Abandono de Bebés nas
Maternidades
Disfarçado por falsas identidades
Segundo o Semanário Sol de 3 de Dezembro de 2006,
" Em várias regiões da Alemanha, existem, há seis anos, berços para recolha de bebés abandonados por mães desesperadas, que têm suscitado controvérsia por funcionarem sob o anonimato, apesar de salvarem vidas.
São compartimentos envidraçados com uma porta de acesso pelo lado exterior de um edifício, normalmente um hospital ou uma instituição de beneficência, onde, depois de soado um alarme, o pessoal de enfermagem recolhe o bebé.
Pouco depois de receber os primeiros cuidados médicos, o Estado atribui uma tutela ao menor, que fica entregue a uma família previamente seleccionada a té à sua adopção ou até voltar para os braços da mãe, se ela, entretanto, tiver mudado de ideias e se as suas condições de vida já o permitirem.
O modelo, baseado no acolhimento aos enjeitados nos hospitais dos expostos das Misericórdias, existentes nos países católicos do Sul da Europa entre os séculos XVI e XIX, serviu de inspiração ao Hospital Jikei, no Sul do Japão, que recentemente anunciou a intenção de instalar um berçário para bebés indesejados pelas mães com vista à sua adopção.
«Em Portugal, não é incentivado o abandono, que, aliás, pode ser punido criminalmente», afirmou, em declarações à Agência Lusa, Joana Marques Vidal, procuradora-geral adjunta, que durante muitos anos exerceu funções em tribunais de família e menores.
A magistrada acrescentou que mesmo a entrega para adopção é, de acordo com lei, «assumida como um acto de amor».
«As mães, na prática, podem deixar as crianças na maternidade e irem-se embora mas as leis estão construídas no sentido de os pais serem responsabiliza dos pelos filhos», frisou.
Na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, que há vários anos tem um berçário para bebés de risco - incluindo os que são rejeitados pelas mães - foram abandonados, nos últimos cinco anos, 18 recém-nascidos, a maioria por parte de mães toxicodependentes que saíram do internamento sem alta clínica.
Nestes casos, segundo Fátima Xarepe, coordenadora do Serviço Social da Maternidade Alfredo da Costa, a maior do País, com uma média de mais de 6.000 partos anuais, as parturientes, que são obrigadas a identificar-se, «dão nomes e m oradas falsos».
Rosa Areias, que dirige o Serviço Social da Maternidade Júlio Dinis, no Porto, contou, a este propósito, que uma das últimas situações de abandono ocorreu em 1997, quando uma jovem de 23 anos deixou o filho na enfermaria, depois de ter dito às outras mães que ia à casa de banho.
«Veio a descobrir-se depois que a morada que tinha dado correspondia às traseiras de um cemitério», relatou.
No Hospital de São João, também no Porto, o abandono de recém-nascidos «é raríssimo», de acordo com o director do Serviço de Obstetrícia da unidade, Nuno Montenegro.
«Nos últimos 15 anos apareceram um ou dois casos», precisou.
Nos casos de abandono, a legislação refere que cabe às comissões de protecção de menores ou aos tribunais de família accionar as medidas imediatas de p rotecção do bebé, que, em regra, passam pelo acolhimento temporário em instituições sociais, até à sua adopção ou restituição à família de origem, caso sejam en contrados os pais biológicos e estes tenham condições para os criar.
Nas circunstâncias em que a mãe manifesta vontade de entregar o filho para adopção, antes ou após o parto, terá de registá-lo e dar o seu consentimento formal em tribunal para que este possa desencadear o processo.
Em contrapartida, nas situações de abandono, o registo da criança, obrigatório, será feito pela maternidade, hospital ou instituição à qual foi confiada a sua guarda.
O abandono é considerado, por lei, crime punível com prisão quando o be bé é exposto a uma situação da qual, por si só, não se pode defender.
Para Joana Marques Vidal, este princípio aplica-se notoriamente aos aba ndonos na via pública, o mesmo já não sucede com os que ocorrem num hospital ou maternidade, uma vez que, nestes casos, os recém-nascidos são, à partida, «imediatamente assistidos».
Em Portugal, não existem estatísticas disponíveis sobre as taxas de aba ndono e infanticídio de bebés mas, ainda esta semana, um recém-nascido foi encon trado com vida num saco térmico numa rua em Alfragide, Amadora, com cordão umbilical e placenta.
Durante três séculos, Portugal, à semelhança de Espanha, França e Itália, permitiu a recolha anónima de bebés abandonados.
Nas Casas da Roda, criadas em meados do século XVI como valências dos hospitais dos expostos das misericórdias, eram acolhidos os recém-nascidos abandonados pelos pais, geralmente pobres, que não tinham condições para os criar e os confiavam à instituição, que lhes dava garantias de os saber cuidar.
Os bebés eram depositados num compartimento giratório, que permitia aos pais deixarem as crianças sem serem vistos. A um toque de uma sineta, a rodeira , funcionária da Misericórdia que dava os primeiros cuidados, recolhia o menor.
Com os bebés, que posteriormente eram registados ou baptizados, seguiam os «sinais», pequenos bilhetes, fitas, gravuras, medalhas, moedas ou outros objectos que permitiam identificar a criança em caso de vir a ser recuperada pelos pais, o que não sucedia na maioria dos casos devido à morte do bebé, por doença, ou ao não aparecimento dos progenitores.
As «rodas dos expostos», cujo objectivo era acabar com os abandonos e infanticídios, foram abolidas em 1870, ao serem substituídas por políticas de apoio ao aleitamento materno.
As vozes mais críticas da época defendiam que o sistema teve o efeito perverso de aumentar os abandonos de bebés, já que facilitava a sua entrega pelos pais."
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