A nossa amiga investigadora feminista, Ana Barradas, acaba de publicar uma obra essencial de consulta: Dicionário de Mulheres Rebeldes, Ela Por Ela, Lisboa,2006
Dando Continuidade ao seu trabalho de anos na imprensa operária e de ensaios e conferências, nos apresenta uma obra cuidada e com vigor, na sequência da sua anterior obra Dicionário Incompleto de Mulheres Rebeldes.
Como ela afirma na sua introdução:
"Sendo a historiografia essencialmente tecida em volta dos feitos dos dominadores, as obras de referência que circulam limitam-se a consagraras figuras femininas "politicamente correctas", complementares da acção dos homens. Pouco se conhece do que foi a busca da emancipação das mulheres fora do quadro dominante (como acontece com a história de todos os escravos, párias, trânsfugas e oprimidos, o que não deixa de ser sintoma da relação de inferioridade em que, tal como eles, desde há muito se encontra o género dito mais fraco).
Nesta selecção que agora se apresenta transparece pois como critério fundamental o intuito de celebrar o desejo de revolta, o espírito pioneiro, os feitos inéditos e criativos, a dinâmica subversiva, a fuga à norma, enquadrando-os o mais possível num contexto época/, para tomar mais transparentes as causas, as motivações e os efeitos dessas atitudes quase sempre assumidas à custa de enormes doses de coragem. Mais do que o coleccionar de histórias passadas, servirá talvez de inspiração para percursos de vidas futuras...
Não se pretende pois enaltecer imperatrizes, cortesãs, sábias ou figuras desde há muito consagradas como "grandes mulheres" ou como "as mais famosas". Não se acharão aqui nomes como os da rainha Vitória, Catarina da Rússia ou Madame Curie, para citar apenas algumas.
Também não se busca abranger todas as épocas, todas as culturas, todos os meios sociais, todas as profissões. Muitas destas mulheres de que falo estão presentes neste livro porque me cruzei com elas, vieram em meu socorro, fizeram-me sinal, "encontrei-as" no meu caminho ao longo dos anos, umas por acaso, outras nem tanto. Entre elas há as que me surgem de forma recorrente, quase misteriosamente, como que aparições a chamar a minha atenção, como sinais do destino a marcar uma rota, a sugerir audácias. E há também aquelas que eu não conhecia e que a dado momento me foram apresentadas, dadas a conhecer ou apontadas ao longe, de passagem, por mãos amigas de homens e mulheres que, conhecendo o meu trabalho, me ajudaram generosamente a completar a "galeria das rebeldes". Algumas continuam a ocupar posições obscuras na história dos homens e nos registos que chegaram até nós, em resultado da sistemática desvalorização de tudo quanto é feminino e contra a norma vigente. Nem por isso me parecem menos dignas de nota, pelo contrário. Esse anonimato cativa-me, faz-me senti-las mais próximas, mais irmãs de todas as mulheres desconhecidas. O trabalho com estas consiste em desenterrar e articular as informações fragmentárias e dispersas e dar-lhes a coerência que merecem.
Em todas as eras e em todas as classes e ao contrário do que julgam os que medem a condição feminina pelo máximo denominador comum, as mulheres, como os escravos, os explorados e os oprimidos, sempre se manifestaram através da luta e do inconformismo. Numa abordagem mais sociológica, talvez se pudesse demonstrar que nunca deixou de existir um subsistema de ideias - quase como nas castas - próprio das mulheres quando se põem (ou são postas) à margem das normas aceites. Não será um efeito directo de qualquer insuspeita tendência criativa do sexo, mas sim um corpo de conceitos e reflexões segregado pela condição em que tem vivido, pela situação objectiva de submissão. Às vezes manifesta-se em verdadeiros tratados eruditos, como no caso da médica Trótula, que sistematizou o seu saber ginecológico para proveito de outras mulheres, ou deAntonieta Bourignon, que escreveu sobre o seu sonho da extinção de Deus e a redescoberta da androginia original. Mas também pode revelar-se num pequeno gesto, tantas vezes inconsciente, como no caso de Aurora Amigo, que aos 4 anos levava nas peúgas mensagens clandestinas de um comité de greve, ou num acto aparentemente inesperado impulsivo, como o de Louise Michel quando preferiu desistir da fuga redentora para se juntar à mãe presa.
A selecção que se segue tem lacunas evidentes, a primeira das quais é que as mulheres portuguesas estão mal representadas, por falta de material documental e porque a pesquisa exigível precisaria > mais tempo para se desenvolver de forma coerente. E também porque me parece, é preciso confessá-lo, que ao longo da história elas não se destacaram particularmente em matéria de rebeldia.
Muito enfeudadas à religião e aos costumes patriarcais, vivendo numa sociedade atrasada e periférica que nunca prezou as inovações, quase sempre caracterizada por um atavismo arreigado, por uma cultura de repressão e exclusão (não era essa a "apagada e vil tristeza"?) e por um desprezo muito generalizado pelo segundo sexo, foram raros os casos de inconformismo. Ainda está por fazer o balanço do efeito que sobre essa passividade terá tido, por exemplo, a caça às bruxas movida pela Inquisição, que foi no fundo, em grande medida, uma guerra contra as mulheres e os seus poderes de cura, de magia, de insubordinação. Curandeiras, feiticeiras, abortadeiras, "mulheres santas" e outras sacerdotisas do saber tradicional opular deviam figurar nesta antologia, mais do que a padeira de Aljubarrota, Maria da Fonte e outras figuras emblemáticas, que apenas viram o seu nome consagrado por a sua acção ter secundado, como pano de fundo, outras acções mais proeminentes, viris, políticas ou de alcance nacional, em defesa deste ou daquele interesse patriótico ou de classe. Por muito respeito que possam inspirar, essas mulheres que ouberam interpretar, mas apenas como auxiliares e fiéis executoras, as ideias-força da sua época não ao invocáveis para reforçar ideias como a capacidade de lutar pela afirmação da dignidade e identidade feminina num mundo que as espezinha."
Nesta obra muitas assistentes sociais são destacadas pelo seu esforço e trabalho e pode ser um motivo de incentivo à pesquisa na história passada e presente da nossa profissão.
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