As entidades do Serviço Social Brasileiro
na defesa da formação profissional e do projeto ético-político
RESUMO
O objetivo deste texto é trazer elementos para o debate sobre a formação profissional no contexto da contrarreforma da educação superior no Brasil e suas implicações para o Projeto Ético-Político do Serviço Social. Será explicitado como se tem evidenciado a lógica quantitativa em detrimento da qualidade do ensino. Retomam-se os princípios formativos que orientam a formação profissional em Serviço Social, ressaltando as Diretrizes Gerais da Abepss (1996). Por fim, busca-se resgatar as lutas e estratégias de enfrentamento construídas democraticamente e incorporadas pelas entidades organizativas do Serviço Social brasileiro a fim de ampliar este debate e reafirmar a defesa do projeto profissional.
Palavras-chaves: Educação superior. Formação profissional. Serviço Social.
ABSTRACT
The aim of this paper is to bring elements to the debate on professional training in the context of the counter-reform of higher education in Brazil and its implications for the ethical-political social work project. It will be explained as the quantitative logic has been made evident at the expense of the quality of education. We resume the principles that guide the professional training in social work, highlighting the Abepss General Guidelines (1996). Finally, we try to rescue the struggles and coping strategies democratically constructed and incorporated by organizing entities of the Brazilian Social Service to extend this debate and reassure the defense of the professional project.
Keywords: Higher Education. Vocational Training. Social Work.
Introdução
O objetivo do texto é trazer elementos para o debate sobre a formação profissional no contexto da contrarreforma da educação superior no Brasil e suas implicações para o Projeto Ético-Político do Serviço Social, uma vez que a formação se constitui como um de seus pilares. Diante deste propósito, a partir de dados do desenvolvimento da política de educação superior nos últimos anos, será explicitado como tem se evidenciado a lógica quantitativa em detrimento da qualidade do ensino. Nesse bojo, o crescimento da modalidade do ensino a distância como uma das marcas mais evidentes da precarização, mercantilização e negação da educação como um direito, apontando, assim, numa perspectiva crítico analítica, o seu claro declínio como política pública brasileira.
Em contraponto a essa direção de adestramento, retoma-se também neste artigo os princípios formativos que orientam a formação profissional em Serviço Social, ressaltando as Diretrizes Gerais da Abepss (1996), afirmando a incompatibilidade entre o ensino a distância e a formação profissional.
Por fim, busca-se resgatar as lutas e estratégias de enfrentamento construídas democraticamente e incorporadas pelas entidades organizativas do Serviço Social brasileiro, a fim de ampliar esse debate e reafirmar a defesa do projeto profissional.
O Serviço Social brasileiro, desde o chamado "Congresso da Virada" (1979), tem na formação profissional uma das suas prioridades, seja na sua dimensão acadêmica (com o crescimento das pesquisas e pós-graduação), seja na suas dimensões político-organizativas (por meio do debate profícuo e ações de suas entidades organizativas). Tal preocupação se explicita de modo sistematizado no processo de formulação, aprovação e posterior implantação das Diretrizes Gerais da Abepss (1996).
Entretanto, após esse rico processo coletivo de definição do Projeto de Formação Profissional, já se começa a conviver com as medidas deletérias do Estado neoliberal, assolando o campo das políticas sociais de forma generalizada, incluindo nesse processo de perdas sociais a educação.
É importante ressaltar que nas lutas e conquistas da classe trabalhadora a educação sempre esteve presente como uma das prioridades, pois ainda que de forma contraditória, por meio dela assegura-se, via de regra, a inserção no mercado de trabalho (condição fundamental à sobrevivência da classe), o que ressalta a sua dimensão econômica, bem como a disputa por projetos de sociedade pela via da ampliação de conhecimentos e construção de formas de sociabilidade, da vivência coletiva e da cultura, ou seja, sua dimensão ético-política.
Em países de economia dependente, com inserção capitalista desigual e combinada como o Brasil, os efeitos da opção político-econômica neoliberal se dá pela via de acordos internacionais de ajustes, manutenção e controle da política monetária, com foco no controle inflacionário e dinamização das exportações de commodities, bem como na abertura avassaladora para o capital estrangeiro, agora adentrando no país não só pela industrialização e setor agrícola (mecanismo já presente desde o século passado com o desenvolvimentismo), mas se espraia por setores abertos à economia de mercado, como os serviços (Behring, 2003; Fontes, 2010).
Não é recente este debate no Serviço Social brasileiro, mas é sempre importante não perder de vista que a simples aparência de um fenômeno não revela o seu real. É preciso captar a sua essência. No caso da contrarreforma do ensino superior, o rigor na análise da questão em sua totalidade nos permite uma apropriação necessária do processo, que imediatamente toca na vida de milhares de jovens e trabalhadores que depositam na educação uma forma de ampliação de seus horizontes sociais e econômicos, buscando a suposta inserção no mercado de trabalho.
Estas reflexões se fazem necessárias mediante o forte apelo que avança no imaginário popular em se tratando do acesso ao ensino superior no Brasil, que chega nessa última década sob a roupagem da "democratização", sob forte viés populista do governo, a fim de atingir em especial as camadas mais populares, que na ausência da educação superior como um direito, passam a adquiri-la sob a forma de mercadoria, como indica a tese do cidadão consumidor, tão bem difundida por Mota (2005).
Nesse cenário mundial de crise do capital, o interesse em manter e ampliar as taxas de lucratividade do setor produtivo nos permite observar forte investimento ideológico na criação de consenso para o exército de reserva, internalizando nessa massa de trabalhadores o discurso da qualificação como via de inserção no mercado (já que o mesmo, com a reestruturação produtiva, não absorve todo o contingente em idade produtiva). Nesse sentido, o apelo ao "capital humano" emerge para de fato responsabilizar o indivíduo e justificar o desemprego e o subemprego como uma questão individual.
Essa lógica resguarda ainda outra face perversa: a necessidade de se manter na escala mundial um certo "equilíbrio" do custo do trabalho, na medida em que se estabelece, em países como o Brasil, uma elevação dos custos da força de trabalho pela via da ampliação da escolarização, para resguardar a concorrência com outros países exportadores e assim proteger os mercados internos de países centrais. Ainda que seja para o aproveitamento de trabalhadores em funções subalternas e menos complexas, com a exigência de diplomas ou certificações incompatíveis com a função e os salários (cursos técnicos).
Nessa esteira, as "metas do milênio" se materializam por meio do cumprimento de acordos do Banco Mundial, que indicam a necessidade de inserção de 30 milhões de jovens e adultos no ensino superior nos próximos anos (num horizonte atual que se aproxima de 12 milhões). Ou seja, a "demo-cratização do ensino superior no Brasil" se revela como uma falácia.
Esses elementos introdutórios servem para trazer a gravidade do processo de precarização do ensino superior em curso, no qual será destacada a modalidade do Ensino a Distância (EAD) no Brasil. Com certeza, o sucateamento das universidades públicas e a proliferação dos cursos privados são amplamente debatidos e combatidos pela categoria profissional historicamente. A defesa do ensino de qualidade, público, laico, referenciado se faz presente desde a formulação do projeto de formação profissional da década de 1990.
Mas cabe demarcar que objetivamente tem-se encontrado acadêmica e empiricamente no EAD uma das faces mais acentuadas da mercantilização e precarização da educação brasileira, uma saída rentável para o mercado que acessa o fundo público com a intensificação dessa política de governo. Sob o aspecto ilusório da expansão do acesso, essa estratégia tem sido sustentada por setores dominantes da sociedade, que obtêm lucro imediato nessa configuração de adestramento da força de trabalho. Mas tem sido preocupante também o apelo popular que difunde de forma acrítica e passiva esse processo de perda total do sentido e das possibilidades da educação e da formação em seu sentido mais amplo (civilizatório e emancipatório).
A educação superior a distância é apresentada como elemento significativo para a criação de fetiche da ampliação do acesso e do aumento no índice de escolarização, mascarando dois fenômenos que vêm ocorrendo nos países periféricos: o aligeiramento da formação profissional e o processo de certificação em larga escala. Nesse mesmo sentido, esse projeto omite que essa "expansão/democratização" deverá ser efetivada por meio da ampliação da participação dos setores privados no financiamento e na execução da política educacional, ou seja, trata-se da busca incessante do empresariado internacional e brasileiro por lucratividade (Lima, 2008, p. 19).
1. A materialização da contrarreforma da educação no ensino superior brasileiro
Pode-se afirmar que a política educacional brasileira, da educação básica à pós-graduação, vem reafirmando desde 1990 as parcerias do público e privado; uma lógica de mercado e uma pedagogia das "competências" (Frigotto, 2010). Este autor indica que, sem dúvida alguma, o governo Lula, no que se refere à abrangência da política de educação, se diferenciou do governo anterior: contribuiu com a ampliação das universidades federais, aberturas de concursos públicos, ampliação de recursos, entre outros. Entretanto, salienta que o problema encontra-se na gestão e na concepção que orientam essas ações.
Apesar do aumento do número de universidades públicas no período de 2003 a 2010,1 "o número de instituições públicas cresceu 3,8% de 2008 para 2009, enquanto o número de instituições privadas cresceu 2,6%" (Inep/MEC, 2010, p. 12). Porém as instituições de ensino superior — IES — privadas ainda responderam em 2009 por um total de 89,4% das instituições de ensino superior no país. As universidades públicas correspondem a menos de 1/4 do total Dados do Censo da Educação Superior Deed-MEC– Inep — período 2004 a 2009, confirmam essa realidade.
O Brasil possui 2.316 instituições de ensino superior. Destas temos que 188 (8,0%) são universidades, 127 (5,5%) são centros universitários; espantosamente, em se tratando de uma política que deve articular o ensino, a pesquisa e a extensão, temos um universo de 1.966 (85%) faculdades isoladas. Além do investimento na criação de institutos federais e Cefets, com 35 unidades.
As universidades (pelo nível de exigências de investimentos e propósitos) ainda têm forte presença do setor público, com 102 unidades. O governo federal é responsável por 58 (30,85%) unidades, 37 são estaduais, e sete são municipais. Entretanto, o setor privado já corresponde a 40% das universidades, com 86 unidades.
Pode-se afirmar com esses números que apesar da criação de novas universidades públicas no último período de governo, essa situação não modificou a concepção histórica, privatizante, das políticas de educação no país e, muito menos, a concepção reduzida de ensino superior, infringindo a este apenas o caráter de ensino. E tampouco supriu o déficit histórico do ensino superior público no país.
Percebe-se isso quando constatado que somente 8% do ensino superior no Brasil está constituído por universidades (188), contra um grande contingente de faculdades (1.996). Esse dado é bastante relevante, tendo em vista que uma universidade se caracteriza pela obrigatoriedade, por lei (art. 207, caput, da Constituição Federal de 1988) — mesmo que não cumprida — de garantir o tripé ensino, pesquisa e extensão.
Um claro exemplo da relação público-privado nas instituições de ensino encontra-se nas palavras de Buarque (2003, p. 19, apud Lima, 2008, p. 386): "As universidades deverão ser instituições públicas, sejam elas de propriedade pública ou privada. A universidade não pode morrer por falta de recursos públicos, nem pode recusar os recursos privados de quem nela quer investir". Logo,
a chamada política educacional tem sido a política de corte de verbas públicas para a educação e especificamente para a educação superior. A alocação destas já escassas verbas é feita tanto para as universidades públicas quanto para as universidades privadas — tratadas num mesmo patamar — e estariam condicionadas a um processo de avaliação institucional constituído a partir da lógica empresarial custo/benefício e da produtividade de cada universidade, entendida nos parâmetros de adequação da formação profissional a partir das exigências do capital. (Cassab e Lima, 2002, p. 83-84).
Conforme o Andes (2005), na relação público-privado, as instituições privadas de ensino superior tomam posicionamentos ambíguos voltados para seus interesses: "na hora de receber isenções as instituições privadas reivindicam a sua natureza 'pública não estatal', enquanto na hora de regulamentar o seu funcionamento, reivindicam a sua natureza 'privada' e a livre-iniciativa" (p. 32).
Como dito, o governo Lula estimula e incentiva a expansão do ensino superior privado, ligeiro presencial ou a distância de forma descontrolada e sem critérios Para Chaves (2010, p. 494), essa expansão descontrolada
está vinculada, no Brasil, a processos intensos da desnacionalização da educação. A entrada de capitais estrangeiros no mercado educacional tem sido a marca desse processo. O grupo americano Laureate foi o primeiro a se tornar sócio de uma universidade brasileira, a Anhembi-Morumbi, em 2005. Desde então, vários outros grupos empresariais estrangeiros têm adquirido ações das empresas educacionais que atuam no ensino superior [...].
O ensino superior público vem se ampliando através do Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais — Reuni e EaD, dando continuidade à reforma, já em andamento. Em 2007, foi lançado o Plano de Desenvolvimento da Educação — PDE (constitutivo do Programa de Aceleramento do Crescimento — PAC). Este é constituído por um conjunto de decretos, projetos de lei, resoluções e portarias que resultam nas propostas de cursos sequenciais; ciclos básicos, contempladas em iniciativas, tais como: Universidade Aberta do Brasil, Reuni, ensino a distância.
2. O EAD em debate
Como apresentado anteriormente, a educação superior no Brasil vem sofrendo um sério processo de dilapidação, e por isso este debate tem sido amplamente fortalecido no Serviço Social brasileiro. Entretanto, substancialmente grave é a proliferação do Ensino a Distância (EAD) no país. Cabe-nos alertar que este debate não deve ser reduzido ao mote de "preconceito" ou "preocupação corporativa". Longe de tais reducionismos, as informações abaixo, fruto de estudos sistemáticos, corroboram em prol da educação de qualidade como um direito. É o que baliza este debate.
De acordo com o Censo MEC, 2010, em relação ao ano de 2008 os cursos na modalidade EAD aumentaram 30,4%, enquanto os presenciais, 12,5%. No ano de 2009 as matrículas na modalidade EAD atingiram 14,1% do total de matrículas em cursos de graduação. Nessa modalidade, metade dos cursos é de licenciatura, enquanto nos cursos presenciais 71% são de bacharelados.
O número de vagas ofertadas na modalidade EAD, segundo dados do Censo do Inep de 2009, neste ano, chegam a 1.561.715 vagas, extraindo-se daí 665.839 candidatos inscritos e 308.340 ingressantes. Um dado importante é verificar a sua evasão que ultrapassa os 50%.
Tal realidade demonstra que a oferta tem sido maior que a procura, e o preenchimento de vagas não chega a 20% do total ofertado (Inep/MEC, 2010), porém, conforme Horodynski (2009), essa porcentagem vem aumentando a cada ano.
Esta autora afirma que em 2007 os cursos na modalidade EAD foram ofertados principalmente nas regiões Sul e Sudeste, onde estão concentrados 82 dos 150 polos. A região Norte possuía 23 polos, sendo apenas dois no estado do Amazonas. Hoje são 651 polos no Brasil, 263 no Sudeste e Sul; 25 no Norte, sendo quatro no estado do Amazonas. Ou seja, a região de Tocantins e Amazonas continuam desprovidas Ainda segundo essa autora, mais de 1/3 dos polos das regiões Sudeste e Sul estão situados a menos de cem quilômetros de distância do centro da capital. Com esses dados, cai por terra a justificativa de que o EAD vem para suprir a necessidade de levar o ensino superior a áreas de difícil acesso e sem o ensino presencial.
No que se refere ao Brasil, pode-se concluir com a exposição acima que o EAD está longe de se constituir em uma alternativa democrática à ampliação do acesso ao ensino superior. O público-alvo desse programa, salvo exceções, vem de um ensino fundamental e médio precário, muitas vezes também a distância. São estudantes, em sua maioria, que vivem próximos de grandes centros ou em cidades de médio e grande porte que possuem uma rede de ensino superior privada e/ou pública, com cursos em tempo parcial, como os cursos noturnos. Além do que, em sua maioria, proporcionam menos contato "face a face", uma vez que os cursos possuem encontros presenciais uma vez por semana, através de aulas via satélite, que não estimulam o diálogo entre os alunos, os quais apenas podem enviar questões para o professor, que nem sempre responde na hora.
A pesquisa intitulada "Expansão dos cursos de graduação em Serviço Social na modalidade EaD: monitoramento e análise das condições da formação profissional", realizada pela professora Larissa Dahmer Pereira (UFF/Niterói), realizou uma análise das informações sobre os cursos disponíveis nas páginas virtuais das catorze IES e constatou dificuldades de acesso a informações essenciais para o maior conhecimento do curso (inclusive por parte dos discentes e ou futuros discentes), tais como: relação do corpo docente, sua titulação e produção acadêmica; de forma geral, apresentam metodologias muito próximas: aulas via satélite, material impresso, ambiente virtual de aprendizagem, com tutoria virtual e encontros (semanais ou mensais) nos polos EAD, com a presença do tutor local; a função do tutor é tirar dúvidas dos discentes após aulas via satélite, ministradas pelos docentes componentes do curso; o corpo docente é responsável por elaborar o material didático-pedagógico e gravar as aulas transmitidas via satélite; a relação presencial é estabelecida com um profissional contratado como "tutor" para trabalhar no polo EAD; há ausência de informações sobre os tutores; são criados em município que possuem apenas um ou dois assistentes sociais (Pereira, 2011).
Entre os dez maiores cursos de graduação na oferta de modalidade a distância, o de Serviço Social ocupa o terceiro lugar em número de vagas ofertadas, perdendo apenas para a Pedagogia e a Administração (Inep/ MEC, 2010).
O quadro a seguir (Ferreira, 2011) nos oferece um panorama do ensino superior no que se refere aos cursos de Serviço Social no Brasil, tanto públicos quanto privados, na modalidade presencial e a distância.
O crescimento avassaldor do EAD na oferta de vagas é claramente revelado na tabela a seguir, que indica que em um curto espaço temporal essa modalidade se tornará predominante na formação, embora com os graves problemas já apontados nos últimos documentos formulados pelas entidades (Abepss, CFESS e Enesso), além da vasta literatura da educação que apresenta os limites desta "forma de capacitação".
A Tabela 2 detalha a presença dos cursos de EAD no Serviço Social e como cada instituição se prolifera por meio da oferta de vagas e polos.
3. Por que a formação profissional básica do assistente social precisa ser presencial?
A exposição acima vem ao encontro da preocupação com a formação profissional dos assistentes sociais. Sabe-se que a mercantilização da educação, bem como a ampliação das universidades públicas, por meio do Reuni, não se relacionam com qualidade do ensino.
A implantação de cursos de Serviço Social a distância a partir de 2006 agrava a situação. Defende-se que os princípios, objetivos e diretrizes de projeto de formação profissional do(a) assistente social, em vigor desde 1996, são incompatíveis com o ensino a distância. Com isso não se pretende afirmar que todo ensino presencial se aproxime necessariamente desses elementos, mas sim que essa modalidade pode favorecer essa aproximação, enquanto o EAD não, tendo em vista os elementos apontados acima.
Observa-se que o EAD, no Brasil, encontra-se na contramão do projeto de formação profissional e das Diretrizes Gerais, aprovadas em 1996, pelo conjunto da categoria profissional, desde a própria concepção de formação/educação defendida nesse projeto.
Desta forma, para esta análise, foi priorizada como parâmetro de qualidade a concepção de educação contida nesse projeto, seus princípios, diretrizes, metas e em sua estrutura contida nas Diretrizes Gerais do curso. Defende-se que a modalidade a distância, por si, limita as possibilidades de uma "pedagogia crítico-dialética", nos termos de Frigotto (2010), além da forma deletéria e precária, já amplamente denunciada dentro e fora da categoria (liminares de fechamento de cursos da Unitins e recentes fatos que envolvem a Ulbra).
A partir desse pressuposto, ressalta-se a necessidade da formação presencial em Serviço Social, considerando os seguintes argumentos:
A defesa de uma concepção de educação como princípio formativo
Segundo Lighia Horodynski (2009), educação é mais ampla que ensino e não é equivalente de atividades didáticas. Educação prepara para a vida em sociedade; promove saberes socialmente referenciados, ou seja, saberes que vão ao encontro das demandas, valores e necessidades da população. É uma prática social; portanto, requer interação entre sujeitos e destes com a sociedade. É formação.
Desta forma, educação e formação andam juntas. Formação profissional é um processo permanente de qualificação e atualização, porque exige deciframento cotidiano dessa realidade social (Abreu, Lewgoy e Santos, 2011).
A formação profissional é um projeto elaborado coletivamente, articulado, que envolve comprometimento com uma direção que tenha definido que tipo de profissional se pretende formar; para que formar; para quem formar(Abess/Cedepss, 1997). É um "processo de qualificação teórico-metodológico, técnico e ético-político para o exercício dessa especialização do trabalho coletivo" (Abess/Cedepss, 1996, p. 163). Possui uma dimensão social potencializada nas atividades de ensino, pesquisa, extensão.
Tomando como referência essa concepção, pode-se afirmar que "preparar para a vida", "criar saberes socialmente referenciados", "promover interação entre sujeitos e destes com a sociedade" requer, no mínimo, a convivência com outros estudantes e corpo docente diversificado, que possibilite e estimule debates intensos que explicitem conhecimentos, valores e sentimentos também diversificados. É a confrontação do sujeito com sua realidade.
O perfil do profissional que se pretende formar, segundo o Projeto de Formação Profissional do Assistente Social de 1996, é um profissional capaz de privilegiar a defesa dos direitos sociais, a ampliação da cidadania e a consolidação da democracia, com uma competência a ser adquirida nas várias dimensões que compõem o agir profissional: teórico-prática, técnico-operativa e ético-política. Aqui, trata-se de uma competência que vai além de conhecimentos teóricos. Requer questionar valores, repensar compromissos. Para tanto, são necessárias não apenas leituras e exercícios, mas também estar em contato com o outro, debatendo.
Para que formar? A formação deve contribuir para a"construção de novas consciências e práticas acadêmicas; além de ser um dos muitos espaços de formação cultural, política e de exercício e luta pela cidadania" (Cardoso et al., 1993, p. 4), espaço esse possível apenas presencialmente, uma vez que se constrói através da convivência com outros sujeitos, com a inserção em diferentes espaços e contato com movimentos sociais, ou seja, em um ambiente universitário, onde é oferecido ao estudante alternativas de integração com diferentes atividades, em diferentes cursos, faculdades e departamentos, tais como monitoria, extensão, pesquisa, treinamento profissional, atividades culturais, participação no movimento estudantil etc.
Para quem formar? Formar profissionais que sejam capazes não apenas de atender às necessidades do mercado, mas também às da sociedade como um todo. As profissões têm que dar respostas à sociedade. No caso do Serviço Social, pretende-se que o graduado seja capaz de propor projetos de intervenção profissional, mas também de se fazerem necessários em áreas que ainda não dispõem da atuação do assistente social, ampliando o mercado de trabalho. Para isso ele necessita desenvolver habilidades que começam com o debate entre os colegas, professores e profissionais. Necessita conhecer os diversos campos de atuação profissional e fazer críticas e análises.
A necessidade de reafirmação das diretrizes que orientam o projeto de formação profissional
As diretrizes elencadas no projeto de formação apontam para a flexibilidade dos currículos por meio da diversificação de atividades desenvolvidas no âmbito da vida acadêmica e exigem o rigoroso trato teórico, histórico e metodológico da realidade social e do próprio Serviço Social. Neste sentido, investe-se na adoção de uma teoria social crítica; a superação da fragmentação dos conteúdos. Outros elementos que compõem a lógica curricular indicam o estabelecimento das dimensões investigativa e interventiva como condição central da formação e a relação da teoria e realidade; padrões iguais entre os cursos diurnos e noturnos quanto à qualidade e desempenho; caráter interdisciplinar nas várias dimensões do projeto de formação profissional; indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão; exercício do pluralismo; a ética como um princípio formativo perpassando a formação curricular; a indissociabilidade entre estágio e supervisão acadêmica.
Muitos desses princípios requerem, necessariamente, um ensino presencial. Por exemplo, a adoção de uma teoria social crítica e o rigoroso trato teórico, histórico e metodológico da realidade social e do próprio Serviço Social, exigindo, portanto, uma pedagogia crítico-dialética calcada na bibliografia densa, centrada nos clássicos, não podendo se reduzir a apostilas ou manuais.
No que se refere à flexibilidade do currículo, este indica a oferta de outros componentes curriculares que não apenas as tradicionais disciplinas, apresentando-se as matérias essenciais ao curso. As matérias são "expressões de áreas de conhecimento necessárias à formação profissional que se desdobram em disciplinas, seminários temáticos, oficinas/laboratórios, atividades complementares e outros componentes curriculares" (Abess, 1996, p. 14). As oficinas/ laboratórios são espaços de vivência que permitem o tratamento operativo de temáticas, instrumentos e técnicas, posturas e atitudes. Desta maneira, nossa formação exige espaços de vivência que, por sua natureza, necessariamente, devem ser presenciais.
Quanto à superação da fragmentação dos conteúdos:
Propõe-se nas Diretrizes Gerais "uma lógica curricular inovadora, que supere a fragmentação do processo de ensino-aprendizagem e permita uma intensa convivência acadêmica entre professores, alunos e sociedade"(Abepss, 1996, p. 9). Mais uma vez, fica explícita a necessidade do contato entre os agentes envolvidos no processo de formação, o que é possível no ensino presencial, sobretudo nas atividades de estágio supervisionado e realização do Trabalho de Conclusão de Curso, por exigirem constante acompanhamento das atividades.
Quanto à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão:
A proposta de formação em andamento no Serviço Social sustenta a importância desse tripé para a universidade brasileira. No que se refere à pesquisa, esta é concebida como parte constitutiva do exercício profissional e, portanto, da formação Nos dizeres da Abess/Cedepss (1996, p. 152).
De fato, a pesquisa das situações concretas é o caminho para a identificação das mediações históricas necessárias à superação da defasagem entre o discurso genérico sobre a realidade e os fenômenos singulares com os quais se defronta o profissional no mercado de trabalho. Aliás, a principal via para superar reconhecida dicotomia entre teoria e prática, requalificando a ação profissional e preservando a sua legitimidade.
Dessa forma, nessa proposta, a pesquisa não pode ser uma atividade eventual, mas sim inerente ao processo de formação profissional. Associada à atividade de pesquisa, tem-se a extensão, ambas consideradas "atividades complementares" às atividades formativas básicas. Com isso essas atividades não podem ter um caráter apenas mercantilizante de ofertas de serviços, de venda de produtos, e sim objetivar o ensino e a aproximação da universidade à sociedade, do conhecimento à realidade. Como assinala Belloni (1997, p. 131),
a extensão, desligada da produção acadêmica e do ensino, transforma a universidade em prestadora de serviço de caráter assistencial ou de consultoria técnica. Os estágios, que são dos alunos e dos professores, não se constituem em canal suficiente e adequado para a necessária interação com a sociedade, suas necessidades e prioridades.
Quanto ao princípio da indissociabilidade entre estágio e supervisão:
Esses devem ser, eminentemente, presenciais Não há estágio a distância nem supervisão. O estágio é um dos componentes curriculares privilegiados na construção da relação teoria/prática, principalmente por seu caráter presencial e pela atividade concomitante de supervisão acadêmica e de campo. Devem ser de responsabilidade da unidade formadora. São princípios do estágio, contidos na Política Nacional de Estágio (2010): articulação entre formação e exercício profissional; indissociabilidade entre estágio e supervisão acadêmica e de campo;articulação entre universidade e sociedade;unidade teoria-prática; interdisciplinaridade e articulação entre ensino, pesquisa e extensão.
Diretrizes e metas para a formação do assistente social
Trata de uma primorosa capacitação: teórico-metodológica, ético-política, técnico-operativa, investigativa. Uma capacitação apta para apreender as demandas postas no mercado de trabalho, tradicionais e emergentes (Abess/Cedepss, 1996).
O que exige das unidades de formação acadêmica a permanente capacitação do corpo docente no campo teórico-metodológico da pesquisa, da recriação de estratégias, táticas e técnicas condizentes com as mudanças na configuração da questão social e nos sujeitos envolvidos (Abess/Cedepss, 1996).
No que se refere às diretrizes e metas do projeto de formação à titulação dos docentes, substituída precariamente pela figura do "tutor", há rebatimentos diretos no processo de ensino, além da precarização das condições de trabalho docente que afetam a qualidade da formação. Os tutores muitas vezes são alunos recém-formados, quando não, sequer possuem formação em Serviço Social, e os docentes, em sua maioria, horistas, com outros vínculos empregatícios.
Estes são alguns dos elementos que sustentam a defesa de que o EAD no Brasil não possibilita a educação necessária ao profissional de Serviço Social, uma vez que, para efetivação desse projeto, fazem-se necessárias: leituras densas; bibliografia de qualidade, que busquem as fontes; debates críticos; aprofundamento teórico, ético e político; pesquisa e extensão; vivências; relação com a sociedade; contato com direto com a profissão e profissionais. Entende-se que as Diretrizes Gerais que materializam nosso projeto de formação propõem
uma lógica curricular inovadora, que supere a fragmentação do processo de ensino-aprendizagem e permita uma intensa convivência acadêmica entre professores, alunos e sociedade. Este é, ao mesmo tempo, um desafio político e uma exigência ética: construir um espaço por excelência do pensar crítico, da dúvida, da investigação e da busca de soluções. (Abess/Cedepss, 1996, p. 9)
Essa proposta não pode ser viabilizada na modalidade EAD, pelas características expostas acima.
4. A ação política do conjunto CFESS/CRESS, Abepss e Enesso em defesa da formação profissional
Toda discussão realizada até o momento indica os pressupostos sobre os quais nos apoiamos para pensar a formação profissional dos assistentes sociais e as possibilidades de materialização do Projeto Ético-Político Profissional no capitalismo contemporâneo.
A direção da política de educação e acesso ao ensino superior têm buscado dar o tom, em contraposição ao que preconizam as Diretrizes Gerais formuladas pela Abepss, à formação profissional dos assistentes sociais. Todavia, é essencial lembrar que esse é um movimento marcado pela contradição, pautado pela luta de classes e disputado pelas forças sociais organizadas que se colocam na arena política.
É nesse movimento que se observa a ação do Conjunto CFESS/Cress, da Abepss e da Enesso em defesa da formação profissional de qualidade e da materialização do Projeto Ético-Político Profissional, ainda que em condições extremamente adversas.
Todo o processo de subordinação da educação à acumulação do capital que compromete a qualidade da formação profissional descaracteriza a função pública da Universidade, gera o desfinanciamento da educação superior pública e desvaloriza os docentes, chegando às entidades do Serviço Social brasileiro das mais diferentes e combinadas formas.
As questões chegam dos profissionais, estudantes, das Unidades de Formação Acadêmica (UFAs), dos usuários dos serviços Chegam via e-mails, denúncias nos Conselhos Regionais de Serviço Social, nas representações regionais da Abepss, no movimento estudantil. São sujeitos que revelam os limites do modo de agir do Estado na condução da política de educação e narram o processo intenso de precarização que tem acometido a graduação em Serviço Social em todo o país.
São inúmeras situações graves que expressam a inserção brasileira periférica na economia mundial e uma cultura política autoritária e legitimadora das desigualdades: o mercado dos diplomas, cursos aligeirados, condições precárias de trabalho para os docentes, ausência de bibliotecas, material didático insuficiente e superficial, falsificação de documentos que comprovam a integralização do curso, estágios realizados sem supervisão direta, desrespeito à lei que regulamenta a profissão e às normativas que disciplinam o exercício profissional.
Diante dessas questões, o Conjunto CFESS/Cress, a Abepss e a Enesso tem se empenhado teórica e politicamente para apreender o movimento real da sociedade em que vivemos, observando o Serviço Social na história por meio de importantes leituras e interlocuções com a teoria social crítica. Assim, a partir desse mirante de análise que as entidades têm definido suas ações e lutas.
O Serviço Social brasileiro vem denunciando amplamente as imposições do Ministério da Educação em relação à política de ensino superior e as orientações dos organismos internacionais para a referida política e para o financiamento da mesma. Aprofundaram-se, ao longo do tempo, as discussões sobre a universidade brasileira e reafirmou-se a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e entre formação e exercício profissional, mobilizando outros sujeitos coletivos contra a privatização e o desmonte das Diretrizes Gerais da Abepss.
Desta forma, passa-se a apresentar as ações estratégicas desenvolvidas no âmbito das entidades para o enfrentamento da precarização da formação profissional e que se destinam a fortalecer o processo de efetivação do projeto.
Cabe ressaltar que não se trata aqui de fazer uma mera listagem das atividades e ações realizadas, mas de destacar processos verdadeiros de lutas e resistências que se constroem coletiva e cotidianamente no interior de cada uma das entidades e na articulação das mesmas. Esses processos também revelam o amadurecimento teórico, ético-político e normativo do Serviço Social brasileiro nas últimas décadas.
Desde 2000, quando da realização do seminário "Política de ensino superior no Brasil: a regulamentação da LDB e as implicações para o Serviço Social", organizado pelas três entidades representativas da categoria, as entidades vêm mantendo posição crítica à lógica incorporada pela legislação de expansão do acesso ao ensino superior de forma mercantilizada, privatista e excludente.
Os anos 2000 marcam o esforço coletivo em publicizar a Política Nacional de Fiscalização do Conjunto CFESS/Cress, aproximar-se das unidades de formação acadêmica, construir agenda comum de lutas e ações, realizar oficinas regionais e nacional para a implementação das diretrizes gerais. Marcam ainda os debates acerca dos mestrados profissionalizantes, dos cursos sequenciais, do exame de proficiência, da graduação a distância, consolidando importantes ações de enfrentamento às orientações que contrariam o projeto de formação profissional construído coletivamente.
Os encontros descentralizados e nacional do conjunto CFESS/Cress, as oficinas regionais e nacional da Abepss, os encontros re-gionais e nacional dos estudantes de Serviço Social e outros seminários realizados pelas entidades têm se configurado em momentos de grande relevância, por promoverem a socialização de informações, a definição da agenda de lutas e, sobretudo, por favorecerem o debate, tendo a formação profissional no centro das reflexões.
As entidades também vêm interferindo politicamente nesse processo por meio de reuniões com o Ministério da Educação e a Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior, com a participação em audiências e atos públicos em todo o país e na elaboração de notas públicas e cartas abertas que têm como objetivo divulgar e explicar para a sociedade os fundamentos teóricos e ético-político das suas posições.
Outra iniciativa de extrema relevância refere-se ao aprimoramento dos instrumentos para a orientação e fiscalização do exercício profissional, que se relacionam diretamente com a defesa da formação profissional coerente com as Diretrizes Gerais da Abepss.
A Resolução CFESS n. 533/2008, "que por sua vez regula a supervisão direta de estágio no Serviço Social", parte do entendimento expresso na lei que regulamenta a profissão de que o exercício de tal atividade é atribuição privativa dos assistentes sociais. Considera ainda os inúmeros debates sobre o estágio e a Política Nacional de Fiscalização sistematizados pelos conselhos regionais, na perspectiva de enfrentar os problemas e qualificar a formação e o exercício profissional.
As resoluções CFESS n. 582/2010 e n. 588/2010, que estabelecem e aperfeiçoam, respectivamente, os procedimentos necessários para obtenção de registro profissional nos quadros dos Cress, têm como um dos seus objetivos aprimorar as formas de comprova-ção da integralização da graduação em Serviço Social em instituição de ensino devidamente autorizada e reconhecida pelo MEC.
A Resolução CFESS n. 568/2010, que regulamenta o procedimento de aplicação de multa pelo descumprimento das normas estabelecidas na Resolução CFESS n. 533/2008, que, por sua vez, regulamenta a supervisão de estágio no âmbito do Serviço Social, re-afirma o que está preconizado na Lei de Regulamentação da Profissão quando estabelece que cabe às unidades de ensino credenciar e comunicar aos Conselhos Regionais de sua jurisdição os campos de estágio de seus alunos e designar os assistentes sociais responsáveis por sua supervisão, e que somente os estudantes de Serviço Social, sob supervisão direta de assistentes sociais em pleno gozo de seus direitos profissionais, poderão realizar estágio em Serviço Social.
A política nacional de estágio da Abepss, resultado de amplo debate conduzido pela Associação e que tem como objetivo qualificar o processo de estágio supervisionado dos estudantes de Serviço Social, também orienta as unidades de formação acadêmica no que se refere à centralidade dessa disciplina nos cursos de Serviço Social e à necessidade de cumprimento das legislações em vigor sobre essa questão.
Todos esses documentos contribuem para a melhoria da formação profissional, pois regulamentam temas presentes no cotidiano dos profissionais e estudantes de Serviço Social. Apontam ainda para a indissociabilidade entre formação e exercício profissional. As resoluções formam, assim, um importante arsenal jurídico-normativo que extrapola o caráter de norma fria e abstrata e respaldam o exercício profissional comprometido com a qualidade dos serviços prestados à população.
Neste caminho e considerando a necessidade de aprofundar todas as questões anteriormente mencionadas, bem como levantar dados sobre a realidade do ensino de graduação a distância, compreendido como a maior expressão da mercantilização do ensino, em setembro de 2008, a partir de seu 37º Encontro Nacional, o Conjunto CFESS-Cress constituiu o Grupo de Trabalho e Formação Profissional, formado pelo CFESS, por um(a) representante dos Cress de cada região do país e por um(a) representante das direções nacionais da Abepss e da Enesso, com o objetivo de construir e monitorar a implementação de um Plano de Lutas em Defesa do Trabalho e da Formação e Contra a Precarização do Ensino Superior, em face das mudanças suscitadas pela promulgação da LDB, em 1996 Com a finalização do Plano em abril de 2009, foram desencadeadas diversas estratégias para colher o máximo de informações sobre a precarização do ensino superior, especialmente sobre a penetração do EAD, no âmbito da graduação em Serviço Social.
O documento intitulado "Sobre a incompatibilidade entre graduação a distância e Serviço Social" tornou público os resultados do trabalho produzido pelo esforço conjunto dos Cress e das diretorias regionais da Abepss, que reuniram dados e informações que retratam a precária situação dos cursos de graduação a distância ofertados nas cinco regiões do Brasil.
Como estratégias para a coleta desses dados, foram realizados diversos procedimentos, desde a pesquisa documental — incluindo documentos disponibilizados pelas próprias instituições de ensino, as legislações sobre o EAD, sites, materiais didáticos utilizados pelos cursos — passando pela realização de reuniões com estudantes, tutores(as), assistentes sociais, supervisores(as) de estágio e coordenadores(as) dos polos, até a realização de visitas em telessalas e núcleos de formação do Ensino a Distância. Todos esses procedimentos oportunizaram um melhor conhecimento da organização e da dinâmica de funcionamento dos cursos de graduação a distância em Serviço Social.
A análise dos dados reunidos demonstrou o descompromisso das instituições de ensino com a formação profissional substantivamente de qualidade e a falta de controle e acompanhamento sistemático da expansão e prestação de serviços dessas instituições por parte do Ministério da Educação (MEC).
O processo de credenciamento junto ao MEC tem ocorrido de maneira superficial, não estabelecendo condicionalidades para a avaliação estatal in loco com vista à confirmação das informações prestadas pelas instituições proponentes, como ocorre nos casos dos cursos de graduação presenciais. Os dados identificados sobre o processo global de formação (bibliografias utilizadas, dinâmica pedagógica, avaliações, estágio curricular, perfil dos(as) tutores(as) e outros componentes relacionados ao projeto pedagógico) confrontam radicalmente com nossos compromissos e princípios. Colidem, também, com os conteúdos, habilidades e competências estabelecidas nas Diretrizes Gerais para os cursos de Serviço Social e com os instrumentos normativos afetos ao estágio (Lei n. 11.788/2008, Resolução CFESS n. 533/2008 e Política Nacional de Estágio/Abepss) e, ainda, com as atribuições e competências dos(as) assistentes sociais previstas na Lei n. 8.662/1993.
Todos esses elementos consubstanciam a veemente defesa de incompatibilidade entre graduação a distância e Serviço Social. Ou seja, diante das fragilidades e irregularidades constatadas, também não foi identificada, no acúmulo das informações e das análises, a possibilidade de qualificar tais cursos.
Nesse sentido, a campanha nacional para o enfrentamento da graduação a distância em Serviço Social é fruto de uma série de discussões e ações coletivas das entidades na defesa de uma educação pública e de qualidade, que reafirmam o Projeto Ético-Político e o compromisso com as lutas da classe trabalhadora, tendo como horizonte a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Tal campanha nasce com o objetivo de publicizar a posição das entidades sobre a defesa da formação em graduação presencial, pública e de qualidade, bem como reafirmar a relação entre formação e trabalho com qualidade no Serviço Social.
Essa ação já tem gerado uma série de repercussões, como: a sistematização de um CFESS Manifesta esclarecendo o seu objetivo e rebatendo as críticas de que a mesma tem caráter discriminatório e preconceituoso; novas reuniões e definição de ações por parte do GT Trabalho e Formação Profissional; realização do "Seminário nacional em defesa da educação de qualidade: a graduação a distância em debate"; realização de reunião com a Associação Brasileira de Educação a Distância, a Associação Brasileira dos Estudantes do Ensino a Distância e a Associação Nacional dos Tutores do Ensino a Distância; articulações políticas com o Sindicato Nacional dos Docentes das Insti-tuições de Ensino Superior (Andes Sindicato Nacional) para apoio à campanha; participação na campanha promovida pelo Andes em defesa dos 10% do PIB para a educação pública; inserção no Fórum dos Conselhos Federais da Área da Saúde (Conselhinho), que também já se manifestou afirmando que a área da saúde, pelas suas peculiaridades e características de integração com o ser humano, não se identifica com a modalidade de ensino a distância.
Além das ações políticas, as entidades também têm se utilizado das intervenções jurídicas, notificando o MEC e o Ministério Público Federal de todas as irregularidades denunciadas ou verificadas através das visitas de fiscalização dos Conselhos Regionais Representou-se ainda ao Ministério da Educação manifestação jurídica solicitando a suspensão das suas portarias que reconhecem automaticamente os cursos de graduação, sem a realização da visita dos seus avaliadores.
Por fim, foi recebido pelas entidades, no dia 12 de agosto, liminar judicial determinando a cessação da campanha em virtude da ação promovida pela Associação Nacional dos Tutores de Ensino a Distância (Anated). É lamentável que em uma sociedade democrática não seja garantida a liberdade de expressão Dessa forma, o Conjunto CFESS/ Cress, a Abepss e a Enesso recorreram na Justiça ao direito de manifestar a opinião em defesa de uma política pública que viabilize a educação como direito de todos os brasileiros, e não como mercadoria.
Sabe-se que a judicialização do debate político é típico dos setores mais conservadores da sociedade. Desta forma, as entidades e suas bases precisam continuar mobilizadas para que possam seguir firmes no posicionamento e na luta para que a educação não seja tratada de forma aligeirada e sem qualidade.
Por isso, faz-se fundamental que os estudantes e trabalhadores venham se somar à luta histórica em defesa do ensino público, universal, gratuito, presencial e laico, exigindo do MEC a ampliação de vagas com qualidade para atender à demanda por ensino superior no Brasil. O enfrentamento da precarização da formação profissional nos remete à indissociabilidade entre formação e exercício profissional e, portanto, precisa ser do interesse de todos os estudantes, assistentes sociais e da própria sociedade, pois trata-se do "devir" da profissão dos assistentes sociais. E ao mesmo tempo, da garantia da qualidade dos serviços prestados à população usuária dos serviços sociais.
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Recebido em 31/8/2011
Aprovado em 5/9/20011
Aprovado em 5/9/20011
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