quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Serviço Social:Da Formação Ao Reconhecimento Profissional


Serviço Social
Da Formação ao Reconhecimento Profissional

- Uma Acção Colectiva


Elementos Constitutivos da Profissionalização

O primeiro elemento é uma demanda social que, reconhecida, acaba por requisitar um certo tipo de intervenção profissional. Nós só podemos pensar uma profissão na medida em que ela atende, responde a demandas que são reconhecidas como tais.

O segundo elemento que me parece absolutamente indispensável para ser levado em consideração, é uma formação institucional específica e regulamentada, ou seja, não basta a existência de requerimentos, de requisições para uma intervenção profissional se simultaneamente não houver um sistema institucional que forme, que dê legitimidade à acção de certos quadros profissionais.


Em terceiro lugar, eu diria que é impensável um reconhecimento jurídico-legal de uma profissão se ela não dispor de organização profissional, se uma categoria profissional (no caso a categoria dos Assistentes Sociais – não se trata obviamente de uma classe mas de uma categoria profissional) não dispuser de organismos que expressem a sua vontade colectiva.

E finalmente, creio que é o tema central deste encontro, trata-se de discutir a regulamentação profissional. Eu diria portanto que pensar a profissionalização contemporânea é pensar estes quatro elementos:

§ Uma demanda Social Reconhecida;
§ Uma Formação Institucional Específica e Regulamentada;
§ A Organização Profissional; e
§ A Regulamentação Profissional.



A Demanda Social da Profissão

Não me vou deter no primeiro elemento, a questão da demanda social ou das demandas sociais, do complexo de demandas sociais que requer, que requisita a intervenção de um profissional como o Assistente Social, mesmo no quadro do 1º Mundo ( lembrem-se que eu sou um interlocutor que venho lá já não sei do terceiro, do quarto ou do quinto mundo dado o nível de profunda degradação das condições de vida das populações ao sul do equador ), mas mesmo numa sociedade num quadro nacional e de integração regional como o da União Europeia e mesmo considerando as situações específicas de Portugal, parece-me desnecessário qualquer observação acerca da demanda social deste quadro profissional que é o Assistente Social, portanto isto não vai ser objecto de minha reflexão, mas será objecto de minha reflexão a questão da formação profissional.

Me parece, e isso foi uma conquista, eu diria, dos últimos 20 anos dos Assistentes Sociais Portugueses – o grau de licenciatura, a formação de mestres e a formação de doutores, eu diria que é impensável a formação profissional em nível académico, universitário se ela não reunir três dimensões essenciais.

A Formação Profissional

A primeira dimensão é o ensino, isto porque nós temos um know-how, um património, um acervo de saberes, e mais do que isto temos uma relação com as ciências sociais que nos dão um quadro de referências que é transmissível que é comunicável, esta é a dimensão específica do ensino, que não é o único constitutivo da formação profissional,
Existe ainda uma outra dimensão que é a dimensão da pesquisa, sem pesquisa, sem investigação é inconcebível a estabilização de um reconhecimento profissional hoje em qualquer área. Quem se dispõe a pensar uma profissão de nível académico e reconhecida como tal, não pode se ater quando pensar a formação profissional tão somente ao domínio do ensino, é necessário, é fundamental incorporar as actividades de investigação e de pesquisa, isso evidentemente não significa que todo o profissional de serviço social será necessariamente um investigador.

No âmbito da categoria profissional tanto mais ela amadurece tanto mais à diversificação e diferenciação, a pesquisa – a investigação, é um dos objectivos primordiais da instituição académica.

Entretanto, o profissional deve estar preparado, sensibilizado para a importância das actividades investigativas, mas a formação não envolve apenas, insisto, o ensino e a pesquisa, é absolutamente fundamental que ela envolva também a extensão – políticas de extensão, de experimentação que ponham o saber desenvolvido, articulado, processado no interior da instituição académica, que o ponham ao serviço de comunidades, colectividades para além dos muros universitários.

O circuito que permite a oxigenação da pesquisa do ensino é precisamente aquele que envolve a extensão universitária.
Níveis das Competências Profissionais

De toda essa maneira, eu gostaria de chamar a vossa atenção para o facto de que essa formação deve prover ao profissional 3 tipos de competências, que não competências autónomas, que constituem uma totalidade articulada e interligada mas, que dispõem de alguma especificidade.

A primeira competência é a competência Teórica, o Assistente Social é um profissional ao qual cada vez mais são necessários instrumentos de análise, instrumentos categoriais e conceptuais, pois isto faz parte da sua competência teórica. É necessário um quadro profissional que seja capaz no seu local de trabalho, no seu local de intervenção de reconhecer as múltiplas dimensões que trazem para esse local de trabalho as determinações sociais macroscópicas.

Nesse sentido, a formação deve oferecer competência teórica, mas nós não somos analistas sociais, nós somos interventores sociais, neste sentido há uma segunda dimensão de competência profissional que é a competência técnica.

O Assistente Social deve-se expor para além de referências teóricas que lhe permitam compreender analiticamente uma conjuntura dada, ele deve de dispor de instrumentos interventivos, de alavancas, de ferramentas que lhe propiciem a intervenção transformadora dessa conjuntura.

A essa dimensão Téorico-Técnica, eu agregaria um terceiro nível de competência, ou seja, a competência política. O que eu chamo aqui de competência política não é obter a carteira ou o cartão de pertença ao partido “A” ou “B”, mas de uma formação que qualifique o profissional para identificar o significado sócio-político da sua intervenção, que de uma vez por todas elimine os mitos da neutralidade, da imparcialidade frequentemente confundidas com a objectividade da intervenção.

A competência política é a competência que permite fazer análises institucionais, estabelecer leques de aliança, identificar aliados, adversários, inimigos e, em suma, detectar e prospectar a viabilidade de projectos de intervenção, eu diria que no âmbito da formação preservada a dimensão do ensino, da pesquisa e da extensão, e contempladas a competência teórica, técnica e política, com isso nós estaremos formando quadros aptos, a constituir uma categoria profissional com perfil próprio e capaz de servir a sociedade.


A Organização Profissionalizante

O segundo elemento que chama a minha atenção dentro daqueles quatro que mencionei anteriormente como constitutivos da profissionalização contemporânea, refere-se à organização profissional.


É impensável qualquer reconhecimento do profissional mais denso, mais sólido, a uma categoria profissional que não apresenta às outras categorias profissionais, aos movimentos e organizações da sociedade civil e as instâncias do Estado que não apresenta interlocutores legitimados.


É preciso que a sociedade considerada nos seus vários níveis de articulação, que os seus movimentos sociais, os partidos políticos, as associações comunitárias e cívicas e também que as instâncias do Estado, os vários níveis de operacionalização desse campo de coerção e consenso que é o Estado, identifiquem entre os Assistentes Sociais, interlocutores representativos com quem o Estado vai conversar se quiser se dirigir aos Assistentes Sociais, com quem o movimento sindical conversará na categoria profissional dos Assistentes Sociais se não identificar interlocutores que sejam legitimados, por isso a organização da categoria profissional é absolutamente indispensável para qualquer passo no sentido da legitimação, inclusive legal e jurídica da profissão.

Eu entendo por organização profissional o conjunto de instituições, associações profissionais, sindicatos, organismos colectivos que representem as escolas, os centros de formação e de inestigação e que sejam capazes na sua polaridade de articular a vontade colectiva dos profissionais.

Uma categoria profissional jamais é um bloco homogéneo em todas as categorias profissionais, ha cortes, fracturas, clivagens, mas há uma identidade profissional, é essa identidade expressa numa vontade comum da categoria que pode configurar essa organização profissional, eu diria que essa organização é indispensável para a concepção de três tipos de interlocução.

Em primeiro lugar, a interlocução entre os centros de formação, os institutos, as escolas, as faculdades e os profissionais de campo – profissionais de terreno, é sempre muito grave quando se cria um fosso, um hiato entre a realidade da formação e a realidade da intervenção, é precisamente a sua organização de categoria que permite essa interlocução continua e fecundante.

Em segundo lugar, é através dessa organização que a profissão pode interagir organizadamente com outras categorias profissionais, estabelecendo alianças, projectos de intervenção comum, estabelecendo inclusive políticas profissionais comuns e colectivas.

Em terceiro lugar, eu diria é o campo que permite uma interlocução organizada, produtiva e eficiente, entre a categoria e instituições da sociedade civil e do estado.


A Regulamentação Profissional

Passo, enfim, ao último ponto daqueles quatro que eu referi inicialmente que é a questão da regulamentação profissional, eu diria que a base dos três elementos anteriores, a demanda profissional, a formação institucional e a organização da categoria profissional, só a partir desse chão, deste solo, deste piso, que se pode pensar no reconhecimento jurídico-legal da profissão. E aqui à dois níveis que devem ser mencionados como distintos mais interagentes.

O primeiro é um diploma legal que defina com clareza o estatuto profissional que é objecto, penso, deste encontro que se realiza aqui, mas é um suposto para que isto funcione além daqueles três itens mencionados anteriormente, e que fazem parte dessa regulamentação profissional, é a construção de um código de ética profissional.

Ora, essas duas dimensões da regulamentação profissional me parecem supor um elemento sem o qual todos os esforços por mais significativos que sejam podem se tornar a médio prazo esforços vãos e esforços baldados; qual é esse suposto! a falta de uma denominação mais precisa, eu diria que o suposto é a construção de um projecto profissional que tem uma dupla natureza, uma natureza ética e uma natureza política.

Essa natureza ética define-se pela explicitação dos valores que devem nortear a acção profissional, valores que devem contemplar garantias aos profissionais, portanto, um elenco de garantias ao sujeito da acção profissional, ao Assistente Social de que garantias ele dispõe, garantias laborais, de remuneração, de ascensão profissional, de coordenação e articulação com os seus pares, os seus companheiros, garantias que definam no âmbito da categoria profissional o seus deveres e atribuições, mas que também, e essa é a dimensão política, que defina claramente que tipos de sociedade nós queremos.

A categoria profissional dos Assistentes Sociais compromete-se com valores, essa é a sua dimensão ética, com valores como a liberdade, autonomia, emancipação, mas ela também tem que se comprometer com valores políticos sociais, em cada marco nacional esse compromisso está paramentrado pela constituição, pela carta magna, eu diria seus objectivos, mas há mais no caso do Assistente Social: eles não têm apenas um compromisso que eu diria que é factual - o compromisso com valores constitucionais, há aí algo mais do que essa vinculação factual, há também um programa, esse programa está determinado claramente porque, que sociedade queremos?.

Os Assistentes Sociais operam num marco do aqui e agora com todos os constrangimentos e limitações, mas para além dessa operação, qual é a nossa intencionalidade profissional, qual é a nossa teleologia, não enquanto profissionais tomados singularmente, mas enquanto categoria profissional ?

Eu diria que da fusão dessa dimensão ética com essa dimensão política é que se constitui um projecto profissional que só pode ser resultado de um amplo debate da categoria profissional, de um debate que envolva todos os Assistentes Sociais, que os mobilize, que lhes permita e os incite a explicitar a sua visão de mundo, a sua concepção de sociedade, e mais do que isso, qual é o sentido da nossa profissão.

Eu diria que esse passo, a construção de um projecto profissional com essa dupla dimensão, é um passo fundamental para garantir conquistas jurídico-legais. O que eu quero afirmar, é que a conquista do reconhecimento jurídico-legal, através da regulamentação do estatuto profissional, é um passo fundamental e necessário para o reconhecimento social e jurídico da profissão, é um passo necessário, mas não é um passo suficiente, ele só será suficiente quando sustentado num código de ética que explicite e expresse o projecto profissional, ele dê um marco de referência para a intervenção dos diferentes Assistentes Sociais de Norte a Sul, em qualquer latitude, independentemente das suas convicções e dos seus valores, na medida em que fazemos parte de um corpo mais amplo, de um corpo que nos transcende enquanto profissionais tomados isoladamente.

José Paulo Netto


Conferencia de Coimbra 2000

Transcrição de Mario Afonso

Pintura da Assistente Social Gema Lobos Bahamondes

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