domingo, maio 06, 2007

Serviço Social Ministra Matilde Ribeiro Assistente Social e Activista



Entre os pobres, os Negros São os Mais Pobres



A função da ministra Matilde Ribeiro no governo do Brasil é promover a igualdade racial entre os brasileiros. Mas ela tem sido acusada de trafegar em outra direção, estimulando o racismo, jogando negros contra brancos.

Dias atrás, quando afirmou que considerava “natural” (depois corrigiu para “explicável”) que negros brasileiros não se sentissem à vontade com brancos, pelo que sofreram no passado, provocou uma onda de reações indignadas.

A política da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) chegou a ser comparada à dos nazistas.Na entrevista abaixo, a ministra sustenta que os negros brasileiros foram abandonados à própria sorte após a abolição da escravidão e nunca foram incluídos na nova ordem como cidadãos. O Estado, segundo Matilde, deve desenvolver políticas especiais para superar o impasse que persiste - e que constitui o núcleo da questão social.

“Entre os pobres, os negros são sempre os mais pobres.”Filha de pais agricultores e analfabetos do interior de São Paulo, formada em Serviço Social pela PUC de São Paulo e com uma tese de doutorado paralisada por causa do trabalho no ministério, ela diz que pessoalmente não tem problema para conviver com brancos: “Não me importa a cor da pele ou a origem das pessoas, mas que elas se respeitem”.

O historiador Manolo Florentino observou que a política da secretaria é baseada no conceito de raça. Disse que se trocarmos a palavra ‘negro’ por ‘branco’ nos documentos do órgão, vamos ter a impressão de estar diante de um documento nazista.

O que a senhora diz?

Na Seppir não falamos de racialização, mas de igualdade. O que está pautado para nós como referência para a ação é uma análise das condições da sociedade brasileira. O programa de governo apresentado pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 e, de maneira mais enfática, o programa de 2006 apresentam a premissa do desenvolvimento econômico com distribuição de renda, inclusão social e educação de qualidade. É aí que entra a ação com grupos que sempre estiveram à margem da vida econômica e política, tais como os negros, as mulheres, os indígenas, os que nunca tiveram visibilidade na vida pública. O que estamos fazendo responde às reivindicações feitas pelo movimento negro nos últimos trinta anos.

O movimento mudou?

Ainda segundo Florentino, no seu início, nos anos 30, o movimento tinha orgulho da miscigenação no Brasil. Não se apostava na idéia do País repartido entre negros e brancos. Entendo que o movimento negro, assim como todo o movimento social, se atualiza, se modifica. Mas existem linhas comuns em suas expressões, em diferentes momentos históricos.Quais seriam essas linhas?

A primeira delas é a afirmação de que, após a abolição da escravidão, em 1888, os negros não foram incluídos na nova ordem como cidadãos. A segunda é que essa população de cidadãos livres clama, desde aquela época, por cidadania, por fazer parte de um país que eles e seus antepassados ajudaram a construir. A terceira é a lógica das políticas públicas, em busca de participação efetiva no trabalho, na educação, enfim, em todas as áreas. Esses três aspectos fazem parte da construção desses movimentos, embora a forma de se expressar e de se organizar seja diferente de um tempo para outro.

Como a secretaria se posiciona diante destas linhas?

Estamos respondendo a essa construção histórica, reconhecendo que cabe ao governo, como representante do Estado, acolher todos os cidadãos que compõem a Nação - e a população negra, somando pardos e pretos, como faz o IBGE, chega a quase 50% do total.

A senhora concorda com a idéia de que a abolição foi um dos momentos que o Estado brasileiro desperdiçou para promover a desconcentração da terra no País?

O País estaria melhor se os escravos libertos tivessem recebido um lote de terra?Recentemente, em Sinhá Moça, uma dessas telenovelas de época sobre a escravidão, o quadro ficou evidente: o momento da chegada ao Brasil dos trabalhadores europeus e, depois, os asiáticos, corresponde ao momento da saída dos negros libertos.O sociólogo Florestan Fernandes já disse que após a escravidão os negros foram entregues à própria sorte.

É esse quadro histórico que justifica a existência de uma política com atendimento especial, dirigido a negros e pardos?

Sim. Devem ter um atendimento dirigido, que ainda não tiveram. Vou citar dois exemplos. O primeiro deles é o das universidades públicas brasileiras. Elas ainda não cumpriram seu papel histórico, se considerarmos que a palavra ‘pública’ no caso se traduz como instituição que deve atender a todos; elas são espaços elitizados, onde os pobres não entram, os indígenas não entram. Isso não ocorre porque são menos inteligentes, mas sim porque durante toda sua vida não tiveram oportunidades de estudar em boas escolas.

Qual seria o segundo exemplo?

São os quilombos. Fomos educados para crer que o único quilombo existente no Brasil é o de Palmares - como referência histórica. No entanto temos 3 mil quilombos identificados hoje pelo governo. Até agora eles nunca tinham recebido a atenção do Estado.Não são só pretos e pardos que não entram nas universidades públicas. Pessoas pobres de olhos azuis também não estão lá.

Não seria melhor o governo investir mais no desenvolvimento econômico, em vez de pautar políticas especiais para esse grupo ou aqueleTodos os institutos de pesquisa indicam que, entre os pobres, os negros, os indígenas e as mulheres são sempre os mais pobres. É possível encontrar em qualquer lugar do Brasil um pobre branco e de olho azul, mas é mais provável encontrar um negro ou indígena.

Vou recorrer aqui aos sociólogos Octavio Ianni e Florestan Fernandes, que colocaram que no País as desigualdades raciais são o núcleo da questão social.A senhora está de acordo com essa visão?

Sim. Os números do IBGE e de qualquer outro instituto, quando analisam a pobreza, mostram que há um núcleo mais pobre - e que esse núcleo é negro. É por isso que se confunde entre ser pobre e negro.A senhora fala tanto nos movimentos que fica a impressão de que eles pautam a secretaria.O governo tem vida própria, assim como cada órgão de sua estrutura. No entanto, as secretarias especiais do governo, entre elas a de direitos humanos, a de política para as mulheres e a Seppir, estão vinculadas desde sua origem ao estabelecimento de um diálogo contínuo entre o governo e o setor da sociedade com a qual a secretaria se relaciona mais diretamente. Interessa ao governo uma relação, um diálogo contínuo com os movimento sociais.

Na Seppir essa relação parece mais forte. A diferença é que foi a única secretaria criada neste governo, logo após a posse do presidente Lula. As demais já vinham de gestões anteriores. Nos Estados Unidos, onde até hoje persiste uma nítida separação cultural entre brancos e negros, foram necessárias políticas especiais, como as cotas universitárias. Mas no Brasil nunca houve uma distinção tão nítida.

Será que não estamos importando mecanicamente as soluções americanas?

Em qualquer espaço da vida política brasileira temos referências e contra-referências que vêm do exterior. O movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, que teve seu boom nos anos 60, é uma referência para o movimento negro brasileiro. Mas apenas uma referência, porque a estrutura política do Brasil não é igual à dos Estados Unidos e não dá para retirar o modelo de lá e aplicar aqui. O mesmo ocorre com a luta contra o apartheid na África do Sul. Existem experiências importantes na construção da inclusão dos negros, mas não estamos copiando modelos.Acusam a senhora de racista, entre outras coisas por usar expressões como ‘questão racial’, quando sabemos que só existe uma raça, a humana.

No Brasil convencionamos alguns termos. O termo ‘negro’ é político. A palavra ‘raça’ também é uma construção política. Todos usam, desde a academia. Nos Estados Unidos, no entanto, a palavra ‘negro’ é politicamente incorreta. Se formos buscar argumentos científicos vamos concluir que a espécie é humana; e que dentro da espécie encontramos agrupamentos distintos, a depender de territórios, culturas, costumes, desenvolvimentos locais, que são chamados grupos raciais. Os termos são dinâmicos e respondem a construções coletivas.

A senhora também é acusada de jogar negros contra brancos?

A melhor forma de responder é dizendo quem sou eu. Tenho uma inserção política no movimento negro, no movimento de mulheres e meu grande aprendizado na vida foi sobre a importância de os poderes públicos e a sociedade serem atuantes para incluir os que sempre foram excluídos. Aprendi que toda forma de discriminação tem que ser contestada, que toda violação de direitos nos diz respeito.

O que está em pauta não é a exclusão de ninguém , mas a inclusão do negro, do indígena, do cigano.

Não se julga parte da elite? Afinal, estudou na PUC, uma universidade cara e conceituada.

Não me julgo parte da elite. Não nasci em berço de ouro. Sou filha de pais analfabetos e paguei caro para estudar. Trabalhei desde os 14 anos para pagar os estudos. Nunca fui à Europa antes de ser ministra.Na entrevista ao site BBC Brasil, que provocou polêmicas, disse achar explicável o fato de negros não gostarem da convivência com brancos.

A senhora tem problemas para conviver com brancos?

Meus pais eram trabalhadores rurais, em Flórida Paulista, quase na divisa entre Mato Grosso e São Paulo, e na minha infância convivi com italianos, poloneses, asiáticos. Minha irmã se casou com um descendente de portugueses que já tinha sido sido casado com uma nissei. Tenho um tio italiano e um sobrinho japonês. Durante toda minha vida convivi com a diversidade. Talvez tenha sido isso que me estimulou a lutar pela igualdade. Não me importa a cor da pele ou a origem das pessoas, mas que elas se respeitem. É por isso que tenho lutado.

Quem é Matilde Ribeiro?

Nasceu em Flórida Paulista (SP), em 29 de julho de 1960. É formada em Serviço Social pela PUC de São Paulo. Na capital paulista, ajudou a fundar a Soweto Organização Negra e integrou o Movimento Nacional de Mulheres Negras. Como assistente social, trabalhou em ONGs e na prefeitura de Santo André.

in
http://www.reporterdiario.com.br/index.php?id=10454

Matilde Ribeiro (29 de julho de 1960) é uma pesquisadora e ativista política brasileira.[1] Militante do movimento negro e do feminismo, ela formou-se em Serviço Social na PUC de São Paulo. Nascida em Flórida Paulista, numa família de baixa renda, Matilde Ribeiro é filiada ao PT. Após participar da equipe da campanha petista vitoriosa nas eleições presidenciais de 2002, ela foi convidada pelo presidente Lula para integrar o primeiro-escalão do governo em março de 2003.[2] Ocupa, desde então, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, que tem status de ministério. Esteve em Manaus, em abril de 2005, na I Conferência Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, marcada pelo protestos do movimento mestiço[3] contra a política de não reconhecimento da identidade mestiça pela SEPPIR, que inclui no somatório da população negra do país todos os pardos, inclusive os não-afrodescendentes, impedindo a afirmação da identidade cabocla[4].
Matilde Ribeiro
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