domingo, janeiro 18, 2009

Cientista Brasileira Marca Presença em Portugal Maria do Carmo Brant de Carvalho

Maria do Carmo Brandt de Carvalho está presente em Portugal dando uma série de conferências e seminários a convite de universidades portuguesas ( U. Lusófon e U Católica de Braga ) e escolas politécnicas IPBeja. Licenciada e doutorada em Serviço Social, investigadora e autora de inúmeras obras publicadas na Europa e América Latina.
Deixamos este texto mais extraído da Net
A educação integral inscrita na política pública
Maria do Carmo Brant de Carvalho Maria do Carmo Brant de Carvalho é coordenadora geral do Cenpec. Reprodução do discurso de abertura do Prêmio Itaú-Unicef 2007.

Não é por acaso que hoje estamos falando em educação integral como prioridade no âmbito da política pública. A sociedade civil vem mostrando, por actos e vozes, essa nova demanda: educação integral para suas crianças e adolescentes. Falamos em sociedade civil porque é nela que nascem as prioridades da política social.
Nenhuma política pública nasce no Estado. As prioridades em políticas públicas emergem na sociedade e só adentram a agenda do Estado quando se constituem em demanda vocalizada . Isto é , quando grupos da sociedade civil se organizam –se em torno dessa demanda; focalizam-na e agem sensibilizando e mobilizando outros segmentos societários em torno da mesma. Nesta condição adensam forças e pressões transformando-a em prioridade e introduzindo-a no campo da disputa política .
Mas a sociedade civil de hoje, ao demandar por educação integral, a deseja revestida dos novos valores sócio-políticos que a sociedade contemporânea almeja. Quais são então os valores sócio-políticos que ditam a demanda atual por educação integral?
1. A sociedade civil clama por respostas mais integrais e integralizadas. O cidadão já não quer ser reconhecido como um somatório de necessidades e direitos; deseja atenções integrais. O Estatuto da Criança e do Adolescente é, nesse sentido, uma lei referencial, pois anuncia de forma enfática o direito de crianças e adolescentes a uma proteção e a um desenvolvimento integrais.
Deseja-se uma ação pública fundamentada na lógica da cidadania e promotora de ações articuladas em torno do cidadão e do território como eixos de um desenvolvimento sustentável.
2. Outro valor complementar ao primeiro diz respeito ao fato de que a sociedade clama por políticas setoriais combinadas a programas multisetoriais de desenvolvimento. Neste sentido se quer um tempo integral que contenha o conjunto de oportunidades de aprendizagem que se encontram dispersas nas várias políticas ditas sociais: cultura, esportes, assistência social, meio ambiente....
O novo modo de pensar o arranjo e gestão da política social derruba as fronteiras da setorialização das políticas sociais; de outro lado, reforça uma nova tendência, a de programas-rede que agregam diversos serviços, projetos, sujeitos e organizações no âmbito do micro território. Não mais ações isoladas.
Por isso mesmo, os serviços na ponta (normatizados pelas leis infraconstitucionais) ganham uma margem fundamental de autonomia para produzir respostas assertivas, flexíveis e combinadas, de direito do cidadão e de direito ao desenvolvimento sustentável do território de pertença.
Faz-se necessária uma ação pública sinérgica que assegure efetividade e eqüidade social em seus resultados. Uma política pública setorial não produz sozinha efetividade nos resultados.
4. Ação pública definida a partir do microterritório a que o cidadão pertence. Democracia e descentralização estão conformando um novo valor: programas e serviços sociais públicos com gestão microterritorial e de proximidade.
“A descentralização se liga a uma perspectiva de desenvolvimento socioterritorial que supõe, no território, a articulação dos assuntos relativos ao desenvolvimento econômico produtivo e os relacionados ao desenvolvimento social e à eqüidade. Aí estão as oportunidades e as restrições, a memória, a história, a geografia e os recursos. O território é um grande aglutinador de forças, riqueza, capital, população, recursos materiais, sociais e culturais. Entendido como o ‘lugar da pessoa’ opera como um contexto em que se expressam as diversas alavancas do desenvolvimento em forma integral e sistêmica, impulsionadas por traços comuns de identidade e experiência compartilhada” (Claudia Serrano, Cepal: 2005).
5. Participação: a governança e governabilidade social passaram a depender, cada vez mais, da participação dos diversos sujeitos do fazer social: o Estado, a sociedade civil, a iniciativa privada, a comunidade e o próprio público-alvo da ação pública. As políticas públicas dependem hoje de soluções democraticamente partilhadas entre Estado e sociedade.
Na arena pública estão presentes, interagindo de forma conflituosa ou cooperativa, o Estado, a sociedade civil, movimentos sociais, minorias, terceiro setor, iniciativa privada, mercado, comunidades e cidadãos que convivem e reagem às intermediações dos partidos políticos. Neste novo contexto, o Estado tem papel central na regulação e garantia da prestação dos serviços de direito dos cidadãos.
Os discursos de diversos cientistas sociais revelam no entanto, a presença de um Estado menos executor e mais indutor, articulador e agregador - um Estado coordenador. Há um claro movimento importante de retomada da força do Estado como intelligentsia do fazer público sem, contudo, que assuma a execução direta dos serviços públicos na sua totalidade.
A sociedade civil comporta-se como uma sociedade-rede, feita de múltiplos movimentos sociais, múltiplas organizações que reclamam, demandam, pressionam o Estado para participar igualmente na decisão e no controle da política social pública e mesmo na sua execução. Nesse sentido, é preciso reconhecer que a sociedade civil, representada por “n” organizações, e a iniciativa privada podem e devem atuar na política pública, desde que com a regulação do Estado e com um plano de governo que dite uma direção mais clara na condução da política pública.
Não é mais possível deixar iniciativas privadas, fundações empresariais, ONGs fazerem projetos pontuais sem clara articulação com as prioridades da política pública. É preciso que a gestão social pública dê conta desse tecido social que está aí, fazendo-o integrar-se a objetivos e lutas pela efetividade da política. Partilhar não para minorar, partilhar para emancipar a população brasileira. É nesta nova condição que o Estado exerce regulação, função vital para que se assegure efetividade e eqüidade na ação pública ofertada.
6. Uma nova perspectiva: a perspectiva de se centrar não apenas nas vulnerabilidades e riscos sociais, mas nas potências e desejos da população.
Nossa população em situação de pobreza não tem voz na interlocução pública. As desigualdades sociais em nosso país obscurecem todo o seu potencial. Observamos apenas as carências e vulnerabilidades, não criando espaço e reconhecimento para o exercício de seu protagonismo.
O tempo integral exigido pela LDB pode ser feito exclusivamente pela escola hoje no Brasil?
A nossa resposta é não. E por que não? Uma primeira resposta bem pragmática diz o seguinte: nós não temos hoje possibilidade de ter uma escola de tempo integral porque a nossa rede escolar funciona com 2 ou 3 turnos diários.
Uma segunda explicação é por uma questão de intencionalidade educacional. Considerando os valores sócio-políticos que circulam na sociedade que vivemos é absolutamente clara a tendência de buscar educação integral mobilizando e articulando os muitos serviços, sujeitos e espaços de aprendizagem disponíveis no micro território para compor essa educação integral.
Para além dos projetos socioeducativos ofertados por outras políticas sociais tais como as bibliotecas, museus e centros de cultura promovidos pela política de cultura; os centros desportivos municipais atrelados à política de esportes; os núcleos socioeducativos conduzidos pela política de assistência social há, igualmente, várias iniciativas da própria comunidade.
Os projetos socioeducativos realizados no contra turno da escola nasceram na comunidade; nasceram de organizações comunitárias, de organizações não-governamentais que entenderam a importância de um contra turno, de ações complementares a crianças e adolescentes marcados pela pobreza e pela vulnerabilidade social. Outra coisa importante é que elas nascem no micro território, portanto, acabam sendo uma política da comunidade, uma política da cidade. São um bem público comunitário, constituindo-se em capital social das próprias populações vulnerabilizadas.
Se pesquisamos o que essas ONGs comunitárias fazem, que tipo de ação socioeducativa ofertam, vamos observar que desenvolvem um mosaico de atividades. Nada é muito linear e homogêneo, pelo contrário, trata-se de um mosaico de atividades lúdicas, artísticas e esportivas que contribuem, sem dúvida, para o desenvolvimento de competências e habilidades, ampliação do universo cultural e de convivência para crianças e adolescentes sempre na perspectiva da inclusão social.
É por isso que o termo socioeducativo é um qualificador que designa um campo de múltiplas aprendizagens para além da escolaridade, tendo como finalidades a convivência, a sociabilidade e a participação na vida pública comunitária. Vejam: esses espaços não reproduzem a escola porque sua missão é desenvolver convivência, habilidades e aprendizagens em outros campos, também importantes para o desenvolvimento da criança e do adolescente.
O que mais observamos? Que esses projetos socioeducativos se comportam como um serviço de proteção social e por isso entram pela porta da política de assistência social e não pela porta da educação. Compõem-se como um programa multissetorial, visando atender aquilo que o ECA tanto preconiza - proteção e desenvolvimento integral de crianças e adolescentes.
Se entrarmos nas ONGs - às vezes aparentemente pobres porque estão em salinhas minúsculas, com poucos equipamentos - veremos que estão na periferia, nos bairros mais castigados pela precariedade de oportunidades.
Observando seus projetos socioeducativos, compreendemos que atuam no binômio assistência social (ou proteção social) e educação. Por isso falamos que possuem intenção protetora e educacional, conjugando em sua ação o objetivo dessas duas políticas setoriais: a assistência social, responsável pela oferta de serviços de proteção, e a educação, responsável por garantir o acesso e a apropriação dos saberes sistematizados.
Os programas socioeducativos não são só da assistência social ou só da educação. Envolvem necessariamente uma articulação orgânica com as demais políticas sociais, portanto, com a cultura, com o esporte, com o lazer, com a participação na esfera pública da comunidade etc.
Por fim, os programas socioeducativos pesquisados indicam inovações da maior importância: são realizados nos microterritórios da cidade, constroem-se com um olhar multissetorial, e são capazes de responder ao leque de aprendizagens de que o grupo infanto-juvenil precisa e deseja. Não apresentam um currículo e uma programação pedagógica padrão, como a escola oferece. Sua eficácia educacional está apoiada num currículo-projeto que nasce nas comunidades, a partir de suas demandas e interesses, particularidades, potencialidades e por seu próprio protagonismo.
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