Um Serviço Social Comprometido com a Igualdade
Conferência Inaugural no Congresso Mundial de Escolas de Serviço Social
em Santiago do Chile, 28/31 de agosto de 2006
Conferência Inaugural no Congresso Mundial de Escolas de Serviço Social
em Santiago do Chile, 28/31 de agosto de 2006
O nosso Querido colega e amigo, José Paulo Netto, Professor Doutor em Serviço Social, docente da Universidade Ferederal de Rio de Janeiro e do ISSSL, participou na sessão inaugural da 33ª Conferência Mundial de Escolas de Serviço Social com a brilhante conferência A ordem Social Contemporânea é o Desafio Central.
Deixamos aquí alguns extractos da célebre conferência como testemunho do debate internacional que ela inicou no universo planetário do Serviço Social, prometendo publicar na integra esta extensa comunicação que marcará o debate contemporâneo em Serviço Social.
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O tema desta 33ª Conferência Mundial de Escolas de Serviço Social – Crescimento e desigualdade. Cenários e desafios do Serviço Social no século XXI – não poderia ser mais pertinente e sinto-me honrado pelo convite para dela participar, oferecendo aos colegas aqui reunidos um conjunto de reflexões que não pretendem ser mais que hipóteses de trabalho, subsídios para que enfrentemos os desafios que nos são postos como docentes, profissionais e cidadãos.
O tema é pertinente, porque a chamada questão social, espaço em que a desigualdade se expressa com evidência flagrante e do qual se irradiam as problemáticas centrais de que se ocupa o Serviço Social, apresenta-se exponenciada na entrada do século XXI. As palavras de um especialista, no apagar das luzes da última década, sinalizam adequadamente o quadro mundial de desigualdade em que nos movemos:
O tema desta 33ª Conferência Mundial de Escolas de Serviço Social – Crescimento e desigualdade. Cenários e desafios do Serviço Social no século XXI – não poderia ser mais pertinente e sinto-me honrado pelo convite para dela participar, oferecendo aos colegas aqui reunidos um conjunto de reflexões que não pretendem ser mais que hipóteses de trabalho, subsídios para que enfrentemos os desafios que nos são postos como docentes, profissionais e cidadãos.
O tema é pertinente, porque a chamada questão social, espaço em que a desigualdade se expressa com evidência flagrante e do qual se irradiam as problemáticas centrais de que se ocupa o Serviço Social, apresenta-se exponenciada na entrada do século XXI. As palavras de um especialista, no apagar das luzes da última década, sinalizam adequadamente o quadro mundial de desigualdade em que nos movemos:
“Os países ricos, que representam apenas 15% da população mundial, controlam mais de 80% do rendimento global, sendo que aqueles do hemisfério sul, com 58% dos habitantes da Terra, não chegam a 5% da renda total. Considerada, porém, a população mundial em seu conjunto, os números do apartheid global se estampam com maior clareza: os 20% mais pobres dispõem apenas de 0,5% do rendimento mundial, enquanto os mais ricos, de 79%. Basta para isso pensar que um único banco de investimento, o Goldman Sachs, divide anualmente o lucro de US$ 2,5 bilhões entre 161 pessoas, enquanto um país africano, como a Tanzânia, com um PIB de apenas US$ 2,2 bilhões, tem de sustentar 25 milhões de habitantes. A concentração [de riqueza] chegou ao ponto de o patrimônio conjunto dos raros 447 bilionários que há no mundo ser equivalente à renda somada da metade mais pobre da população mundial — cerca de 2,8 bilhões de pessoas”.[1]
[1] A. F. Mello, Marx e a globalização. S. Paulo, Boitempo, 1999, p. 260. Itálicos não constam do original; suprimi as fontes citadas pelo autor.
[1] A. F. Mello, Marx e a globalização. S. Paulo, Boitempo, 1999, p. 260. Itálicos não constam do original; suprimi as fontes citadas pelo autor.
(...)
Na atualidade, o universo do Serviço Social latino-americano (e certamente não apenas ele) envolve concepções profissionais muito distintas. Trata-se de um universo plural, onde se registram formas diferentes de conceber o Serviço Social, seus fundamentos, seus objetivos, suas funções e práticas etc.
Para muitos profissionais, nostálgicos de um idílico tempo de unanimidades amorfas, esta diferenciação factual constitui um problema; a meu juízo, ao contrário, é índice das potencialidades do Serviço Social, demonstração inequívoca da sintonia da profissão com os conflitos, as tensões e as contradições que dinamizam as diversas sociedades latino-americanas. Evidentemente, não considero que as várias vertentes profissionais que registramos entre nós tenham o mesmo valor e o mesmo significado social – afinal, aqui coexistem configurações profissionais extremamente conservadoras (quando não reacionárias) e correntes marcadas por um esquerdismo romântico-utópico. Mas estou convencido de que esta diversidade, ademais de propiciar a riqueza que pode advir do embate de idéias, expressa, sobretudo, a diferencialidade dos projetos societários que, dando forma aos interesses contraditórios das classes sociais em presença, confrontam-se em nosso subcontinente[1].
A instauração do pluralismo no universo profissional latino-americano tem muito a ver com o processo de renovação surgido há quarenta anos e a que, genericamente, designa-se como Movimento de Reconceituação do Serviço Social[2]. Heterogêneo e diferenciado, esse processo de renovação rompeu com o histórico conservadorismo do Serviço Social instaurado no subcontinente. Nas suas várias correntes, a Reconceituação criticou a pseudo-neutralidade político-ideológica do Serviço Social tradicional que tinha vigência entre nós, denunciou a debilidade teórica dos seus fundamentos e demonstrou a extrema limitação dos efeitos/impactos da sua intervenção.
Em meados dos anos setenta, com a generalização de regimes ditatoriais no Cone Sul, aquele processo teve inviabilizado o seu desenvolvimento[3]. Mas o seu legado não se perdeu: nos finais da década de setenta e nos anos oitenta, a ação do Centro Latino-Americano de Serviço Social (CELATS)[4] e o apoio da Associação Latino-Americana de Escolas de Serviço Social (ALAETS) permitiram o resgate daquela preciosa herança que, na seqüência de análises e revisões, estimulou a consolidação de uma expressiva vertente crítica no universo profissional[5]. Esta vertente crítica é hoje constitutiva do diversificado espectro do Serviço Social latino-americano, encontrando manifestações em praticamente todos os países do subcontinente.
No Brasil, desde a década passada tal vertente consolidou a sua hegemonia no debate acadêmico, graças ao esforço de elaboração teórica de um largo elenco de autores (6) e aos estímulos oferecidos pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS)[7]. E não só: sua influência marcante se faz sentir no sistema institucional que fiscaliza o exercício profissional, organizado na articulação entre o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e os Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS)[8]- e o exercício profissional, regulado por Lei Federal, é parametrado por um Código de Ética Profissional de caráter imperativo.
O exame dos “princípios fundamentais” deste Código de Ética Profissional[9] deixa explícito que a concepção de Serviço Social nele sustentada tem um compromisso essencial e basilar: o compromisso com a igualdade social – entendida não como a equalização homogeneizadora dos indivíduos, mas como a única condição capaz de propiciar a todos e a cada um dos indivíduos sociais os supostos para o seu livre desenvolvimento. Na ótica deste Código, um tal desenvolvimento permite o florescimento das diferenças e das peculiaridades constitutivas da individualidade social, porque a igualdade opõe-se à desigualdade, nunca à diferença; de fato, à diferença o que se opõe é a indiferença. Precisamente para que os indivíduos sociais se desenvolvam explicitando as suas autênticas diferenças é que se torna imprescindível a igualdade social.
É no marco desse Serviço Social comprometido com a igualdade e legatário da Reconceituação que se inscreve a minha argumentação. Mas esta concepção de profissão não se funda apenas em motivações éticas: ela se legitima na exata medida em que se contrapõe frontalmente ao reino das desigualdades. É nele que vivemos, no Brasil e na América Latina.
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