A rebeldia de uma mulher islâmica
Autobiografia da somali Ayaan Hirsi Ali
Ayaan Hirsi Ali nasceu em Mogadíscio, Somália, em 1969 e cresceu sob o jugo de um islamismo medieval que purifica as raparigas «amputando-lhes o clítoris e retalhando-lhes ou nivelando-lhes os lábios do sexo e toda a zona cozida deixando-se apenas um pequeno orifício para a urina sair», e que lapida mulheres.
Já adulta, a sua bússola da liberdade indicou-lhe a fuga para ocidente. Na Holanda, formou-se em Ciências Políticas, foi deputada da Câmara Baixa do Parlamento holandês pelo Partido Liberal, e fez da denúncia uma missão. Escreveu o argumento para o filme Submission do realizador holandês Theo van Gogh, assassinado em 2004 por um muçulmano radical. Com a cabeça a prémio, mas insubmissa, vive actualmente nos Estados Unidos sob vigilância de dois guarda-costas, e desloca-se em carros blindados. Surge agora em Portugal, contada na primeira pessoa, a vida desta mulher que ecoa gritos de muitas outras: Uma Mulher Rebelde – no original Infidel – é a autobiografia de Ayaan Hirsi Ali, um retrato vivencial da condição feminina nos países liderados pelo ditame masculino accionado com o fanatismo islâmico. Um retrato corajoso, com crítica social, política e religiosa, em 353 páginas inquietantes.
Considerada pela Time uma das mulheres mais influentes do mundo, Hirsi Ali regista neste livro um depoimento, obviamente subjectivo, feito com recurso a memórias, sobre a realidade que foi a sua desde a infância até à actualidade. A educação das crianças, a vivência familiar, a escola corânica, as atrocidades do Islamismo, as consequências para quem ousa tentar o destino que não o traçado no livro sagrado. Porque o texto fala por si, transcrevemos, com supressões da nossa responsabilidade, extractos sobre a mutilação genital e a condição da mulher naquela sociedade, afinal nossa contemporânea...
Relato de uma mutilação genital:
«Era a minha vez. A avó aproximou-se de mim e disse: “Vão tirar-vos esse kintir comprido, e então, tu e a tua irmã, ficareis puras.” A julgar pelas palavras e gestos da minha avó, esse vergonhoso kintir entre as minhas pernas, o meu clítoris, cresceria tanto que me balançaria nas pernas a cada passo que desse. Pegou em mim e, com uma mão firme, colocou-me na mesma posição que Mahad. Duas mulheres abriram-me as pernas. O homem, provavelmente um circuncisor itinerante do clã dos ferreiros, pegou numa tesoura. Com a outra mão, pôs-se a apalpar e a puxar o que eu tinha entre as pernas, como a minha avó quando ordenhava uma cabra. “Cá está ele, o kintir, cá está”, disse uma mulher. Vi então as laminas a baixarem entre as minhas pernas e o homem cortou-me os pequenos lábios e o clítoris. Ouvi um som, como o do galope do talhante quando retira a gordura da carne. Senti uma dor fulgurante, indescritível, e desatei a gritar. Tinham ainda de me coser: lembro-me da agulha comprida e embotada com que o homem furava os meus lábios ensanguentados, dos meus gritos de angústia e dor (…). Adormeci e só acordei ao cair da noite. Tinham-me atado as pernas para impedir que eu me mexesse e para facilitar a cicatrização. Sentia a bexiga a pontos de rebentar, mas já tentara urinar e a dor era insuportável. Coberta de sangue e suor, sacudida por calafrios, o meu sofrimento não acabava. (…) a minha convalescença durou cerca de duas semanas. (…) o homem voltou para tirar os pontos. Mais uma vez, magoou-me muito. Começava por soltar os fios com uma pinça de depilação, depois arrancava-os com puxões secos. (…) Depois disto fiquei mesmo com uma grande cicatriz entre as coxas, que me doía se me mexesse muito, mas, pelo menos, não voltaram a atar-me as pernas e não tinha de ficar deitada todo o dia sem me mexer.».
Os mandamentos da mulher baarri:
«uma mulher baarri é uma espécie de escrava devota. Honra a família do marido e alimenta-a sem discutir ou fazer perguntas. Nunca se queixa, nunca exige seja o que for. É forte no trabalho, mas a sua cabeça aceita tudo. Se o marido for cruel, se a violar e zombar dela, se arranjar outra esposa, se lhe bater, ela desvia os olhos e esconde as lágrimas. E trabalha no duro. Não tem o direito de errar. É uma besta de carga bem domesticada, dedicada, acolhedora e dócil. (…)Se a mulher é somali, deve convencer-se a si mesma de que Deus é justo e omnisciente e que Ele a recompensará no outro mundo. Enquanto tal não acontece, os que conhecem a paciência e a resistência da mulher atribuirão este mérito aos pais dela e à excelente educação que lhe deram. Os seus irmãos ficar-lhe-ão agradecidos por ela preservar a honra deles. Gabar-se-ão junto de outras famílias da submissão heróica da mulher. E, se ela tiver sorte, a família do marido apreciará essa obediência. Pode até acontecer que, um dia, o marido a trate como um ser humano.».
Uma Mulher Rebelde, autobiografia de Ayaan Hirsi Ali; Editorial Presença, Lisboa, Junho 2007
Ayaan Hirsi Ali nasceu em Mogadíscio, Somália, em 1969 e cresceu sob o jugo de um islamismo medieval que purifica as raparigas «amputando-lhes o clítoris e retalhando-lhes ou nivelando-lhes os lábios do sexo e toda a zona cozida deixando-se apenas um pequeno orifício para a urina sair», e que lapida mulheres.
Já adulta, a sua bússola da liberdade indicou-lhe a fuga para ocidente. Na Holanda, formou-se em Ciências Políticas, foi deputada da Câmara Baixa do Parlamento holandês pelo Partido Liberal, e fez da denúncia uma missão. Escreveu o argumento para o filme Submission do realizador holandês Theo van Gogh, assassinado em 2004 por um muçulmano radical. Com a cabeça a prémio, mas insubmissa, vive actualmente nos Estados Unidos sob vigilância de dois guarda-costas, e desloca-se em carros blindados. Surge agora em Portugal, contada na primeira pessoa, a vida desta mulher que ecoa gritos de muitas outras: Uma Mulher Rebelde – no original Infidel – é a autobiografia de Ayaan Hirsi Ali, um retrato vivencial da condição feminina nos países liderados pelo ditame masculino accionado com o fanatismo islâmico. Um retrato corajoso, com crítica social, política e religiosa, em 353 páginas inquietantes.
Considerada pela Time uma das mulheres mais influentes do mundo, Hirsi Ali regista neste livro um depoimento, obviamente subjectivo, feito com recurso a memórias, sobre a realidade que foi a sua desde a infância até à actualidade. A educação das crianças, a vivência familiar, a escola corânica, as atrocidades do Islamismo, as consequências para quem ousa tentar o destino que não o traçado no livro sagrado. Porque o texto fala por si, transcrevemos, com supressões da nossa responsabilidade, extractos sobre a mutilação genital e a condição da mulher naquela sociedade, afinal nossa contemporânea...
Relato de uma mutilação genital:
«Era a minha vez. A avó aproximou-se de mim e disse: “Vão tirar-vos esse kintir comprido, e então, tu e a tua irmã, ficareis puras.” A julgar pelas palavras e gestos da minha avó, esse vergonhoso kintir entre as minhas pernas, o meu clítoris, cresceria tanto que me balançaria nas pernas a cada passo que desse. Pegou em mim e, com uma mão firme, colocou-me na mesma posição que Mahad. Duas mulheres abriram-me as pernas. O homem, provavelmente um circuncisor itinerante do clã dos ferreiros, pegou numa tesoura. Com a outra mão, pôs-se a apalpar e a puxar o que eu tinha entre as pernas, como a minha avó quando ordenhava uma cabra. “Cá está ele, o kintir, cá está”, disse uma mulher. Vi então as laminas a baixarem entre as minhas pernas e o homem cortou-me os pequenos lábios e o clítoris. Ouvi um som, como o do galope do talhante quando retira a gordura da carne. Senti uma dor fulgurante, indescritível, e desatei a gritar. Tinham ainda de me coser: lembro-me da agulha comprida e embotada com que o homem furava os meus lábios ensanguentados, dos meus gritos de angústia e dor (…). Adormeci e só acordei ao cair da noite. Tinham-me atado as pernas para impedir que eu me mexesse e para facilitar a cicatrização. Sentia a bexiga a pontos de rebentar, mas já tentara urinar e a dor era insuportável. Coberta de sangue e suor, sacudida por calafrios, o meu sofrimento não acabava. (…) a minha convalescença durou cerca de duas semanas. (…) o homem voltou para tirar os pontos. Mais uma vez, magoou-me muito. Começava por soltar os fios com uma pinça de depilação, depois arrancava-os com puxões secos. (…) Depois disto fiquei mesmo com uma grande cicatriz entre as coxas, que me doía se me mexesse muito, mas, pelo menos, não voltaram a atar-me as pernas e não tinha de ficar deitada todo o dia sem me mexer.».
Os mandamentos da mulher baarri:
«uma mulher baarri é uma espécie de escrava devota. Honra a família do marido e alimenta-a sem discutir ou fazer perguntas. Nunca se queixa, nunca exige seja o que for. É forte no trabalho, mas a sua cabeça aceita tudo. Se o marido for cruel, se a violar e zombar dela, se arranjar outra esposa, se lhe bater, ela desvia os olhos e esconde as lágrimas. E trabalha no duro. Não tem o direito de errar. É uma besta de carga bem domesticada, dedicada, acolhedora e dócil. (…)Se a mulher é somali, deve convencer-se a si mesma de que Deus é justo e omnisciente e que Ele a recompensará no outro mundo. Enquanto tal não acontece, os que conhecem a paciência e a resistência da mulher atribuirão este mérito aos pais dela e à excelente educação que lhe deram. Os seus irmãos ficar-lhe-ão agradecidos por ela preservar a honra deles. Gabar-se-ão junto de outras famílias da submissão heróica da mulher. E, se ela tiver sorte, a família do marido apreciará essa obediência. Pode até acontecer que, um dia, o marido a trate como um ser humano.».
Uma Mulher Rebelde, autobiografia de Ayaan Hirsi Ali; Editorial Presença, Lisboa, Junho 2007
18-07-2007
Teresa Sá Couto
Ka
2 comentários:
É preciso divulgar mais situações como esta. Houvesse mais gente como Ayaan Hirsi Ali!
Fiquei sem palavras,como é possível isto acontecer?? Não somos todos seres humanos??
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