Muito já se escreveu sobre as regras morais, a sua exceção e as formas de interdição, tema que remete à ética e fundamenta os direitos civis, políticos, humanos e sociais. Um exemplo de exceção às regras estabelecidas culturalmente é o estupro. Uma prática que pressupõe a violência ou a dominação do mais forte fisicamente, sobre a mais fraca e o abuso sexual. Nas sociedades contemporâneas, constitui-se em uma regra social inaceitável, inclusive entre aqueles que cometeram outros delitos considerados criminosos, uma vez que o estuprador é alvo de diferentes formas de violência no interior das penitenciárias. Nem por isso, deixa de ser praticado. Ocorre que devido à rigidez cultural de sua não aceitação, e como toda a violência, o estupro muitas vezes se torna invisível, dadas condições da pessoa violentada em revelar o que ocorreu, poupando-se das conseqüências de ser uma pessoa violentada sexualmente. As formas de interdição à prática do estupro variam de sociedade para sociedade, havendo uma tendência a criminalização.
Para reflexão do tema, se tomou como referência o filme “A excêntrica família de Antonia”. Não se buscou a análise sobre o conteúdo do filme, mas ele foi tomado como referência para pensar os crimes de estupro. O filme se inicia com a morte de Antonia. Com uma mensagem de missão cumprida com a sua vida, ela chama a todos os seus conhecidos para que acompanhem o momento de sua morte. A partir desta cena inicial do filme, desenvolve-se a narrativa de sua filha sobre as suas vidas: de Antonia, da sua filha e de sua neta. Ao retornar para a moradia na vila que nasceu, viúva e com uma filha, Antonia enfrentou problemas na sua aceitação cultural pelos moradores, dada sua condição de mulher forte, audaciosa, matriarcal. É inegável que o filme privilegia a construção de uma visão favorável aos personagens femininos.
Há uma série de temas e situações do filme que remetem ao cotidiano do exercício profissional. Um deles, a família. O filme consegue mostrar como a condição da família é flexível, sem definições culturais precisas em sua configuração. Em primeiro lugar, Antonia é viúva e vive com a filha Daniele. Aos poucos a casa das duas adquire uma dinâmica flexível capaz de comportar a incorporação de dois deficientes que se apaixonam; um viúvo com vários filhos, com quem Antonia tem uma relação de amor sem conviver na mesma casa; a namorada de Daniele que é professora da sua filha ou neta de Antonia. Outros temas se situam através das imagens veiculadas e das situações vividas através dos personagens do filme.
Havia na vila, uma moça deficiente mental à qual os homens alimentavam preconceito contra ela. Esse preconceito manifestava-se em ameaça de abuso sexual a ela, em particular por um irmão. Um dia Daniele, filha de Antonia, entrou no celeiro e a moça estava sendo abusada sexualmente por ele. Daniele no intuito de protegê-la atingiu o rapaz com uma foice, possibilitando a fuga da moça. A partir desse acontecimento, a moça que foi abusada sexualmente foi acolhida pela família de Antonia e Daniele, passando a morar com elas. Em seguida, o rapaz agressor saiu da vila e só retornou quinze anos depois, no funeral de seu pai. Voltou trajando roupas militares e veio ao local de origem para receber sua parte na herança deixada pelo pai. Como vingança ao gesto de defesa de Daniela à moça abusada por ele, nessa ocasião, ele estuprou a filha adolescente de Daniele. Quando Antonia soube, ela pegou uma arma e foi ao encontro dele. Disse apontando-lhe a arma para sair da vila e nunca mais retornar, poupando-o da morte. Em seguida, um grupo de homens o agrediu. Seu irmão o encontrou após a agressão e, na ausência de outras pessoas, ao contrário de oferecer-lhe ajuda, afogou-o em uma tina com água. Não há surpresas para o fim dado ao rapaz com a sua morte, uma vez que o estupro é uma prática inaceitável culturalmente, sendo comum do ponto de vista da vida cotidiana, embora repugnante, este fim àqueles que o praticam. Nesse caso, no plano da cultura, a interdição é a morte. Há, relacionado ao estupro, a aceitação social e cultural que pressupõe a idéia de que aquele que a pratica deve morrer. Poderíamos nos perguntar se essa forma de interdição relaciona-se ou não a impunidade. Mas não é o caso para os objetivos aqui propostos.
A partir desse cenário baseado no filme ‘A excêntrica família de Antonia’, será buscado o entendimento desse fenômeno na legislação e no direito penal no Brasil, uma vez que as legislações representam a partir dos embates estabelecidos para a construção de hegemonias políticas e legais, a vontade daqueles que a obtiveram no momento de aprovação. As legislações também são possibilidades de construção de referências culturais, uma vez que expressam valores e são capazes de impor-se no exercício da legalidade ou na formalidade dos direitos.
Direitos humanos das mulheresA concepção de gênero para o entendimento das questões decorrentes das relações entre os seres sexuados e que exercem a sexualidade de diferentes formas, assim como a idéia de femicídio e de violência de gênero nos debates sobre a violência contra a mulher e os direitos humanos, possibilitaram a ampliação no entendimento das questões decorrentes das desigualdades entre os seres sociais sexuados. Entendida como a violência que deriva das formas de dominação e exploração entre os seres sexuados, a violência de gênero é um fenômeno observado tanto nas guerras, na sociedade em geral e nos espaços domésticos. O estupro se caracteriza como violência de gênero e violência sexual, ou seja, aquela que decorre do abuso sexual do ser mais forte sobre o mais frágil fisicamente e que em maioria envolve pessoas com sexo e orientação sexual diferentes, mas não exclusivamente.
O processo de incorporação dessas categorias analíticas se move com o debate sobre as conquistas dos direitos, sendo os direitos humanos aquele impulsionador dos países que aderem aos tratados internacionais a rever suas legislações internas, buscando o cumprimento aos mesmos.
No âmbito dos direitos humanos das mulheres, a partir da década de 1970 aconteceram as Convenções da Organização das Nações Unidas - ONU que abordaram a situação das mulheres no mundo. A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979, ONU - ratificada pelo Brasil em 1984) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, da Organização dos Estados Americanos, em 1994, que se convencionou chamar Carta de Belém do Pará (ratificada pelo Brasil em 1995), mesmo ano que a ONU promoveu a Conferência das Mulheres e que resultou na Plataforma de Ação de Pequim (1995). Nesse processo, mudanças de abordagem do tema e de instrumentalização dos direitos aconteceram, gerando institucionalidade nos países e alargando as possibilidades de conhecimento e de seu entendimento.
Em âmbito nacional, se desenvolveu entre os operadores e pesquisadores do direito a noção sócio-jurídica de gênero. Embora seja exceção entre os componentes do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Segurança Pública, há entre esses profissionais aqueles que se formam com maior sensibilidade ao tema, a exemplo não somente das mulheres advogadas.
Abuso sexual: Crime de honra ou crime de violência?Considera-se que esta é a primeira aproximação para a busca de reflexões sobre estes aspectos dos direitos, o qual se considera bastante complexo. A noção de abuso relaciona-se a subjetividade da vítima, a qual deve apresentar provas orais e materiais para objetivar a existência do crime. No caso do abuso sexual, as provas materiais, muitas vezes, se resultam da comprovação de exames periciais que atestam a veracidade do que ocorreu. A comprovação do crime exige uma série de procedimentos das vítimas que vão do momento da violência, até a comprovação do crime, o que não é feito por ela, mas por instituições e profissionais que tem atribuição para isto, como aquelas que realizam os exames periciais, na situação brasileira o Instituto Médico Legal.
Ocorre que estes crimes, não ocorrem somente individualmente, mas em algumas situações tornam-se estratégias de luta no interior de conflitos entre sociedades, de maneira que cabe se perguntar quando estes são crimes contra a honra e quando o são crimes de violência.
No contexto dos direitos humanos das mulheres, ocorreu que quando a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Violência foi formulada em 1979, foram enfatizadas as discriminações contra a mulher, e não a violência contra a mulher, formulação que se deu posterior a este momento histórico. Isso foi se modificando nas últimas décadas. O acúmulo teórico levou ao desenvolvimento de teorias, noções, categorias e conceitos que fizeram o debate se ampliar. Um exemplo foi a noção de saúde que se alargou para direitos sexuais e reprodutivos.
Nas situações de violência, as noções de gênero e patriarcado, geraram lastro em torno de sua formulação, os quais contribuíram com a adoção mais adequada de conceitos na esfera dos direitos. Hoje se encontra claramente nos documentos relativos aos direitos humanos a noção de gênero e de violência contra a mulher. A noção de patriarcado se constitui vê sendo mais adotada nos meios acadêmicos e políticos.
Situado isto, voltemos à diferença entre crime de honra e crime de violência. Há na noção de honra amplas possibilidades de reprodução de estereótipos que sedimenta o lugar social das mulheres, o que às vezes evita mudanças que levam a uma efetiva igualdade de gênero. A virgindade por exemplo. Não se quer aqui desvalorizar as sociedades que tem este valor cultural como positivo. Ocorre que o abuso contra uma mulher virgem, para além de um crime contra a honra e os costumes, constitui-se em um crime de violência contra as mulheres, ou seja, é necessário incorporar a noção de sujeito e que estes sujeitos são sexuados, já que são crimes que encontram explicações nas formas de dominação e exploração de gênero e patriarcal Nas situações do estupro cometido contra mulheres, é comum o argumento moral na defesa dos agressores e criminalização da vítima, como o de que foi a vítima quem provocou o agressor. Este tipo de argumento que tem fundamento na moral, já que se baseia em valores, pode ir se desenvolvendo em outros argumentos da mesma natureza como o de que a vítima provocou o agressor se vestindo desta ou desta ou daquela forma, freqüentando este ou aquele lugar, gesticulando.
Sem desconsiderar o crime contra a honra e os costumes, os estupros são crimes de violência e em algumas situações, a sua prática adquire conotações de crimes contra a humanidade, como nos conflitos armados, já que além de assumir dimensões coletivas, constitui-se em estratégias de imposição para a modificação de culturas.
Crimes de estuproHá uma tendência nas pesquisas de violência de gênero e sobre as mulheres no Brasil a demonstração quantitativa de ocorrência das situações e de leitura dos processos judiciais, que mostram como se produz e reproduz, no contexto das ações judiciais, a desigualdade de gênero, raça/etnia e classe no interior das instituições judiciárias.
Um dos primeiros estudos realizados no Brasil, de Ardaillon e Debert (1987), situou o contexto legal para a punição dos crimes de estupro, que tem amparo legal para a punição no Código Penal
[2]. Esse estudo mostrou o seguimento das queixas registradas na polícia para o sistema judiciário e, nesse processo, a dificuldade das mulheres em registrar as queixas de crime de estupro nas delegacias de polícia, dada postura dos homens funcionários destas instituições. Também mostrava as dificuldades dessas mulheres, na realização do exame de saúde para comprovação do crime, dado despreparo destas instituições para o entendimento das demandas veiculadas em cada situação e respeito ao sofrimento das mulheres. Outra dificuldade era a de demonstrar marcas da violência deixadas no corpo da vítima. Esse estudo (Ibid. 1987) mostrou que nos julgamentos, ao contrário de outros crimes que nos processos de julgamento tentam amenizar as penas, uma vez considerado estupro, é mais comum que o resultado do julgamento seja a pena máxima. Daí o empenho judicial de não comprovação da prática de estupro nas etapas de investigação criminal, evitando a sua transformação em processo judicial. Isso recai sobre as mulheres e os preconceitos com relação às vítimas de estupro, como o argumento de que são profissionais do sexo que lançam mão de argumentos que foram estupradas, como forma de se vingarem daqueles homens que não pagaram pelos seus serviços. Ou ainda as posturas patriarcais nas delegacias de polícia, hospitais e Instituto Médico Legal, que contribuíam para a não comprovação do crime.
Outro texto que analisou o estupro foi o de Pimentel et al. (1989). Baseado em pesquisa em processos judiciais de crimes de estupro arquivados e acórdãos publicados. Este estudo mostrou que os agressores homens que são condenados, geralmente são pobres, de condição étnico-racial variada, jovens de até trinta anos de idade. Não há algo comum que os caracterize. As mulheres vítimas de estupro, neste estudo apresentam perfil similar: são pobres, muito jovens (a maioria não tinha dezoito anos), muitas já haviam sido violadas por seus pais e padrastos e há no perfil dessas vítimas, uma variação da condição étnico-racial. Há uma tendência ao conhecimento entre vítima e agressor, já que geralmente são vizinhos, parentes ou conhecidos.
O mesmo estudo analisa que há nas situações de estupro incestuoso a naturalização do fenômeno, não sendo percebido pelos agressores como hediondo, ou seja, exigente de mudanças culturais profundas no que diz respeito às relações de gênero e gerações. Há também outra forma de aceitação cultural do crime, observada pela defesa dos criminosos baseada na geração de argumentos morais sobre a vítima e a presença de estereótipos, preconceitos e discriminações de gênero. Não há na prática dos estupros o uso de armas ou objetos de ameaça, o que leva a idéia que a sua prática se faz em bases de uso da força física ou da violência psicológica através da coerção e ameaça.
Em respeito aos processos de julgamento, a tramitação é morosa na esfera judicial até o encerramento da decisão de julgamento. Na pesquisa realizada pelas autoras, embora a maioria dos processos não tenha ultrapassado três anos, foram encontradas situações que ultrapassaram oito anos entre o inquérito e a última decisão judicial.
Em respeito ao tempo na tramitação judicial, há o estudo realizado por Vargas (2004) que concluiu em análise detalhada do tempo de tramitação processual, que há duas questões que diferenciam os julgamentos dos crimes de estupro: a primeira refere-se ao fato do agressor ter sido preso, o que leva a uma aceleração do processo; a segunda é entre aqueles crimes que tem como vítimas crianças e adolescentes e os que as vítimas são adultas. Nesse caso, os primeiros ou aqueles praticados contra as meninas e as adolescentes, o tempo é menor, dada legislação, ou seja, o Estatuto da Criança e Adolescente, e a facilidade de localização dos envolvidos, uma vez que para estes crimes, a autora identificou que geralmente são parentes, vizinhos, amigos. Nos estupros praticados contra mulheres adultas, o agressor não é necessariamente conhecido, observa Vargas (2004).
Estupro, cotidiano e ética profissionalPorque o estupro e o entendimento sobre os mecanismos de criminalização remetem a ética profissional? Este tema remete a todas as profissões. Uma vez assistente social e professora de serviço social, as reflexões se direcionam para o exercício profissional do assistente social. Cabe às profissões se indagarem sobre a ética. Na situação em estudo neste texto, cabe refletir como a prática moral dos indivíduos em sociedade pode ou não contribuir com os processos de ampliação da democracia e de fortalecimento das liberdades sociais e individuais. Para as profissões como o serviço social, que se constituem em maioria por mulheres, as práticas de estupro referem-se aos agentes como profissionais e como mulheres, uma vez que assistentes sociais podem estar sujeitas da violência de gênero e certamente requisitadas como agentes a intervir nas questões decorrentes das expressões da questão social, estas carregadas de conteúdos de violência em todas as suas formas e entre esta a sexual e contra a mulher. Em outra perspectiva argumentativa, assistentes sociais têm como campo privilegiado de ação as políticas de assistência social e de saúde. Nessas políticas, há uma demanda feminina que muitas vezes, embora velada, carrega consigo a violência de gênero, sendo mais comum a doméstica, mas não exclusiva.
Do debate feito sobre as políticas para mulheres, cresce as argumentações que a sua natureza é transversal às outras políticas, se constituindo em campo próprio, expresso no I e II Planos Nacional de Políticas para Mulheres, requisitando a política interior a outras políticas como a de saúde que conta, desde a década de oitenta, com o Programa Integral de Saúde da Mulher e hoje com a Política de Saúde para Mulheres. Também na segurança pública, através das Delegacias de Mulheres, serviço que vem crescendo, muito lentamente, a partir da década de oitenta nas várias regiões do país.
Da noção de ética de Barroco (2003, p. 143): “A ética, em sua dimensão teórica, não é (ou não deveria ser) uma prescrição de princípios definidos abstratamente; seu conteúdo é a prática ético-moral dos homens”, considera-se que o ethos profissional do assistente social, no atual momento histórico conta com um Código de Ética e um projeto profissional que contempla a ontologia do ser social e remete o profissional a uma vigilância aos temas situados no cotidiano do exercício profissional.
A exemplo de “A excêntrica família de Antonia”, o projeto profissional do serviço social tem referência que além de agentes profissionais no interior das políticas sociais, são agentes civis e requisitados no cotidiano ao exercício cívico. Nesse aspecto, não fechar os olhos a situações que não tem institucionalidade para o enfrentamento no plano legal é um dos desafios que remete as assistentes sociais a situações complexas de sigilo profissional. O limite entre a omissão e a transgressão legal desafia os profissionais no cotidiano.
Se o pressuposto é que a ética se faz no cotidiano, é necessário se pensar sobre o mesmo, principalmente porque esse tem sido um dos temas bastante valorizados no contexto do racionalismo limitado ou do irracionalismo, no formato que adquire na conjuntura atual, inclusive e principalmente no debate acadêmico (NETTO, 2000: 64-65). Na tradição marxiana, o cotidiano é uma categoria ontológica, mas o seu entendimento em bases ontológicas exige a supressão do senso comum, caracterizador dele mesmo. Dadas características de heterogeneidade, imediaticidade e superficialidade extensiva que o cotidiano apresenta em si, a sua natureza insuprimível, não garante necessariamente seu entendimento em bases históricas, o que nesse pressuposto é essencial. Na explicação dos autores referenciados, a vivência cotidiana leva o indivíduo a uma atuação que não separa pensamento e ação. Isso opera no âmbito da singularidade e não garante a consciência humano-genérica. É na mediação entre o singular e o humano genérico que residem possibilidades de superação da heterogeneidade e geração de condições para que o indivíduo tenha acesso à consciência humano-genérica.
Gerar através do exercício profissional condições para as mulheres poderem explicitar que foram vítimas de estupro, tanto no âmbito da saúde com os cuidados preventivos para não engravidar e contrair vírus como o da síndrome de insuficiência imunológica, apoio psicológico para que com o tempo possa superar os traumas adquiridos e, caso seja sua vontade, acessar os mecanismos judiciais para que o agressor seja punido judicialmente, são desafios e necessidades dos assistentes sociais no cotidiano.
A frase “caso seja sua vontade” necessita esclarecimentos, uma vez que há nuanças que remetem a ética e conseqüentemente ao direito. Ocorre que nas situações com adultos, quem deve decidir se recorrerá ou não judicialmente é a vitima. Mesmo nos casos de registro na saúde para efeito de contagem epidemiológica, os registros são feitos em sigilo, sem a identificação da vítima. Nos serviços de atenção à mulher em violência, é defendido pelas feministas, entre estas, assistentes sociais, que a escuta profissional deve garantir o sigilo. Cabe a mulher que é adulta, decidir os passos que dará para sair da situação de violência. Isso se difere para crianças e adolescentes, que, dada sua condição de imputabilidade, ou seja, não é considerada inteiramente responsável pelo discernimento dos seus atos, com previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente
[3], o adulto que souber da violência tem a obrigação de denunciar e tomar providências para retirá-la do sofrimento, possibilitando que viva em condições saudáveis física e psicologicamente.
Neste sentido a ética cotidiana pode se transformar em pista contributiva com o combate a impunidade, fenômeno às vezes aceito culturalmente, dos quais as instituições são partícipes e os profissionais sujeitos agentes no interior das mesmas.
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ARDAILLON, D. & DEBERT. G. G. Quando a vítima é mulher: análise de julgamentos de crimes de estupro, espancamento e homicídio. Brasília: Comissão de Combate à Violência, Centro de Estudos e Documentação para Ação Comunitária. Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, 1987.
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[1] Este texto em formato inicial foi apresentado como exigência da disciplina Ética e Serviço Social, ministrada pela Profa. Dra. Maria Lúcia Barroco do Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social, PUC-SP, em agosto de 2006 e publicado na pagina do Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social
www.cpihts.com ( Estudos & Documentos ) em Novembro de 2008.
[2] O capítulo VI do Código Penal refere-se aos Crimes Contra os Costumes e não aos crimes contra a pessoa. No capítulo I: Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual, encontram-se os Artigos 213: Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça; e Artigo 214: Constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Nas disposições Gerais do mesmo capítulo, os artigos: 223: Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave; e 224: presume-se a violência se a vítima: a) não é maior de 14 anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. (CODIGO PENAL, 2001). O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) – essa modificada recentemente - complementam o Código Penal.
[3] Esse é o polêmico tema que remete a redução ou não da idade penal.