sexta-feira, junho 01, 2007

Entre o Picoas e o Saldanha Um Teste de Direito de Menores para Estudantes de Serviço Social


Fevereiro/1987
Conheceram-se entre as Picoas e o Saldanha numa viagem de metropolitano. Iam tão apertado, tão encostados um ao outro que Virgílio corou, corou, ficou atrapalhado e pela primeira vez em trinta anos chegou atrasado ao emprego, pois não saiu no Campo Pequeno.


Virgílio desde que enviuvara vivia sozinho e sentia-se triste nos seus sessenta anos gastos e cansados. Conhecer Esperança foi nascer outra vez, encher o peito de ar, sentir-se vivo, apostar no futuro. E Esperança era tão jovem. Apenas 23 anos mas já um filho de pai desconhecido. Ah! Que esperança na Esperança teve Virgílio! Na noite desse dia, que era o quinto do segundo mês do ano de 1983, Virgílio e Esperança dormiram juntos. E conversaram, e planearam e sonharam. Casariam o mais depressa possível, Virgílio perfilharia o pequeno Leonardo e seriam felizes, felizes para sempre.


Virgílio parece jovem. Ninguém o reconhece, mudou de penteado, deixou crescer o bigode, já não usa gravata. Esperança gosta assim e Virgílio concorda. Virgílio vai concordando com tudo o que Esperança diz. E nem ficou admirado quando ela, no dia 17 de Março o informou de que estava grávida. Sentiu-se foi orgulhoso e até enviou um telegrama ao filho Artur que vive na Austrália. Quis mesmo lançar alguns foguetes mas Esperança não deixou.
Casaram a 3 de Abril. Chovia o que é bom presságio, sinal de felicidade. Já passou algum tempo e o casal continua a viver em plena harmonia. A barriga de Esperança vai crescendo, crescendo e Virgílio está cada vez mais contente. Um filho na idade de ser avô. Que bom! Ainda não perfilhou Leonardo. Pensa agora em adoptá-lo. Parece que é mais correcto, segundo lhe disseram.
E chegou o bebé. É um rapaz gorduchinho e vermelho. “Mas que lindo bebé senhor Virgílio”. “Tão parecido com o pai, senhor Virgílio”. “A covinha no queixo, as orelhas pequeninas, o azul escuro dos olhos. Tal e qual a sua cara, senhor Vírgilio”.


Virgílio quasi morreu de felicidade naquela manhã do dia de S. João quando assistiu ao nascimento do filho na Clínica de S. Jorge. Vai chamar-se Virgílio, pois então.
E o bebé cresceu como todos os bebés. Já corre a casa toda, já brinca com o irmão, fala muito. Virgílio continua feliz. Ainda ama Esperança como no primeiro dia. Mas tudo vai mudar. E eles não sabem coitados. Vem aí a desgraça e nada posso fazer. Foi assim.

Esperança resolvera limpar o candeeiro da casa de jantar. Subiu a um escadote e mal tocou na lâmpada, caiu fulminada, uma fortíssima descarga eléctrica matou-a. Que morte tão estúpida aos 25 anos!

Agora só há lágrimas e tristeza. O lar deixou de o ser. Apenas um velhote e dois meninos ficaram para ali abandonados. Virgílio não tem resignação. Falta-lhe a esperança e já não tem Esperança.
Depois de uma semana de grande sofrimento, Virgílio resolveu arrumar as coisas de Esperança. Esta trouxera quando do casamento uma pequena arca cheia de papéis, cartas, retratos, recordações, que Virgílio começou a remexer. Viu retratos, leu e releu diários e cartas e nada lhe chamou a tenção. Tudo era antigo, de outra Esperança que não tinha conhecido. Até que uma carta, datada de 23 de Novembro de 1982 o fez dar um salto. Era um tal Rui e dizia o seguinte: Quero lá saber que estejas grávida! Não me chateies. Arranja um pacóvio qualquer. O problema é teu. Desenrasca-te... “Virgílio leu mil vezes esta passagem. Fez contas. Concluiu. O pacóvio era ele.

Esperança tinha-o enganado. Virgílio não era seu filho.


Logo no dia seguinte entregou as crianças a uma vizinha e intentou uma acção de impugnação de paternidade contra desconhecidos. Entretanto a vizinha recorreu ao Tribunal para resolver o problema dos menores. O Tribunal nomeou tutor das crianças Lázaro, guarda da P.S.P. que morava na mesma rua. A mulher de Lázaro, Duzolina quer adoptar os menores, mas tem apenas 28 anos. Porém dez dias depois Virgílio morreu de um ataque cardíaco.


Artur vem da Austrália ao saber de tudo isto. Chegado a Portugal procura contactar Rui. Depois ...

Nada mais sei. O que é pena. Paciência ...

Comente, clarifique, interrogue, desenvolva, solucione, aconselhe.



Jorge Cabral
Professor de Direito de Menores
*AzulejoMetro estaçaõ Picoas

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