Favela - 14/10/2009 16:07
Vigilância no Santa Marta
Por Marianna Araujo
Na noite de ontem, dia 13 de outubro, 15 moradores do morro Santa Marta se reuniram na sede do Grupo Eco, organização que atua na comunidade há 32 anos. O objetivo da reunião era dar continuidade ao debate que teve início na semana anterior e foi motivado pela instalação de câmeras de segurança na favela. A colocação de câmeras, no entanto, não é a única preocupação dos moradores nos últimos meses. Os relatos, ainda no começo do encontro, demonstraram as muitas questões que vêm provocando a mobilização daqueles que moram no morro.
A instalação de câmeras, assim como a construção de um muro que cerca o Santa Marta e o projeto que levou a rede de internet sem fio gratuita para a comunidade, faz parte de um conjunto de ações que vêm acontecendo no morro. A comunidade está ocupada por forças policiais desde novembro de 2008 e foi a primeira favela a experimentar o modelo de intervenção proposto pela atual gestão do governo do Estado, a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Nessa proposta, à ocupação da polícia somam-se outras ações do poder público de caráter social e de infraestrutura. Por isso tantas mudanças em um curto espaço de tempo. A conhecida favela de Botafogo vem funcionando como uma espécie de laboratório para políticas públicas, como definiu Itamar Silva, morador do Santa Marta.
Ausência de debate com a comunidade
Itamar era um dos presentes na reunião de ontem. Ele é coordenador do Grupo Eco e uma liderança local conhecida por sua longa trajetória na luta pelos direitos dos moradores de espaços populares. Itamar deu início ao encontro ressaltando que a repercussão da última reunião foi positiva e que o texto produzido pelo coletivo que estava presente, uma espécie de manifesto, circulou pela cidade, merecendo, inclusive, espaço na imprensa. No entanto, ele ponderou que apesar disso ainda há setores da sociedade que reagem negativamente aos questionamentos dos moradores. “Há uma carga grande quando nos manifestamos, porque tem gente que acha que isso é defender os traficantes”, explica ele, enfatizando que a mobilização entre os moradores não significa que desaprovam a ocupação policial e as demais ações do Estado. “Nós estamos batalhando pelo direito de debater e de decidir também o que é melhor para a comunidade”, conclui.
A fala inicial de Itamar deu o tom da reunião. As nove câmeras de segurança já estão instaladas e o governo do Estado não dá sinais de que haja alguma possibilidade de se debater sobre elas, muito menos de serem removidas, ainda que uma parcela dos moradores questione a presença delas pelas vias do morro. É o caso de Dorlene Meireles, que diz que não se sente protegida pelas câmeras. “Me sinto, na verdade, vigiada. Em um condomínio as imagens vão para a central do condomínio. Aqui, o morador é filmado o dia todo e isso acaba na Secretaria de Segurança Pública”, afirma. Dorlene sabe da inviabilidade da retirada das câmeras, mas explica que “ainda que estejam dizendo que não adianta, nós não podemos ficar desmobilizados, porque isso é um conjunto de coisas, não é só a câmera”.
Falta de liberdade
O desafio que está colocado para os moradores do Santa Marta, hoje, não são as ações isoladas, mas o conjunto de iniciativas do poder público e os impactos que elas causam na comunidade. A fala de Dorlene resume esse cenário. Para ela e o coletivo que vem se reunindo no Grupo Eco, ainda que não seja possível desfazer certas ações, a mobilização é fundamental na perspectiva de influenciar projetos futuros e fazer ecoar as consequências da intervenção do Estado. “É importante mostrar que temos opinião e que nos incomoda a forma como certas coisas são feitas. Cada ponto que ficamos sem discutir, ficamos mais enfraquecidos”, afirmou Itamar Silva, enfatizando a importância da organização popular. Ele prosseguiu levantando uma outra questão, mais recente, que atinge diretamente alguns moradores. Trata-se dos apartamentos construídos para alguns deles e que possuem apenas 32m2. “Foi o muro e parecia que não afetava ninguém. As câmeras e também deixamos passar. O morador só vai se dar conta quando ele mudar para o apartamento e não conseguir pagar a conta de luz de uma casa tão pequena que não acomoda seus filhos e depois seus netos”, conclui o coordenador no Grupo Eco.
A ocupação do Santa Marta está há alguns dias de completar um ano. Muitas foram as mudanças implementadas no morro, algumas delas fáceis de perceber, como a presença ostensiva da polícia ou a pintura das fachadas que são vistas da Rua São Clemente. Basta uma caminhada pela favela para notar que a maioria das casas nunca foi pintada. Não é difícil notar também que a participação popular neste conjunto de transformações é quase nula e é essa a principal motivação para a mobilização dos moradores.
Dorlene Meireles, moradora do Santa Marta e uma das integrantes do coletivo que tem se reunido no Grupo Eco“Como pode uma pessoa que vem de fora dizer o que é melhor para minha comunidade?”, questiona Simone Lopes, moradora do Santa Marta. A preocupação de Simone parece ser comum entre muitos de seus vizinhos que assistem sem entender às intervenções diárias no local onde vivem. “Tem muita coisa que a gente descobre pela imprensa ou quando sai de casa e dá de cara”, conta ela. Outro ponto colocado pelos moradores é a forma como os recursos para as obras são direcionados. “Há tantas coisas para se fazer, tantos barracos aí com essa chuva e gastam dinheiro com câmeras?”, indaga Dorlene.
Participação da comunidade
É no intuito de tentar interferir esse processo que o coletivo de moradores vem se reunindo no Grupo Eco. “Nós queremos que o governo venha a público e diga qual o projeto de urbanização do Santa Marta. Porque havia um, que foi debatido com moradores e aprovado, mas que não está sendo seguido. Nós queremos conversar, saber o que vai acontecer e dar nossa opinião”, explica Itamar Silva.
No encontro de ontem algumas questões que se mostram como urgentes foram colocadas pelos presentes, demonstrando a importância de se ouvir os moradores ao realizar intervenções do gênero daquelas que vêm ocorrendo no morro. Muitos falaram, por exemplo, da precariedade na iluminação dos becos e vielas. A presença do policiamento fortemente armado e o constrangimento causado pela abordagem policial em muitas situações também foi lembrado. Simone, novamente se questionou: “é difícil de entender, não temos mais traficante armado na rua, mas a polícia está aí de fuzil o tempo todo. E as crianças? E o respeito ao morador?”. Para Sônia, que teve um sobrinho agredido por um policial, “tem muita coisa acontecendo, mas as pessoas têm medo de denunciar”.
O grupo concluiu a reunião com a decisão de encaminhar uma carta aos gestores estaduais e municipais propondo uma assembléia no Santa Marta onde seja apresentado o projeto completo de urbanização da comunidade. A intenção dos moradores é poder emitir opiniões sobre essas ações e juntamente com o poder público buscar as melhores soluções para suas demandas.
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