra Menores, o Código Penal Português, apresenta toda a Secção II, do Capítulo V, intitulada – Crimes contra a Autodeterminação Sexual, da qual constam – Abuso Sexual de Crianças, Abuso Sexual de Menores Dependentes, Actos Sexuais com Adolescentes, Recurso à Prostituição de Menores, Lenocínio de Menores e Pornografia de Menores, e ainda os Crimes de Infanticídio, de Subtracção de Menor, e de Utilização de menor na Mendicidade, aparecendo-nos enquadrada no crime de Tráfico de Pessoas, a compra e venda de crianças, mesmo para a adopção.
Naturalmente, que a circunstância da vítima ser menor, constitui agravante modificativa em muitos outros delitos, como no Homicídio, no Sequestro, no Rapto, ou na Violência Doméstica. Por outro lado, existem outros ilícitos criminais que embora, admitam diferente tipo de vítimas, são pela sua origem direccionados à protecção da criança, como a “Exposição ou Abandono”, os “Maus-Tratos”, ou a “Ofensa à Integridade Física Grave”, pela excisão, que é praticada em crianças do sexo feminino.
Se compararmos o actual Código, com aquele que eu estudei na Faculdade, o de 1886, podemos concluir, que a nível penal, a preocupação com as crianças – vítimas, constitui hoje uma realidade, o que não quererá dizer, que todos os crimes cometidos contra crianças, cheguem aos Tribunais.
Obviamente que não! Muitos abusos sexuais, maus-tratos físicos e psíquicos, negligências graves, passarão impunes. Basta pensar na mutilação genital feminina, que é praticada em meninas, no maior sigilo, ou então durante as férias nos países de origem. Sabemos todos que o Direito Penal Substantivo, não resolverá por si, os problemas da violência contra as crianças, pois inúmeros factores, designadamente económicos, sociais, culturais e sanitários, estarão na sua génese, e contra esses certamente, as armas da repressão penal são ineficazes.
Desaparecimentos
Muitas pessoas desaparecem.
O Desaparecimento só por si, não indicia a existência de crime.
A maioria dos velhos desaparecidos sofria de doença de Alzheimer, a qual ocasiona confusão e desorientação. Perdem-se, e quando em meio rural, acabam por ser encontrados mortos.
A fuga de Adolescentes acontece frequentemente. Raros serão os casos de não descoberta.
O rapto de bebés em Hospitais e Maternidades é cada vez mais raro.
Praticado por mulheres que fingiram a gravidez e o parto, às vezes são de difícil solução, pois as raptoras conseguiram enganar vizinhos, amigos e familiares e até os próprios maridos.
Chamado pelos “Media” impropriamente rapto, a subtracção de crianças levada a efeito por progenitores, no âmbito de um conflito familiar, consubstancia no Código Penal Português o Crime de Subtracção de Menores. Dado o acréscimo significativo do número de divórcios, tal prática tem vindo a aumentar.
Madeleine desapareceu no dia 3 de Maio de 2007, pelas 22h40 do Ocean Club, Praia da Luz, onde passava férias com os Pais. Este é único facto assente. Tudo o mais, e não se conhecendo com rigor, o teor das diligências investigatórias, até porque o processo permanece em segredo de justiça, é constituído, por palpites, teorias, meio-verdades, interpretações, especulações e até simplesmente invenções.
Não foi este o primeiro caso ocorrido em Portugal. Sete crianças nunca foram encontradas, e algumas desapareceram, há mais de 10 anos (como o Rui Pedro).
Não há dúvida porém, que o caso Madeleine, devido à sua mediatização planetária e a diversas peculiaridades, impõe uma análise, que ao menos, acautele mais correctos comportamentos no Futuro.
É o que com brevidade, até porque tenho mais dúvidas do que certezas, tentarei fazer.
A) E começo pelos Media
Ainda hoje, decorridos 9 meses, os Jornais continuam a noticiar. E se num dia a investigação está parada, logo no dia seguinte comunicam-se novas diligências. Ao longo deste tempo, a informação, a contra-informação e a desinformação, confundiram a opinião púbica.
Os pais da menina passaram de vítimas a autores nunca se tendo clarificado, de que crime. Depois recuperaram a posição de vítimas.
A Polícia afinal cometeu erros…
Os cães ingleses eram infalíveis.
Os exames laboratoriais que confirmavam, mais tarde foram inconclusivos.
Os ingleses criticam a Polícia Portuguesa e o nacionalismo vem ao de cima…
O Director da Polícia Judiciária, diz que houve precipitação, e logo se pede a sua demissão…
As preocupações não são já com a pequena Mad. O que se discute é a competência da Polícia Judiciária, do Ministério Público, do Ministro.
A Televisão organizou Programas, escrevem-se livros, toda a gente falou. Toda a gente sabe, opina, conclui. Um Professor Espanhol, afirmou que a mãe, tem cara de culpada! Centenas afirmam ter visto a criança, desde a Suécia a Marrocos. O retrato robot do pretenso raptor é divulgado e logo dezenas o identificam. Os detectives garantem. Os videntes aparecem.
Tudo isto ajudou ou prejudicou a Investigação?
Mas estando o Processo em segredo de Justiça, como foi possível, a Comunicação Social ter acesso. Parece óbvio que lhe foram transmitidas informações… E mais não digo.
A Publicação do retrato da Menina por todo o Mundo trouxe vantagens?
A pequena Mad, é uma menina loira, parecida com milhares… Tem porém, sinais particulares, um olho verde e azul, e uma mancha escura no outro. A divulgação de tais sinais, pode ter sido fatal…
B) Diferentes Culturas,
Diferentes Normas Processuais
Estamos na Europa, espaço comum, com diversos costumes, hábitos e formas de estar. Quanto ao Processo Penal, não há qualquer semelhança entre as normas britânicas e as portuguesas…
A Kate, mãe, é uma médica inglesa, que não reagiu, da mesma forma de qualquer não portuguesa. Não chorou em público. Manteve uma pose serena…
O Ex-Coordenador da Investigação é gordo, sua muito, tem almoços demorados nos quais bebe vinho…
Os ingleses são os nossos mais antigos aliados. Sempre nos ajudaram militarmente, contra os Mouros, contra os Espanhóis, contra os Franceses. Na 1ª Guerra Mundial, combatemos juntos.
Porém no fim do século XIX, lançaram-nos um ultimato por via das possessões africanas (o chamado Mapa Cor de Rosa)
Foi então, e contra eles, que foi escrito o Hino Nacional. Onde agora se canta “Contra os canhões, marchar…marchar…”, cantava-se “contra os bretões, marchar…marchar…”.
Por outro lado, não podemos esquecer, certos períodos de domínio económico, parte do comércio do vinho do Porto, os transportes públicos de Lisboa, os telefones de Lisboa e Porto, já lhes pertenceram.
Ora, os ancestrais ódios, as velhas desconfianças, hoje apenas corporizadas no futebol, estão sempre prontas, para vir ao de cima, num patrioteirismo caduco e irracional.
C) As temidas e eventuais consequências
Nunca a Investigação de um desaparecimento, contou com tantos meios, ou foi discutida a tão alto nível. O Algarve vive do Turismo, a comunidade britânica é a maior.
Desaparecer uma criança inglesa, de um Apartamento turístico, podia prejudicar. Os interesses económicos assumiram mais uma vez, a fundamental preocupação…
D) Investigação Criminal
As Polícias
O Ministério Público
De acordo com a Lei Portuguesa, o Ministério Público, dirige a fase de Inquérito, assistido pelos órgãos de Polícia Criminal, acrescentando, o N.º2 do Art.º 263º do C.P.Penal, que estes actuam sob a directa orientação daquele (M.P.) e na sua dependência funcional.
A competência para a investigação nos casos de desaparecimento, pertence em exclusivo à Polícia Judiciária.
Face à letra da Lei, não oferece dúvida, que é ao M.P., que cabe a responsabilidade, e não à Polícia que no terreno investigará, sob orientação…
A minha longa experiência como Advogado Criminal, permite-me constatar, que esta coabitação entre o M.P. e a P.J., é muitas vezes difícil e geradora de conflitos.
Não sei se neste caso existiram, mas o certo, é que foi nomeado um Procurador de Évora, mantendo-se o de Portimão.
E) Constituição de Arguido
No decorrer do Processo, a Lei mudou. A partir de 15 de Setembro de 2007, embora tal acto continue a poder ser praticado pelas Polícias, é exigida uma fundada suspeita, e a constituição tem que ser apreciada e validada no prazo de 10 dias pela Autoridade Judiciária.
Os Pais foram constituídos arguidos, antes das alterações. Quando o Senhor Director afirmou há dias, ter havido precipitação, parece-lhe que lhe assiste alguma razão.
Num País, onde não se encontra interiorizado o Princípio da Presunção de Inocência e num caso como este, ser arguido equivale na prática à declaração de culpabilidade.
F) Caso Joana
No dia 12 de Setembro de 2004, a pequena Joana desapareceu de sua casa, sita a 20km, da Praia da Luz. Investigado o caso pela P.J. foram a Mãe e o Tio, acusados, julgados e condenados pelo crime de Homicídio Qualificado. O corpo da Criança nunca apareceu.
Subindo em recurso o Processo ao S.T.J., a decisão confirmatória, resultou do voto do Presidente, após empate. Pendente encontra-se a acusação a 5 Inspectores da P.J., que alegadamente terão agredido Leonor, a Mãe, com o objectivo de obter a confissão. Segundo o M.P. terão praticado os crimes de tortura, omissão de auxílio e falsificação. Um dos acusados foi o Coordenador da presente Investigação.
Claro que estes antecedentes influenciaram toda a questão, tendo sido recuperados e aproveitados …
G) Que terá acontecido à Mad?
Existem Crimes Perfeitos, ou Investigações Imperfeitas?
Partiu a Polícia da teoria para os indícios, e não destes para a conclusão? Desprezou alguma pista, como parece ter acontecido na Áustria no rapto de Natacha?
Se foi rapto foi fácil passar a Espanha e daí a outro País.
Se foi homicídio, não podemos ignorar, a localização junto ao mar.
Predador Sexual Isolado, Rede Pedófila Internacional. Que pensar?
Uma certeza temos! Madeleine foi deixada sozinha em casa. Há oito dias uma criança, foi retirada aos Pais, porque a Mãe, enquanto foi visitar o marido ao Hospital, a deixou com o irmão de 16 anos, que entretanto resolveu sair, para tocar bombo.
Nos apartamentos da Praia da Luz, funcionam Serviços de Babysitter, com guardadoras inglesas. Custo – 15 Euros á hora.
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Num quotidiano de violência, a tutela da criança, impõe com certeza, uma Perspectiva Mundial, com normativos uniformizados e uma eficaz colaboração Internacional.
Mas também e talvez principalmente será necessária uma consciencialização profunda dos Direitos das Crianças, as quais em primeira linha deverão ser defendidas, acauteladas e protegidas pelos próprios Pais.
Muito Obrigado!
Professor Jorge Cabral,
Huelva, 22 de Fevereiro de 2008
Niños Victimas, Comunicação apresentada ao IX Congresso Internacional de Justiça Penal, Violência e Menores na Universidade de Huelva