quarta-feira, outubro 20, 2010

A Frente Feminista da PUC e o Livro de Maurilio Castro de Matos

Segue abaixo um texto produzido pela Frente Feminista da PUC em reação à sanção por parte da Cúria da Igreja Católica, da qual faz parte Dom Odilo Scheler, Grão-chanceler da PUC, ao evento que ocorreu na Apropuc dia 27/09, lançamento do livro A Criminalização do Aborto em Questão, escrito por Maurílio Castro de Matos. Dias antes, na Audência Pública com o Consad, a Fundação São Paulo disse que jamais haveria patrulha ideológica dentro da universidade, mas os eventos ocorridos nos últimos dias mostram outra realidade…



A articulação da Igreja Católica com evangélicos, ruralistas, militares e a grande mídia para bombardear a pauta da legalização do aborto das maneiras mais desqualificadas possíveis vem de longa data e não é de se surpreender que isso bata hoje às portas da PUC-SP. No dia 16 de setembro a Cúria da Igreja Católica, personalizada pelo arcebispo de São Paulo e Grão-Chanceler da PUC-SP, Dom Odilo Scherer, divulgou uma nota desaprovando que uma entidade ligada à PUC-SP estivesse realizando uma atividade para lançar um livro sobre a criminalização do aborto, criticando indiretamente a autonomia política da entidade e até mesmo a própria autonomia universitária ao se colocar contrário a qualquer tipo de atividade que caminhe para a discussão da legalização do aborto, sejam atos públicos, debates, publicações ou pesquisas acerca do tema que busqu e problematizá-lo e colocá-lo junto a uma ótica social.

Esta carta veio após diversos setores de um dito movimento “pró-vida” terem mandado um abaixo-assinado com reclamações para a Cúria sobre o lançamento do livro A criminalização do aborto em questão (doutorado escrito por Maurílio Castro de Matos) pela APROPUC. Apontando a atividade como um “desrespeito às normas pontifícias e canônicas” e um sintoma da “decadência da moral”, a carta renega a necessidade de um Estado e ensino laico e o direito à liberdade de expressão, reflexão e questionamento – preceitos básicos de um espaço universitário que preze o saber, a crítica e a emancipação humana – exigindo que a comunidade universitária se adéqüe à doutrina católica. Como se não bastasse, a carta ao Dom Odilo dá a entender que uma renomada professora de Ciências da Religião – Maria José Rosado – , coordenadora da ONG Católicas pelo Direito de Decidir e convidada a compor a mesa do lançamento do livro, seja demitida, pelo fato do debate não se efetuar “à luz da fé católica” nem estar de acordo com a “fidelidade à mensagem cristã tal como é apresentada pela Igreja”. Trata-se de uma evidência do quanto é necessário que não só as feministas, mas todos aqueles que defendem uma universidade autônoma e laica se unifiquem para resistir a um setor fundamentalista da Igreja Católica.

É preciso que tanto as entidades ligadas a PUC-SP quanto setores da sociedade que queiram debater, questionar ou defender a necessidade da legalização do aborto em nosso país possam fazê-lo sem confrontar dogmatismos, perseguições e mentiras que vem sendo veiculadas da maneira mais hipócrita, visto que boa parte das mulheres que hoje praticam aborto no Brasil são brancas, casadas, católicas e tem pelo menos 2 filhos. A estas é assegurado o aborto seguro, pois podem pagar o alto preço de clínicas particulares; quem paga o pato da criminalização são as mulheres trabalhadores e pobres que não tem assistência psicológica, médica ou social, realizando abortos inseguros que muitas vezes as levam a morte. No Bra sil 1 milhão de gestações são interrompidas de forma insegura por ano. O aborto é apontado como a quarta causa de mortalida de materna, send o que em Salvador é a primeira. Os números indicam maior gravidade do problema na região Nordeste do país, onde a taxa de mortalidade é de 2,73 a cada 100 mulheres. Como é possível que movimentos que invocam a defesa da vida não só fechem os olhos para dados concretos do altíssimo número de mortes maternas decorrentes de abortos inseguros como se esforçam para impedir que debates a respeito do tema sejam feitos?

É louvável a atitude da APROPUC em realizar tal debate no seio da PUC-SP, visto o avanço do conservadorismo no país acerca do tema e projetos de lei que visam criminalizar o aborto até nos casos em que é permitido por lei no Brasil: gravidez decorrente de estupro ou caso em que a mãe sofra risco de vida. Recentemente, em audiência pública da comunidade com o Reitor e os secretários da Fundação São Paulo, depois da fala de uma estudante acerca da falta de assistência estudantil à mulher na universidade e reivindicando que as produções acadêmicas e manifestações de qualquer tipo dentro da PUC-SP devem ser autônomas frente às determinações da Fundação São Paulo e da Igreja, o Padre João Júlio respondeu que jamais a Igreja fez ou fará patrulha ideológica dentro da PUC-SP. Poucos dias bastaram para escancarar que tratava-se apenas de falatór io. É repugnável a atitude de Dom Odilo Scherer de querer cercear na PUC-SP um debate difícil, porém necessário que diz respeito a uma questão de saúde pública, de ética, justiça racial e social.

http://cabenevidespaixao.wordpress.com/2010/10/06/repressao-da-igreja-na-puc-sobre-debate/

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