Entrevista a Luis Moita e Manuel Braga da Cruz
Luís Moita: A interrupção voluntária da gravidez nunca pode ser uma solução de facilidade
Luís Moita e Manuel Braga da Cruz cruzam-se em militâncias católico-progressistas no início dos anos 70. Hoje, Braga da Cruz é reitor da Universidade Católica, cuja forma de criação constituiu a causa próxima do abandono do sacerdócio por Luís Moita, vice-reitor da Universidade Autónoma de Lisboa.
Luís Moita e Manuel Braga da Cruz cruzam-se em militâncias católico-progressistas no início dos anos 70. Hoje, Braga da Cruz é reitor da Universidade Católica, cuja forma de criação constituiu a causa próxima do abandono do sacerdócio por Luís Moita, vice-reitor da Universidade Autónoma de Lisboa.
Por Adelino Gomes
Professor de Teologia Moral, no Seminário dos Olivais, em 1971, Luís Moita reage à intenção do cardeal Cerejeira de transferir os seminaristas para a Universidade Católica, em fase de arranque. A medida inviabiliza o projecto formativo de um novo tipo de padre, em que se empenha. Abandona o sacerdócio, com vários outros, pondo termo ao primeiro de três grandes ciclos da sua vida - o da Religião.
Professor de Teologia Moral, no Seminário dos Olivais, em 1971, Luís Moita reage à intenção do cardeal Cerejeira de transferir os seminaristas para a Universidade Católica, em fase de arranque. A medida inviabiliza o projecto formativo de um novo tipo de padre, em que se empenha. Abandona o sacerdócio, com vários outros, pondo termo ao primeiro de três grandes ciclos da sua vida - o da Religião.
Segue-se o da Política - antes do 25 de Abril, em que chega a ser encarcerado em Caxias; e ao longo do PREC, no qual se envolve na defesa de causas e de projectos em áreas da esquerda revolucionária.
A partir dos anos 80, mantém-se crente (ainda que afastado da Igreja), continua activo politicamente (ainda que sem partido), mas mergulha num novo ciclo - o da Universidade.
De cada um deles, recolheu inspiração e experiências que lhe fundamentam a sua opção pública sobre o próximo referendo.
Os valores, mesmo aqueles que parecem absolutos, são sempre relativos, nota: pode matar-se em legítima defesa e legitimar-se como justas certas guerras; a pena de morte ainda hoje é adoptada "em duas grandes civilizações".
Revê-se na posição que tomou há 22 anos, num artigo no Expresso: mesmo alguém que, em sua consciência, seja contra o aborto, pode votar a favor da lei. "É errado este deslizar do problema para a zona da consciência. Tem a ver mais com o direito penal e a saúde pública. Não há, na sociedade portuguesa, um consenso ético em relação a este direito. O importante é que a lei não obrigue ninguém a violentar a sua consciência. Nem imponha à sociedade a perspectiva ética de alguns."
Um último argumento, mais da ordem do senso comum, ouviu-o de uma amiga, oriunda, como ele, da tradição católica: "Nunca vi fazer-se um funeral de um feto ou tratá-lo como se de pessoa humana se tratasse. Em boa verdade, até ia para o lixo." A razão parece-lhe óbvia: "Não o consideram ainda um ser humano."
Apesar destas convicções, sublinha que o aborto nunca pode ser uma solução de facilidade: "Defendo, nesta matéria, uma postura de grande exigência ética."
Oriundo de uma família tradicional, fascinou-se, juntamente com outros católicos, pela ideia da "substituição do regime autoritário por um regime democrático e de que não havia saída para o problema ultramarino que não fosse através de uma negociação e da paz". Vários deles confluiriam no MES, donde Manuel Braga da Cruz saiu a seguir ao 1º Maio de 1975.
A esta componente biográfica não será alheia a forma como argumenta que a defesa de uma posição que contraria "a facilitação do aborto" - como chama às consequências de uma eventual vitória do "sim" - "longe de ser uma posição conservadora, é uma posição progressista". Em Portugal, "estamos a precisar urgentemente de políticas de apoio à natalidade, à fertilidade, à maternidade, à família. Estas coisas soavam, há 20 anos, a políticas conservadoras. Hoje, curiosamente, são muitas vezes forças políticas progressistas, até de esquerda, que reivindicam como bandeiras estes objectivos, cada vez mais partilhados nas sociedades ocidentais, face ao crescimento zero do ponto de vista demográfico".
A esta componente biográfica não será alheia a forma como argumenta que a defesa de uma posição que contraria "a facilitação do aborto" - como chama às consequências de uma eventual vitória do "sim" - "longe de ser uma posição conservadora, é uma posição progressista". Em Portugal, "estamos a precisar urgentemente de políticas de apoio à natalidade, à fertilidade, à maternidade, à família. Estas coisas soavam, há 20 anos, a políticas conservadoras. Hoje, curiosamente, são muitas vezes forças políticas progressistas, até de esquerda, que reivindicam como bandeiras estes objectivos, cada vez mais partilhados nas sociedades ocidentais, face ao crescimento zero do ponto de vista demográfico".
A legalização, diz, não diminuirá o número de abortos, nem eliminará a clandestinidade, nem acabará, sequer, com a humilhação da mulher: "Mesmo que legal, o aborto vai continuar a ser alguma coisa de que a mulher vai sentir drama de consciência." "Muito sensível" à punição de quem aborta, acha que é possível manter a penalização "sem a associar à prisão. Há muitas formas de pedir a compensação a quem viola um valor da sociedade".
Admite a pertinência do exemplo aqui apresentado por Luís Moita e acrescenta-lhe até outro: "Não é por acaso que contamos os anos de vida a partir do nascimento." Observa, contudo: "São convenções sociais. Não tenho dúvida que estamos perante vida humana." Por isso, é contra o aborto. Em quaisquer circunstâncias, mesmo as previstas na actual lei.
Não arrisca um prognóstico sobre o resultado do referendo. "Estamos perante clivagens culturais e morais e não perante opiniões políticas. Há muita gente que se sente incomodada a ter que definir-se." E quando isto acontece, "é meio caminho para a abstenção".
Público Domingo, 28 de Janeiro de 2007
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