terça-feira, fevereiro 06, 2007

ASSISTENTES SOCIAIS PELO SIM À DESPENALIZÇÃO DO ABORTO



EU TAMBÉM VOTO SIM À DESPENALIZAÇÃO
Naquele Inverno frio de um tempo já passado, senti um tímido bater na porta do meu gabinete. Abri-a, deparei com um rosto ainda jovem mas muito vincado pelo sofrimento. Apresentava a cara maltratada, quiçá de uma eventual agressão. Mandei-a entrar, a sua roupa apresentava-se um pouco suja, desalinhada, sapatos rasos e muito gastos do andar. Pedi-lhe para se sentar. A medo disse-me que se chamava Rosa e que uma amiga lhe dissera para me procurar a fim de lhe poder prestar ajuda.
Rosa então contou-me que em miúda fora abusada pelo pai, indivíduo alcoólico, entretanto já falecido com uma cirrose, sua mãe, uma "moira" de trabalho, nunca tivera força para se impor ao marido.
Os seus avós não a queriam em casa pois só dava mau nome à família e o seu irmão mais velho disseram-lhe que não queriam prostitutas em casa. Vivia ocasionalmente da boa-vontade de terceiros. Tivera vários parceiros. Deles engravidara duas vezes e de um terceiro fizera um aborto numa " curiosa" de "vão-de-escada". Os filhos dera-os para a adopção. Fizera-o por não ter um tecto, não ter dinheiro nem forma de os sustentar. Perguntei-lhe se tinha médico, se tinha seguido as consultas de Planeamento Familiar, se se prevenira com anticoncepcionais ou outro meio de prevenir a gravidez? Que não tivera dinheiro para os anticoncepcionais, pois eram caros, não sabia que os poderia obter no Centro de Saúde. Perguntei-lhe qual a ajuda que precisava naquele momento.
Um fugaz sorriso assomou o seu rosto para de seguida cair em pranto. Estava grávida de poucas semanas. O parceiro ao saber que estava grávida mandara-a embora, que o filho não seria dele e que fizesse um aborto para a poder receber de novo.
Rosa pretendia interromper a gravidez. Os avós e o irmão trataram-na abaixo de "puta" não a queriam em casa, pedira ajuda a várias pessoas mas todas lhe fecharam as portas. Falara com umas senhoras da Igreja mas voltaram-lhe as costas como se fosse leprosa. Quando era pequena, frequentara a Igreja e chegara a fizer algumas novenas. Também se lembra do padre e da catequista referirem que "…pessoas como ela eram pecadoras e quando morressem iam para o inferno…"Sentia-se desalentada, sem forças
Rosa olhou-me nos olhos como a pedir uma saída. Disse-lhe para pensar, que a prática do aborto era um crime perante a Lei e perante a Sociedade. Em desespero, Rosa perguntou-me se não seria crime maior dar à luz uma criança não desejada, sem amor, sem futuro, vagueando aos tropeções do mundo. Não lhe respondi. Rosa, levantando-se abruptamente, respondeu-me – "…se tivesse dinheiro, se fosse uma grã-fina, logo me arranjavam uma saída numa clínica particular em Portugal ou no estrangeiro…, nunca seria presa…e as pessoas continuariam a olhar-me com respeito. Até o padre me daria a absolvição!"
Nunca mais vi a Rosa. Tempos depois vim a saber que dera entrada nas urgências de um hospital com grandes hemorragias e acabara por falecer. Tentara a interrupção da gravidez com agulhas de tricotar.
Nestes dias que muito se tem dito sobre o Referendo, gostaria também de me posicionar. Entendo que a interrupção voluntária de gravidez, para quem a queira fazer, em estabelecimento de saúde apropriado até às dez semanas, é uma questão de consciência de cada mulher e não deve ser duplamente penalizada.
Por último, não posso deixar passar determinadas homilias e panfletos provenientes de algum clero que vão no sentido da "excomunhão" dos católicos que votem Sim à despenalização. Tão pouco é admissível comparar quem vote SIM a Sadam Hussein. Só a mais torpe cegueira e o fundamentalismo inquisitorial dessas vozes que se assemelham á mais pura irracionalidade "Taliban".Haja mais dignidade e elevação.
Vítor Gomes/ Assistente Social
*Rosa – Nome fictício
Publicado no Semanário Região de Águeda, hoje, 1de Fevereiro de 2007
Vítor Gomes (Assistente Social)

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