Um estudo de Catarina Moreira
Índice
Ponto de Partida 3
Capítulo I. Sexo e Género 7
Elementos para uma Definição 7
A Ideologia de Género: da diferença anatómica à desigualdade 13
Capítulo II. A Experiência do Envelhecimento 17
Velhice/Terceira-Idade: uma construção social? 17
Velhice Vs. Terceira-Idade 20
Envelhecimento Activo 23
“Da Vida... à Qualidade de Vida” 25
Capítulo III. Envelhecimento e Sexualidade 28
A Matriz Social Inibidora 28
Contrariando o Mito 31
Capítulo IV. O Complexo Domínio da Sexualidade 34
Capítulo V. Sexualidade Feminina na Terceira-Idade 43
O Duplo Padrão de Envelhecimento 46
Fenómenos Demográficos e Rigidez de Papéis Sexuais 48
Capítulo VI. Algumas Considerações 51
Referências Bibliográficas 60
Anexos
Entrevista à Médica Ginecologista 65
Entrevista à Dona Filipa 72
Ponto de Partida
Nas sociedades ocidentais verifica-se actualmente um acentuado envelhecimento demográfico resultante quer do aumento da esperança média de vida – em virtude dos avanços científico/tecnológicos na área das ciências da saúde e da melhoria da dieta alimentar – quer da redução da fecundidade. Portugal não foge a esta tendência; a população portuguesa com mais de 65 anos mais que duplicou nos últimos 40 anos. Os dados resultantes do último Censos à população (2001) apontam para uma superioridade numérica das pessoas mais velhas comparativamente aos jovens. De facto, desde 1995 que o número de mulheres velhas é superior ao número de mulheres jovens. Em 2001/2002 o INE fixou a esperança média de vida para as mulheres nos 80,6 anos e para os homens nos 73,7 anos; em 2002 o número de velha(o)s em Portugal (mais de 65 anos) era superior a um milhão e meio (1, 708, 6) e correspondia a 16,5% da população total (INE, 2002). De salientar que no início do século XX a esperança média de vida das mulheres fixava-se nos 45 anos.
As mulheres tendem a viver, em média, cerca de 8 anos a mais que os homens e, por conseguinte, constituem a maioria da população na terceira-idade, não só em Portugal, mas em todo o mundo. Como resultado desta revolução demográfica ganham cada vez mais relevo e pertinência os trabalhos dedicados à população “sénior”, mas particularmente à população feminina uma vez que são as mulheres que apresentam uma maior incidência na terceira-idade e são elas, enquanto grupo social, que estão mais fortemente expostas ao fenómeno da pobreza (“feminização da pobreza”) e da exclusão social.
Apesar da superioridade numérica da população pertencente à terceira-idade, o seu poder, enquanto grupo social, é reduzido, sobretudo no caso das mulheres. A produção académica e a profusão de estudos dirigidos a esta população começam agora a dar os primeiros passos em Portugal, mas este “voluntarismo” ainda permanece avesso em debruçar-se sobre a sexualidade da(o)s mais velha(o)s. Portanto, este pequeno ensaio, digamos assim, pretende dar os primeiros passos para suprir esta lacuna. No entanto, não é a sexualidade das pessoas mais velhas em sentido lato que será objecto de estudo, mas somente a sexualidade feminina.
Entendo que o estudo da sexualidade feminina na velhice/terceira-idade em âmbito sociológico é um fecundo campo de análise na medida em que, se a sexualidade da população idosa está imersa em mitos e tabus que tendem a coagir o desejo e a sua realização, acredito que a sexualidade feminina é muito mais constrangida que a masculina. No caso das mulheres acredito que são, sobretudo, ditames sociais, e não impedimento físicos e/ou bloqueios emocionais, que subjazem ao celibato nesta fase da vida.
Nos últimos meses, ventos de mudança na sociedade portuguesa parecem querer contrapor um cenário de negligência por uma mais ampla visibilidade social relativamente às questões do envelhecimento feminino e da sexualidade feminina na terceira-idade. De facto, o iniciar deste trabalho foi acompanhado pela emergência de uma arrojada campanha publicitária, a Campanha Global Dove por Beleza Real, cujo móbil é o de alertar as sociedades de todo o mundo para o modo como os padrões de beleza feminina têm sido definidos de um modo limitado e discriminatório, não raras vezes mediante o uso de estereótipos. Um dos slogans da campanha é o de que: “será que a sociedade algum dia vai aceitar que a velhice pode ser sinónimo de beleza?” (http://www.campanhaporbelezareal.com.pt/). Parece-me igualmente pertinente referir a estreia em Portugal de um filme inglês, “A Mãe” (The Mother), do realizador Roger Michell e do escritor e argumentista Hanif Kureishi, cujo argumento evoca a questão (e a existência) da sexualidade feminina na terceira-idade. Neste filme uma mulher de 60 anos, May, envolve-se, depois da morte do marido e depois de décadas de uma vida conjugal monótona, com um homem de 30 anos, Darren, amante da sua filha mais velha e pardacenta. A oferta cultural em termos de material evocativo em defesa de uma sexualidade feminina na terceira-idade intensificou-se em Fevereiro/Março com um ciclo de cinema promovido pela associação cultural Abril em Maio precisamente sobre a sexualidade na velhice/terceira-idade. Começa-se assim a reconhecer a possibilidade de as mulheres mais velhas poderem assumir-se enquanto sujeitos sexuais activos na procura de uma concepção de felicidade que também inclui a dimensão sexual.
Numa primeira fase, este trabalho procede a uma discussão teórica dos conceitos de sexo e género inscrevendo-a no seio de uma tendência mais lata iniciada nos anos 70 no âmbito das Ciências Sociais, e fortemente impulsionada pelo movimento feminista (I Capítulo). Esta discussão torna-se necessária uma vez que uma das ideias chave deste trabalho é a de que: os papéis de género, assumidos ao longo da vida, influenciam e modelam a natureza e a qualidade da experiência do envelhecimento e da sexualidade na terceira-idade. Atravessando esta ideia está indubitavelmente a discussão entre biologia e cultura. De salientar desde já que, neste trabalho, se parte do entendimento de que o biológico e o cultural se influenciam mutuamente e que o corpo deve ser entendido como produto de contextos históricos, culturais e sociais específicos e não como uma entidade física universal (Lock, 1993: 134). Assim sendo, torna-se necessário compreender a experiência do envelhecimento e da sexualidade, e a sua respectiva intersecção, atendendo ao contexto histórico, social e cultural específico.
Num segundo momento, procura-se esboçar uma definição de “ser velha(o)” face ao contexto actual das sociedades ocidentais caracterizadas por várias tendências: apologia da juventude, culto do corpo belo e magro, “prolongamento artificial da meia-idade”; tendências estas que tendem a fragilizar os corpos envelhecidos. Essa definição é encontrada em virtude da distinção entre velhice e terceira-idade (II Capítulo). Após o esmiuçar do que a sociedade define como velha(o) dá-se conta do modo como essa mesma sociedade nega e/ou constrange a manifestação de uma sexualidade “activa” ou de uma libido activa por parte da(o)s mais velha(o)s. Vigora ainda, nas sociedades ocidentais, o mito da assexualidade das gerações mais velhas. Porém, este mito está actualmente a ser contrariado com as descobertas efectivadas no domínio da medicina e da indústria farmacêutica (III Capítulo).
No IV Capítulo procede-se a uma breve síntese acerca do modo como a sexualidade feminina tem sido, no tempo e no espaço, culturalmente construída, elevando-se então a ideia da mulher como prisioneira do seu corpo. Em seguida, incide-se novamente sobre as tendências das sociedades ocidentais culturais (valorização da juventude, da beleza e do prazer) e do modo como são particularmente gravosas para as mulheres a partir da meia-idade, ao serem portadoras, de acordo com algumas pensadoras feministas como Susan Sontag e Simone de Beauvoir, de preconceitos sociais que poderemos definir como sexistas e “velhistas”. Discorre-se ainda sobre o modo como as recentes tendências demográficas (maior esperança média de vida das mulheres), aliadas aos preconceitos sociais, limitam e frustram muito mais a sexualidade feminina na terceira-idade do que a masculina. As mulheres estão assim em desvantagem relativamente aos homens perante a possibilidade de encontrar oportunidades para a expressão sexual nos últimos anos das suas vidas (V Capítulo).
Por último tecem-se as considerações, aprofundam-se as ideias julgadas pertinentes para um futuro projecto de investigação na área da sexualidade feminina na terceira-idade (VI Capítulo).
Em anexo inclui-se a transcrição de duas entrevistas efectuadas no âmbito deste trabalho: uma entrevista a uma médica ginecologista e uma entrevista a Filipa (nome fictício), de 72 anos. Com a entrevista à médica ginecologista pretendeu-se apurar qual o entendimento de uma profissional da medicina face à sexualidade das mulheres mais velhas, concretamente se se verifica nesta idade um menor declínio da actividade sexual e se esse declínio é resultante de factores biológicos, sociais ou psicológicos. Relativamente à outra entrevista convidei Filipa a divagar sobre questões relacionadas com o envelhecimento e com a viuvez.
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